quinta-feira, 16 de dezembro de 2021

Liberação de vacina infantil enfurece Bolsonaro



Bolsonaro ficou transtornado ao receber a confirmação de que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária anunciaria a aprovação do uso da vacina da Pfizer para crianças de 5 a 11 anos. O presidente já estava aborrecido com o diretor-presidente da Anvisa, Antonio Barra Torres. O aborrecimento evoluiu para a fúria.

Em público, Bolsonaro já havia se referido à Anvisa de forma desairosa ao chamar de "coleira" o passaporte vacinal que a agência recomendou que fosse exigido dos viajantes que chegam ao Brasil. Entre quatro paredes, o presidente declarou que, se pudesse atrasar o relógio, não teria indicado Barra Torres para comandar a Anvisa.

A perspectiva de aprovação da versão infantil da vacina da Pfizer levou-o a se referir a Barra Torres com expressões de calão rasteiro. Os palavrões pronunciados em privado soaram como um prenúncio das barbaridades que Bolsonaro dirá sob refletores sobre a vacinação de crianças.

Num instante em que o governo torce o nariz para a necessidade de editar nova portaria com as normas sobre o comprovante de vacinação dos viajantes, o presidente trama sua nova investida antissanitária. Disse que exigirá do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que realce os "efeitos colaterais" da vacina infantil.

A implicância de Bolsonaro com vacinas deixou de ser teimosia. É sabotagem.

Bolsonaro dá ripada no Estado para acudir Hang



Na hora do aperto, a tendência do ser humano é a de procurar a sua turma. Foi o que fez o dono da Havan, Luciano Hang, quando uma equipe do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, o Iphan, interditou a construção de uma de suas lojas na cidade gaúcha de Rio Grande, em dezembro de 2019. Alegou-se que havia no local material de interesse arqueológico. O empresário tocou o telefone para o amigo presidente. E Bolsonaro reagiu à moda Bolsonaro.

"Ripei todo mundo" no Iphan, contou o capitão num encontro com empresários, na Fiesp. A plateia caiu na gargalhada. E aplaudiu. Os dicionários trazem muitos significados para o verbo ripar. Entre eles "espancar", "ofender", "humilhar", "aviltar". Foi exatamente o que fez Bolsonaro. Espancou a autoridade do Iphan. Ofendeu o interesse público. Aviltou os mais elementares princípios republicanos.

"O Iphan não dá mais dor de cabeça para a gente", disse Bolsonaro aos empresários, com o sentimento de dever cumprido. Voltando-se para o ministro Ciro Nogueira, da Casa Civil, o presidente piorou o soneto com uma emenda inusitada:

"Quando eu ripei o cara do Iphan o que teve... —me desculpa aqui prezado Ciro— o que teve de político querendo uma indicação não estava no gibi. Daí eu vi realmente o que pode fazer o Iphan, tem um poder de barganha extraordinário. Vocês sabem o que acontece!"

Bolsonaro insinuou que servidores do Iphan criam dificuldades para vender facilidades. A insinuação vira aleivosia quando chega desacompanhada de nomes e CPFs. Transforma-se em prevaricação quando o orador deixa de mencionar as providências que adotou para punir os funcionários indignos.

Deve-se lamentar, de resto, que Bolsonaro não tenha esboçado essa tipo de preocupação quando entregou o orçamento secreto, a Casa Civil, a Secretaria de Governo e vários cofres de segundo escalão ao centrão. Ou quando contraiu matrimônio com o partido do ex-preso do mensalão Valdemar Costa Neto.

O contrário do antibolsonarismo primário é um pro-bolsonarismo inocente, que aceita todas as presunções de Bolsonaro a seu próprio respeito. O capitão já afirmou certa vez: "Eu sou a Constituição". Alguém que diz algo assim imagina que é o próprio Estado.

Não é a hipocrisia do presidente patriota que espanta. O que assusta mesmo é a sensação de que Bolsonaro não está sendo cínico. Ele acredita mesmo que a sua missão especial no mundo da Terra plana lhe dá o direito de tratar a coisa pública como se fosse coisa sua. Ou dos seus amigos. Ou dos seus filhos.

Por Josias de Souza