quarta-feira, 27 de setembro de 2023

Heleno na CPMI: Moro faz discurso que, na prática, prega golpe de Estado já


Sergio Moro e Augusto Heleno durante depoimento do general à CPMI do 8 de Janeiro. Qual deles fez o discurso mais golpista?

O senador Sergio Moro (União-PR) expôs nesta terça a sua natureza golpista sem meias-palavras. Mais ele do que o general Augusto Heleno, com seu depoimento detestável, defendeu o suposto direito das Forças Armadas à quartelada. Vamos ver.

Moro vai se transformando, com impressionante velocidade, numa das figuras mais detestáveis da política brasileira. Vocês sabem o que penso de Bolsonaro, do bolsonarismo e dos bolsonaristas. Acho que suas postulações são incompatíveis com o pacto civilizatório. Falta-lhes tudo o que faz a militância política instrumento do progresso humano: espírito democrático, informação, projeto, tolerância, empatia, generosidade... Trata-se de uma soma de horrores e de primitivismos. Avalio que Moro — cujo mandato, creio, está com os dias contados — consegue ser pior, mais abjeto, mais desprezível. E a razão é simples: ele finge o que não é para disfarçar o que é. Não chega a ser uma virtude, mas é um dado da realidade: um bolsonarista-raiz, a começar do próprio "modelo", disfarça muito pouco a cepa de que é feito.

O discurso de Moro é mais fingido. Ele simula falar em nome das leis. Tenta — é bem verdade que a gramática não ajuda — fazer com que a antiga experiência de juiz lhe empreste um certo ar de gravidade, como se anunciasse: "Olhem, eu não sou um desses histéricos do PL; um desses moleques irresponsáveis que falam o que dá na telha; eu sou aquele que já se ofereceu como o paladino do combate à corrupção".

Considerem: alguns arruaceiros da quinta série que hoje estão no Congresso mais são o resultado do que a causa de um dano colossal. No que respeita a Moro, a coisa é bem distinta. Ele está na origem de muitos desaires, da razia a que foi submetido o país. Que tenha uma visão de mundo golpista, bem, jamais duvidei disso. Afinal de contas, um juiz que combina procedimentos com o órgão acusador está golpeando o devido processo legal. Sua atuação à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba está sob investigação do Conselho Nacional de Justiça. Voltemos a esta terça.

Inconformado com o que considerou "tratamento desrespeitoso" de parlamentares da base do governo com o general Heleno, resolveu sair em sua defesa. Não que ele se preocupe sempre com a honra de um fardado da reserva que senta no banco dos depoentes. Os bolsonaristas tentaram triturar o general Gonçalves Dias, e é claro que o senador-por-enquanto não levantou a voz em sua defesa. De toda sorte, ele pode ter a opinião que quiser. O problema é outro. Moro resolveu brincar com coisa séria e discursou para tentar jogar as Forças Armadas contra o governo Lula. Mais do que isso: ele efetivamente tratou os militares como se fossem um poder moderador. Transcrevo um trecho de sua fala:

"(...) e essa minha percepção refletem um sentimento deste governo Lula, que é de desacreditar as Forças Armadas. É certo que o general não representa as Forças Armadas aqui, mas é um general que pertence a uma instituição, ainda que na condição de general da reserva, e precisaria ser respeitado. No fundo, esse comportamento da base governista reflete o comportamento do governo Lula em relação às Forças Armadas, que as quer desacreditadas, que as quer fragilizadas para que não possam reagir aos arbítrios que nós estamos vendo aqui no nosso dia a dia (...)"

Engatou, na sequência, algumas indagações meramente retóricas, todas elas destinadas a tentar evidenciar o impossível: o governo teria sido leniente com o ataque às respectivas sedes dos Três Poderes.

VAMOS VER

Os maiores avanços no que respeita ao aparelhamento das Forças Armadas se deram justamente nos dois primeiros mandatos de Lula, complementados depois pelo governo Dilma, com a compra dos caças. Neste mandato, não há reclamação de desprestígio que os fardados possam fazer. Muito pelo contrário. Todas as manifestações do presidente e de José Múcio Monteiro, ministro da Defesa, têm sido no sentido de apoio às demandas técnicas apresentadas. E isso é apenas um fato, que está também no Orçamento e na estruturação do PAC.

Como diz o senador-com-prazo-curto, com seu discurso partido ao meio, Heleno não depunha como uma "representante das Forças Armadas", mas como ex-chefe do GSI e, o que era público e notório, como um dos formuladores do governo Bolsonaro. Concentrava as ações de segurança do Estado e de Inteligência. Se há na praça a informação — referendada por um número crescente de fontes e indícios — de que Bolsonaro instigou as Forças Armadas a dar um golpe, é evidente que o general tinha de ser chamado a depor. Dadas concepções e visões de mundo conhecidas — como a de que o Artigo 142 garante aos militares o papel de Poder Moderador —, prenunciava-se um duro embate.

