A investigação contra Ricardo Salles e a cúpula do Meio Ambiente nasceu com a apreensão, no Porto de Savannah, na Georgia, nos EUA, de três cargas de produtos florestais oriundos do Brasil sem a devida documentação. Quem interceptou o material ilegal foi o Ibama de lá: o Serviço de Pesca e Vida Selvagem. Os dados foram enviados ao adido do órgão na embaixada dos EUA no Brasil, Bryan Landry.
Este, por sua vez, encontrou-se com o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, para tratar da apreensão dos carregamentos. Transcrevo, abaixo, relato da Polícia Federal:
Em 21/02/2020 (...), Bryan Landry e outros funcionários da Embaixada Americana em Brasília/DF realizaram reunião com Eduardo Fortunato Bim (Presidente do IBAMA), Raquel Taitson Queiroz Bevilaqua (Chefe da Divisão de Assuntos Internacionais) e João Pessoa Riograndense Moreira Junior (à época Coordenador-geral).
Na ocasião, o Bryan Landry explicou como funcionaria o Lacey Act, que estabelece uma série de condicionantes para a entrada de madeira estrangeira nos Estados Unidos e proíbe todo e qualquer comércio de plantas e produtos vegetais, inclusive móveis, papel e madeira, de fontes ilegais provenientes de qualquer estado dos Estados Unidos (a legislação estabeleceria, ainda, várias penalidades para violações da lei, inclusive o confisco de produtos e navios, multas e penas privativas de liberdade), e de que forma a referida lei poderia desempenhar um papel fundamental à proteção da Amazônia, justamente por proibir a entrada e a comercialização de qualquer produto que não esteja em pleno acordo com as leis brasileiras.
Destacou, ainda, que os documentos recebidos do Ibama teriam criado uma situação confusa para as autoridades dos Estados Unidos, pois teriam constatado possíveis irregularidades em relação às exportações apreendidas no porto de "Savannah"
A Tradelink é uma das empresas investigadas. Há outras. Entenderam o ponto? A embaixada americana estava dizendo ao órgão oficial de controle ambiental que este não estava seguindo as próprias regras. E agora vem a questão realmente sensacional. O Ibama resolveu informar à embaixada os truques a que tinha recorrido para tornar legal o ilegal. Segue outro trecho de relato da PF:
Em 25/02/2020, a Embaixada dos Estado Unidos, por meio do adido Bryan Landry, recebeu uma cópia do Despacho n. 7036900/2020-GABIN, denominado de "despacho interpretativo", firmado pelo Presidente do IBAMA (Eduardo Fortunato Bim).
(...)
A autoridade policial destacou, em síntese, que o Presidente do IBAMA, por meio do referido documento, teria fixado uma orientação geral no sentido de dispensar a necessidade de autorização específica para exportação dos produtos e subprodutos florestais de origem nativa em geral, em descompasso com o estabelecido na Instrução Normativa n. 15/2011, do IBAMA (Anexo VII). Ainda segundo ele, a legalidade da exportação seria atestada apenas pelo Documento de Origem Florestal (DOF), extraído de sistemas do Ibama, ou pela Guia Florestal (GF), expedida pelos órgãos ambientais estaduais.
Por fim, a autoridade policial asseverou que a referida empresa "TRADELINK MADEIRAS LTDA" seria uma infratora contumaz, possuindo inúmeras autuações que, somadas, totalizariam R$ 7.866.609,04 (sete milhões, oitocentos e sessenta e seis mil, seiscentos e nove reais e quatro centavos), além de ter noticiado a existência de cinco comunicações de operações suspeitas objeto do RIF n. 60204.2.2536.4046, de 20/04/2021 (Anexo VI), elaborado mediante solicitação da autoridade policial (SEI-C 80048, período compreendido entre 01/01/2016 a 19/04/2021).
O TRUQUE
Vale dizer: o presidente do Ibama resolveu eliminar a autorização para a exportação de maneira, bastando, então, o documento que autoriza o transporte. Na decisão desta quarta, o ministro Alexandre de Moraes tornou sem efeito o "despacho interpretativo" e restabeleceu a Instrução Normativa que obriga a emissão da autorização.
Ao todo, Moraes determinou 35 mandados de busca de apreensão. O eixo da investigação é a facilitação de contrabando de madeira, no curso do qual nada menos de nove crimes teriam sido cometidos, inclusive o de formação de organização criminosa.
