quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Heleno na CPMI: Moro faz discurso que, na prática, prega golpe de Estado já


Sergio Moro e Augusto Heleno durante depoimento do general à CPMI do 8 de Janeiro. Qual deles fez o discurso mais golpista?

O senador Sergio Moro (União-PR) expôs nesta terça a sua natureza golpista sem meias-palavras. Mais ele do que o general Augusto Heleno, com seu depoimento detestável, defendeu o suposto direito das Forças Armadas à quartelada. Vamos ver.

Moro vai se transformando, com impressionante velocidade, numa das figuras mais detestáveis da política brasileira. Vocês sabem o que penso de Bolsonaro, do bolsonarismo e dos bolsonaristas. Acho que suas postulações são incompatíveis com o pacto civilizatório. Falta-lhes tudo o que faz a militância política instrumento do progresso humano: espírito democrático, informação, projeto, tolerância, empatia, generosidade... Trata-se de uma soma de horrores e de primitivismos. Avalio que Moro — cujo mandato, creio, está com os dias contados — consegue ser pior, mais abjeto, mais desprezível. E a razão é simples: ele finge o que não é para disfarçar o que é. Não chega a ser uma virtude, mas é um dado da realidade: um bolsonarista-raiz, a começar do próprio "modelo", disfarça muito pouco a cepa de que é feito.

O discurso de Moro é mais fingido. Ele simula falar em nome das leis. Tenta — é bem verdade que a gramática não ajuda — fazer com que a antiga experiência de juiz lhe empreste um certo ar de gravidade, como se anunciasse: "Olhem, eu não sou um desses histéricos do PL; um desses moleques irresponsáveis que falam o que dá na telha; eu sou aquele que já se ofereceu como o paladino do combate à corrupção".

Considerem: alguns arruaceiros da quinta série que hoje estão no Congresso mais são o resultado do que a causa de um dano colossal. No que respeita a Moro, a coisa é bem distinta. Ele está na origem de muitos desaires, da razia a que foi submetido o país. Que tenha uma visão de mundo golpista, bem, jamais duvidei disso. Afinal de contas, um juiz que combina procedimentos com o órgão acusador está golpeando o devido processo legal. Sua atuação à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba está sob investigação do Conselho Nacional de Justiça. Voltemos a esta terça.

Inconformado com o que considerou "tratamento desrespeitoso" de parlamentares da base do governo com o general Heleno, resolveu sair em sua defesa. Não que ele se preocupe sempre com a honra de um fardado da reserva que senta no banco dos depoentes. Os bolsonaristas tentaram triturar o general Gonçalves Dias, e é claro que o senador-por-enquanto não levantou a voz em sua defesa. De toda sorte, ele pode ter a opinião que quiser. O problema é outro. Moro resolveu brincar com coisa séria e discursou para tentar jogar as Forças Armadas contra o governo Lula. Mais do que isso: ele efetivamente tratou os militares como se fossem um poder moderador. Transcrevo um trecho de sua fala:

"(...) e essa minha percepção refletem um sentimento deste governo Lula, que é de desacreditar as Forças Armadas. É certo que o general não representa as Forças Armadas aqui, mas é um general que pertence a uma instituição, ainda que na condição de general da reserva, e precisaria ser respeitado. No fundo, esse comportamento da base governista reflete o comportamento do governo Lula em relação às Forças Armadas, que as quer desacreditadas, que as quer fragilizadas para que não possam reagir aos arbítrios que nós estamos vendo aqui no nosso dia a dia (...)"

Engatou, na sequência, algumas indagações meramente retóricas, todas elas destinadas a tentar evidenciar o impossível: o governo teria sido leniente com o ataque às respectivas sedes dos Três Poderes.

VAMOS VER

Os maiores avanços no que respeita ao aparelhamento das Forças Armadas se deram justamente nos dois primeiros mandatos de Lula, complementados depois pelo governo Dilma, com a compra dos caças. Neste mandato, não há reclamação de desprestígio que os fardados possam fazer. Muito pelo contrário. Todas as manifestações do presidente e de José Múcio Monteiro, ministro da Defesa, têm sido no sentido de apoio às demandas técnicas apresentadas. E isso é apenas um fato, que está também no Orçamento e na estruturação do PAC.

Como diz o senador-com-prazo-curto, com seu discurso partido ao meio, Heleno não depunha como uma "representante das Forças Armadas", mas como ex-chefe do GSI e, o que era público e notório, como um dos formuladores do governo Bolsonaro. Concentrava as ações de segurança do Estado e de Inteligência. Se há na praça a informação — referendada por um número crescente de fontes e indícios — de que Bolsonaro instigou as Forças Armadas a dar um golpe, é evidente que o general tinha de ser chamado a depor. Dadas concepções e visões de mundo conhecidas — como a de que o Artigo 142 garante aos militares o papel de Poder Moderador —, prenunciava-se um duro embate.

Mas lá estava gente como o próprio Sergio Moro para apoiá-lo — sem contar que Heleno sabe se defender e atacar, como vimos. Disse coisas horríveis, note-se. Ao chamar de "pacíficas" as manifestações dos que ocupavam as imediações do QG do Exército, por exemplo, estava, na prática, a defender uma espécie de direito à pregação de golpe de Estado. E não há. Trata-se de crime. Voltemos a Moro.

GOLPE AGORA

Releiam a sua fala. Além do claro propósito de incitar os militares contra o governo, acusa um esforço deste para afetar a credibilidade das Forças Armadas para que, uma vez fragilizadas, "não possam reagir aos arbítrios que nós estamos vendo aqui no nosso dia a dia (...)". Entenderam?

"Reagir aos arbítrios"? Moro está dizendo, então, que os militares, sem que sejam nem mesmo convocados por um dos Poderes — como dispõe, aliás, o Artigo 142 —, podem agir de moto-próprio, por sua vontade, para pôs fim a supostos "arbítrios que nós estamos vivendo".

As palavras fazem sentido. E a gramática, mesmo a de Moro, fala. Emprega o gerúndio "vivendo" — e, por óbvio, na sua cabeça, "estamos vivendo os arbítrios" agora. Se assim é e se ele atribui aos militares a competência que não têm para interferir na vida pública — e fica claro que está se referindo ao governo Lula —, então só se pode concluir que vê motivos para uma intervenção armada, que também recebe o nome de "golpe de Estado".

E isso, convenham, nem o general Augusto Heleno fez.