Mas lá estava gente como o próprio Sergio Moro para apoiá-lo — sem contar que Heleno sabe se defender e atacar, como vimos. Disse coisas horríveis, note-se. Ao chamar de "pacíficas" as manifestações dos que ocupavam as imediações do QG do Exército, por exemplo, estava, na prática, a defender uma espécie de direito à pregação de golpe de Estado. E não há. Trata-se de crime. Voltemos a Moro.

GOLPE AGORA

Releiam a sua fala. Além do claro propósito de incitar os militares contra o governo, acusa um esforço deste para afetar a credibilidade das Forças Armadas para que, uma vez fragilizadas, "não possam reagir aos arbítrios que nós estamos vendo aqui no nosso dia a dia (...)". Entenderam?

"Reagir aos arbítrios"? Moro está dizendo, então, que os militares, sem que sejam nem mesmo convocados por um dos Poderes — como dispõe, aliás, o Artigo 142 —, podem agir de moto-próprio, por sua vontade, para pôs fim a supostos "arbítrios que nós estamos vivendo".

As palavras fazem sentido. E a gramática, mesmo a de Moro, fala. Emprega o gerúndio "vivendo" — e, por óbvio, na sua cabeça, "estamos vivendo os arbítrios" agora. Se assim é e se ele atribui aos militares a competência que não têm para interferir na vida pública — e fica claro que está se referindo ao governo Lula —, então só se pode concluir que vê motivos para uma intervenção armada, que também recebe o nome de "golpe de Estado".

E isso, convenham, nem o general Augusto Heleno fez.

domingo, 9 de abril de 2023

Lula evolui da pré-história bolsonarista para Antiguidade do PT em 100 dias



O retrato de um período da história é o resultado da análise de tudo o que sobra para ser desenterrado muitos anos depois. No futuro, quando a arqueologia política fizer suas escavações à procura de sinais que ajudem a entender os primeiros 100 dias do terceiro mandato de Lula, encontrará resquícios de um fenômeno inusitado —um avanço civilizatório obtido a partir de uma virada de página para trás.

Com um pé no passado, Lula descomprimiu o ambiente ao recriar programas sociais que Bolsonaro havia destroçado. Ressuscitou a diplomacia presidencial, reconectando o Brasil com o mundo. Reconciliou o país consigo mesmo ao socorrer os Yanomami. Trocou a precariedade de Pazuellos, Damares, Salles e outros azares pela sobriedade de Nísias, Tebets e Marinas.

Quando puder falar sobre os primeiros dias de Lula 3 sem ser acusada de fascista, a posteridade dirá que os entusiastas do governo dividiram-se em dois grupos. O primeiro se escora em palavras usadas como muros de arrimo do otimismo: vai dar certo, precisa dar certo, tem que dar certo. A segunda banda esgrime contra todos os que ousam apontar os maus presságios uma frase pau-pra-toda-obra: É muito cedo para criticar.

O oco conceitual que desperta entusiasmo e irritação nos adeptos do lulismo dogmático deveria ser preenchido com a célebre metáfora de Hegel sobre a "Coruja de Minerva que só voa quando o crepúsculo chega", significando que o tempo presente só será integralmente compreendido quando já tiver se esgotado. Ou seja: a compreensão só chegará quando já for tarde demais.

Melhor enxergar desde logo os sinais de mau agouro. Os atentados contra a Lei das Estatais, o toma lá sem a contrapartida do da cá, a flacidez legislativa, a ministra com viés miliciano, o ministro manga larga, o criminalista de estimação com um pé no Supremo, o namoro com a ideia de trocar um Aras por outro Aras, a economia gerida a golpes de barriga, o fogo companheiro contra a equipe econômica.

Antes, o petismo ironizava os devotos de Bolsonaro, aconselhando-os a fazer a arminha. Agora, os bolsonaristas agarram-se às incongruências de Lula para instar seus admiradores a fazerem o 'L'. No futuro, ao escavar os escombros dos 100 primeiros dias do reinício da democracia brasileira, os arqueólogos encontrarão, entre ossos e destroços, evidências de que o cinismo foi o mais perto que a política chegou da restauração.

