quarta-feira, 1 de março de 2023

CPI vira tramoia golpista. Investigado quer investigar? Tem rato na tuba



Como? Mobilização de governistas, sobretudo de bolsonaristas fanáticos, em favor de uma CPI ou CPMI (a comissão mista) para investigar os atos golpistas? É claro que tem gato — ou ratos — na tuba, não é mesmo?

Vamos ver. Logo depois do ataque, que recorreu a métodos terroristas, a senadora Soraya Tronicke (União-MS) começou a colher assinaturas para uma CPI no Senado. Alguns governistas assinaram. Soraya, diga-se, entrou com um Mandado de Segurança no Supremo, cujo relator é Gilmar Mendes, pedindo uma liminar para obrigar Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o presidente da Casa, a instalar a comissão imediatamente. O ministro pediu informações à Mesa da Casa, mas não concedeu a cautelar.

Não custa lembrar: o Parágrafo 3º do Artigo 58 da Constituição aponta três condições para a instalação de uma comissão: ao menos um terço das assinaturas de parlamentares, fato determinado e prazo de funcionamento. Transcrevo:
"§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores."

A questão: existe fato determinado? Já chego lá.

A base bolsonarista no Congresso, incluindo alguns fanáticos que flertaram abertamente com a patuscada violenta, resolveu abraçar a ideia da CPI. Já no dia 9, começou a circular no esgoto da extrema-direita a falácia de que a violência teria sido patrocinada por grupos de esquerda infiltrados e que o governo Lula teria feito corpo mole para, ora vejam!, transformar em vilãs aquelas boas pessoas que só queriam mesmo um golpe de estado, nada mais.

E eis que vem à luz um novo pedido, este de CPMI — isto é, de CPI mista, com Senado e Câmara. Traz 189 assinaturas de deputados e 33 de senadores, todos identificados com a oposição ao atual governo. Quem protocolou o requerimento é o deputado André Fernandes (PL-CE), que, pasmem!, é personagem de um dos inquéritos abertos no STF por envolvimento com os crimes de 8 de janeiro.

Vocês entenderam direito: aquele que é alvo da Justiça por colaborar com a barbárie se oferece como um militante contra a... a barbárie!!! E que se note: no seu caso, o pedido de apuração foi feito pela própria Procuradoria Geral da República, que anexou um vídeo em que este senhor convocava um ato contra o presidente Lula para o próprio dia 8 de janeiro. Após a depredação, ele publicou a imagem com uma porta de armário com o nome do ministro Alexandre de Moraes. A PGR apontou incitação ao crime, além de uma provocação da prática de abolição violenta do estado democrático de direito.

PALANQUE PARA O CRIME
É claro que falta saber muita coisa. Ocorre que Supremo, Ministério Público Federal e Polícia Federal estão fazendo o seu trabalho. A situação em nada se assemelha à CPI da Covid, quando a omissão do governo federal era escancarada, diante de uma montanha de cadáveres.

Os bolsonaristas estão numa cruzada para tentar inverter o ônus da responsabilidade pelo espetáculo violento e grotesco. Não querem apurar coisa nenhuma. O objetivo, evidente a esta altura, é responsabilizar o governo Lula por atos que eles próprios apoiaram ou patrocinaram, tentando tumultuar o trabalho do Supremo.

O próprio André Fernandes, o que publicou a imagem da porta do armário da sala de Moraes, não esconde. No Twitter, escreveu:
"Acabamos de protocolar o requerimento da CPMI do 8 de janeiro com 189 assinaturas na Câmara dos Deputados e 33 no Senado Federal. Mais de 1/3 do Congresso Nacional quer esta comissão para investigar todos os atos de ação e omissão ocorridos no último 8 de janeiro em Brasília".

Eis aí: quem teria se omitido, não é mesmo?, quando este senhor incentivava os atos golpistas e publicava em suas redes o produto do crime?

Mendes pode conceder a liminar para que as raposas zelem por seus pares, pode negar a cautelar ou submetê-la a plenário. Vamos ver. Tendo a achar que a decisão caberá mesmo ao presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco. Que tenha prudência. Não se trata de ilação, mas de fato: gente flagrada com a boca na botija decidiu se colocar como guardiã da lei e da ordem. Faz sentido?

A ilegalidade me parece patente. Não é uma comparação de conteúdos e de personagens, mas de estruturas: se chefes do PCC ou das milícias pedissem uma cruzada contra o crime organizado, é certo que haveria gato na tuba. Ou ratos.

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