quarta-feira, 1 de março de 2023

Histórico de interferências de Bolsonaro na Receita vai de dívidas de igrejas a ajuda para defesa de Flávio


Jair Bolsonaro durante evento na Flórida

Em agosto de 2019, José Paulo Ramos Fachada Martins da Silva, então subsecretário-geral da Receita Federal — espécie de número 2 do órgão —, foi exonerado do cargo em meio a pressões de Bolsonaro e seu entorno por mudanças. O Planalto trabalhava, à época, para trocar o delegado fiscal responsável pelo Porto de Itaguaí, no Rio — conhecido por estar na rota do contrabando de armas e drogas e por ficar numa região sob influência de milícias —, e a chefe do Centro de Atendimento ao Contribuinte da Barra da Tijuca, bairro na Zona Oeste da capital fluminense onde o ex-presidente tem residência. As tensões envolviam ainda apurações da Receita que miravam Gilmar Mendes e a esposa de Dias Toffoli, ambos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Dias antes da demissão de Martins da Silva, o auditor José Alex Nóbrega de Oliveira, que comandava há um ano e meio a alfândega do porto, publicou, em um grupo nas redes sociais, uma mensagem na qual afirmava que "forças externas que não coadunam com os objetivos de fiscalização da Receita Federal" estariam interessados em sua saída. Oliveira chegou a afirmar que, ao se negar a ceder às investidas por um nome político no posto, o superintendente da Receita Federal da 7ª Região Fiscal (Rio de Janeiro e Espírito Santo), Mário José Dehon Santiago, também estaria ameaçado.

— Está interferindo? Ora, eu fui (eleito) presidente para interferir mesmo, se é isso que eles querem. Se é para ser um banana ou um poste dentro da Presidência, 'tô' fora — disparou Bolsonaro enquanto as sucessivas polêmicas na Receita enfileiravam-se. O ex-presidente também reclamou de uma suposta "devassa na vida financeira" de familiares no Vale do Ribeira. Irmão do político, Renato Antonio Bolsonaro havia recebido um aviso de cobrança da Receita no valor de R$ 1.682 por conta de débitos relativos a uma empregada doméstica — a situação foi regularizada em seguida.

Com a crise instaurada, funcionários graduados do órgão em todo o país ameaçaram entregar seus cargos, o que inviabilizaria as atividades fiscais. Oliveira foi mantido após a queda de braço, mas uma série de medidas administrativas diminuíram seu poder de fiscalização sobre o Porto de Itaguaí. Ele chegou a receber ameaças, necessitando de escolta. Enfraquecido, acabou substituído em janeiro de 2021 pelo auditor fiscal Gilson Rodrigues de Souza. Já Dehon mudou de função ainda em 2020, passando a chefiar a 6ª Região Fiscal (Minas Gerais).

Secretário especial da Receita Federal e alvo maior da pressão bolsonarista na ocasião, Marcos Cintra foi deposto menos de um mês depois de o imbróglio envolvendo o Porto de Itaguaí vir à tona. Neste caso, porém, a motivação foi outra: ele entrou em atrito com o Planalto ao defender a criação de uma nova CPMF. Cintra acabou sendo candidato a vice-presidente na chapa de Soraya Thronicke (União Brasil) no ano passado.

Em abril de 2020, durante uma reunião no Palácio do Planalto com lideranças evangélicas e o novo secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, Bolsonaro cobrou uma solução para as dívidas tributárias milionárias das igrejas. O ex-presidente deu ordens semelhantes outras vezes, com a recomendação expressa de que o assunto fosse resolvido, mas o órgão resistiu às investidas. "É impressionante como a Receita atrapalha o desenvolvimento do Brasil", criticou Bolsonaro em outra ocasião.

Tostes Neto, entretanto, também cairia no fim do ano. Embora tenha deixado o governo "a pedido", para assumir um cargo na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris, o chefe da Receita resistiu a meses de pressão para que o nome preferido de Flávio Bolsonaro fosse escolhido para comandar a Corregedoria do órgão. O auditor Julio Cesar Vieira Gomes substituiu Neto.

Flávio já havia dado cartas na Receita Federal antes. Entre outubro de 2020 e fevereiro de 2021, cinco servidores foram escalados para apurar se dados fiscais do senador teriam sido repassados ilegalmente ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), dando origem ao caso das rachadinhas. Acusado de manter um esquema de desvio de salários de funcionários de seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), em caso que acabou arquivado, o filho de Bolsonaro mobilizou o aparato estatal para turbinar sua estratégia de defesa. A pesquisa custou quase R$ 500 mil aos cofres públicos, como revelou à época o jornal Folha de SP.

Em nota, Ricardo Pereira Feitosa negou ter cometido qualquer violação, afirmando ainda que “não vazou dados sigilosos e que sempre atuou no estrito cumprimento do dever legal”. A defesa do servidor pontua também que “sua vida funcional sempre foi reconhecida pela seriedade, zelo, atenção ao interesse público e cumprimento estrito dos deveres legais, trabalhando no combate à prática de ilícitos tributários e exercendo seu poder-dever de atuar na inteligência fiscal”.

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