A posteridade talvez pergunte aos seus botões: Que nome dar à era pós-Bolsonaro? A primeira certeza será que o Brasil saiu das trevas. A segunda conclusão será que Lula, escalado para acender a luz, não roçou a Renascença nos primeiros dias. Produziu uma atmosfera de lusco-fusco. Já avançou da pré-história bolsonarista para a Antiguidade petista. Dispõe de três anos e nove meses para chegar a um futuro digno de eternizar Bolsonaro como um político de passado indigno.

quinta-feira, 2 de março de 2023

O legado bolsonarista contra a vacinação infantil



O Movimento Nacional pela Vacinação, lançado na última segunda-feira em Brasília, prioriza inicialmente as doses bivalentes de reforço contra a Covid-19, que potencializam a proteção contra mutações da doença. Foram vacinados o presidente Lula e o vice-presidente Alckmin. É possível imaginar um evento similar capitaneado pelo governo anterior? Entretanto o desafio do atual governo é ainda maior: voltar a vacinar as crianças do país.

Primeiro, o dado fundamental. Para que exista a proteção coletiva contra as doenças, o recomendável é que entre 90% e 95% das crianças estejam imunizadas. Depois, os dados aterrorizantes.

Em 2021, menos de 75% das crianças foram vacinadas contra o sarampo, a caxumba e a rubéola. Contra a paralisia infantil e a tuberculose perto de 70%. Ao redor de 60% dos menores de cinco anos foram vacinadas contra a hepatite B, o tétano, a difteria e a coqueluche.

É um movimento que começou a partir de 2015 que se acentuou nos anos Bolsonaro. Podemos chamar de projeto político? O Ministério da Saúde deixa de investir em campanhas educativas – entre 2017 e 2021, o valor investido pelo governo federal na publicidade da vacinação sofreu um corte de 66%, passando de R$ 97 milhões para R$ 33 milhões. O Zé Gotinha, personagem histórico, desapareceu.

Um presidente que ataca as vacinas contra a Covid, combate todos os imunizantes. Em um debate na CNN um jornalista criticou o apoio de Lula ao PNI, dizendo que um presidente não deveria participar de eventos como esse. Depois de Bolsonaro, foi quase uma obrigação. E temos ainda o gabinete do ódio, alimentando a internet com notícias falsas. Sim, podemos chamar de um projeto político.

Evidentemente que a pandemia, com as famílias em casa e com medo de ir a hospitais e postos de saúde, não é uma variável descartável. Mas houve uma campanha para encorajar a vacinação no período?

De acordo com dados do PNI, a cobertura vacinal teve resultados melhores em 2022. A imunização contra a tuberculose subiu de 74,9% para 83,7%. Lembrando que o ideal é atingir mais de 95% das crianças. O governo condicionou o acesso ao Bolsa Família com a carteira de vacinação em dia. O cronograma do PNI em 2023 foi divulgado. Há muito o que fazer e, talvez até o fim deste mandato, as crianças brasileiras estejam protegidas de doenças quase esquecidas.

MST invade três fazendas de exportadora de celulose na Bahia


Trabalhadores rurais sem terra invadem fazendas de eucalipto da Suzano Celulose na Bahia - Divulgação Coletivo de Comunicação do MST-BA

Integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra) invadiram três fazendas da Suzano Celulose, no extremo sul da Bahia, nos municípios de Mucuri, Teixeira de Freitas e Caravelas.

Segundo Evanildo Costa, membro da direção nacional do MST, a ação ocorreu na madrugada de segunda-feira (27) e envolveu cerca de 1.500 pessoas. A reportagem não conseguiu estimativa da PM sobre o total de sem-terra nas três áreas.

Ele afirmou que o ato tenta pressionar a Suzano a cumprir acordo firmado em 2011, que envolveria a cessão de terras para assentar 600 famílias.

Por nota, a Suzano informou que as propriedades foram danificadas pelos membros do movimento. Além de violarem o direito à propriedade privada, os atos estariam sujeitos à adoção de medidas judiciais para reintegração de posse, diz o comunicado.

"O acordo mediado pelo governo de então não era só com a Suzano, mas com outras duas empresas. Mas a Suzano cedeu uma terra que abriga apenas 200 famílias. Outras 400 estão desamparadas na beira da estrada. Por isso, a decisão de retomar as áreas", disse Costa.

Questionada pela reportagem sobre os detalhes do acordo apontados pelo MST, a empresa não respondeu.

Costa disse que a expectativa do movimento é que a Suzano chame o MST para uma negociação.

Conforme o dirigente, na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), cerca de 30 fazendas foram alvos de ações pelo movimento na Bahia.

Segundo o movimento, atualmente, na Bahia, há ao menos 220 acampamentos à espera da regularização fundiária por parte do Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).