Toda a cúpula do Meio Ambiente está sob investigação, a saber:
1: Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente;
2: Walter Mendes Magalhães Júnior: foi nomeado por Salles Superintendente Regional do Ibama no Pará em 08/10/2019, cargo em que permaneceu até 29/04/2020, quando foi promovido pelo ministro a Coordenador-geral de Fiscalização;
3: Olivandi Alves Azevedo Borges: No IBAMA, foi nomeado por Salles Diretor de Proteção Ambiental entre 10 de janeiro de 2019 e 13 de abril de 2020, quando foi promovido a secretário adjunto de Biodiversidade;
4: João Pessoa Riograndense Moreira Júnior: diretor Uso Sustentável da Biodiversidade e Florestas;
5: Rafael Freire de Macedo: é analista ambiental do Ibama. Na condição de substituto de João Pessoa Riograndense Moreira Júnior, foi o responsável por elaborar e assinar o "Ofício n. 7/2020/DBFLO" de 09/01/2020, que atestou a regularidade da carga da empresa "EBATA PRODUTOS FLORESTAIS LTDA" associada à "AIMEX", apreendida pelas autoridades americanas.
6: Eduardo Fortunato Bim, é o atual Presidente do Ibama, afastado do cargo por Moraes;
7: Olímpio Ferreira Magalhães: foi nomeado por Salles Superintendente do Ibama no Amazonas e posteriormente promovido para a diretor de Proteção Ambiental (DIPRO);
8: Leslie Nelson Jardim Tavares: é servidor de carreira do Ibama e foi nomeado por Salles Coordenador de Operações de Fiscalização (COFIS), em substituição a Hugo Ferreira Netto Loss, que foi exonerado após coordenar operação contra garimpo ilegal em terras indígenas no Pará;
9: André Heleno Azevedo Silveira: é oriundo da Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e foi nomeado por Salles Coordenador de Inteligência de Fiscalização desde 20/08/2020;
10: Artur Vallinoto Bastos: é analista ambiental do Ibama em Belém/PA e foi o responsável pela emissão da "Autorização para Exportação n. 85/2020-NUFIS-PA/DITEC-PA/SUPES-PA", relativa à exportação de carga de madeira da empresa "WIZI INDÚSTRIA COMÉRCIO E EXPORTAÇÃO DE MADEIRAS LTDA", em 23/01/2020;
11: Leopoldo Penteado Butkiewicz: é o atual assessor especial do ministro do Meio Ambiente;
12: Wagner Tadeu Matiota: foi nomeado por Salles Superintendente de Apuração de Infrações Ambientais em 09/12/2020.
Também são investigadas as seguintes pessoas jurídicas:
13: Confloresta - Associação Brasileira das Empresas Concessionárias Florestais;
14: Aimex - Associação das Indústrias Exportadoras De Madeira no Pará;
15: Ebata Produtos Florestais Ltda";
16: Wizi Indústria Comércio e Exportação de Madeiras Ltda;
17: Tradelink Madeiras Ltda.
Foram ainda alvos de mandados de busca de apreensão, além das pessoas e empresas relacionadas acima:
18: Leônidas Dahás Jorge de Souza;
19: Leonidas Ernesto de Souza;
20: Esdras Heli de Souza;
21: David Pereira Serfaty;
22: Leon Robert Weich;
23: Jadir Antonio Zilio
SIGILOS QUEBRADOS E SUSPENSÃO DA FUNÇÃO PÚBLICA
Todas as pessoas físicas e jurídicas -- incluindo, claro!, o ministro Ricardo Salles e o presidente do Ibama, Eduardo Fortunato Bim, tiveram os sigilos fiscal e bancário quebrados correspondentes ao período entre 01/01/2018 a 12/05/2021.
Sobre Salles, escreve Moraes:
"A esse respeito, a representação ainda aponta a possível existência de indícios de participação do Ministro do Meio Ambiente, Ricardo de Aquino Salles, em razão de comunicações ao COAF por operações suspeitas realizadas, também nos últimos anos, por intermédio do escritório de advocacia do qual o referido Ministro de Estado é sócio",
Todos os membros da cúpula do Ibama, incluindo o seu presidente, e do Ministério do Meio Ambiente, exceção feita a Salles, estão afastados do cargo, conforme prevê o Inciso VI do Artigo 319 do Código de Processo Penal:
"VI - suspensão do exercício de função pública ou de atividade de natureza econômica ou financeira quando houver justo receio de sua utilização para a prática de infrações penais."
Salles, o machão, foi à sede à Superintendência da Polícia Federal em Brasília, acompanhado de uma segurança armado, para obter informações. Foi inútil. A investigação está sob sigilo.
Por Reinaldo Azevedo