As ações recentes, ainda segundo a entidade, fazem parte da Jornada das Mulheres e do Abril Vermelho. "As ocupações não foram só nas áreas da Suzano, mas também em alguns perímetros irrigados no norte da Bahia e algumas fazendas particulares", diz Costa.

Em nota, a Suzano reitera "cumprir integralmente as legislações ambientais e trabalhistas aplicáveis às áreas em que mantém atividades, tendo como premissas em suas operações o desenvolvimento sustentável e a geração de valor e renda, reforçando assim seu compromisso com as comunidades locais e com o meio ambiente".

A companhia diz gerar, aproximadamente, 7.000 empregos diretos, mais de 20 mil postos de trabalho indiretos e beneficiar 37 mil pessoas.

Além disso, ainda conforme a nota, por meio de seus projetos sociais, programas e iniciativas na região, a empresa alcançou mais de 52 mil participantes diretos e indiretos, em 82 comunidades e mais cinco sedes municipais.

Por fim, continua o comunicado, a companhia diz ter compromisso por manter um diálogo aberto e transparente, "de maneira amigável e equilibrada" e confiança nas leis e no Estado brasileiro, na busca pela defesa e preservação dos direitos de quem produz.

Uma boa definição de coragem


General Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva

Em fala tornada pública, novo comandante do Exército expôs o mal que o bolsonarismo fez às Forças Armadas e enfatizou o essencial: ‘Coragem é se manter como instituição de Estado’

Em 18 de janeiro, três dias antes de ser nomeado comandante do Exército pelo presidente Lula da Silva, o general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva fez um discurso de dez minutos no Comando Militar do Sudeste (CMSE), no qual defendeu a democracia, o respeito ao voto e a alternância de poder. “Quando a gente vota, tem de respeitar o resultado da urna”, disse.

Nesta semana, o podcast Roteirices divulgou uma fala do general Paiva, feita no mesmo dia 18 de janeiro, para seus subordinados no CMSE. Ao contrário do que alguns insinuaram, essa fala mais longa – tem cerca de uma hora de duração – é também profundamente democrática e em nada contradiz o discurso feito em público.

“A gente (Forças Armadas) participou da comissão de fiscalização (das eleições). Não aconteceu nada”, disse o general a seus subordinados, em referência às alegadas fraudes. E insistiu que o resultado deveria ser acolhido, ainda que tenha frustrado “a maioria” dos militares, como ele enfatizou. A mensagem é cristalina: as eleições foram limpas e o respeito ao resultado das urnas não poderia depender da concordância pessoal com o candidato vitorioso.

De resto, ao comentar que Jair Bolsonaro era o candidato da preferência da maioria dos militares, o general Tomás fez apenas uma constatação óbvia. Contudo, não faltou quem tirasse a declaração do contexto para fazer parecer que o comandante do Exército exprimia resistência pessoal ao presidente Lula. A leitura do inteiro teor da fala, no entanto, mostra que o general estava justamente alertando que a percepção pessoal de seus subordinados pode não corresponder à realidade do País. Desconstruía, assim, a narrativa bolsonarista da suposta fraude nas urnas. “Todos nós somos da bolha fardada, da bolha militarista, da bolha de direita, conservadora. A maioria de nós é dessa bolha, raramente um de nós frequenta outra bolha”, disse, defendendo que essa circunstância não pode interferir no funcionamento constitucional – ou seja, apartidário – das Forças Armadas.

Faz muito bem, portanto, o Palácio do Planalto em não cair na manobra dos que tentaram usar a divulgação da fala como pretexto para criar atritos e tensões com as Forças Armadas.

O aspecto mais relevante da fala do general Tomás a seus subordinados é a defesa das Forças Armadas como instituição de Estado, e não de governo. O áudio vazado é importante diagnóstico do mal que Jair Bolsonaro causou nos quartéis, com sua incessante tentativa de usar as Forças Armadas para fins político-partidários.

O general Tomás citou, por exemplo, o constrangedor episódio no qual o então presidente Bolsonaro tentou organizar uma motociata partindo da Academia Militar das Agulhas Negras (Aman). O plano só não foi realizado porque os generais “conseguiram convencer o presidente que não era uma coisa adequada ter uma motociata, que é um ato político de apoio ao presidente, dentro da academia militar”.

Além de criticar o desfile de blindados da Marinha em Brasília no dia da votação no Congresso da PEC do Voto Impresso, em 2021, e a tentativa de usar o desfile militar do 7 de Setembro para fins eleitorais, em 2022, o general Tomás lamentou o modo como Jair Bolsonaro tratou o comando das Forças Armadas. “No governo passado, tivemos uma coisa pouco usual que foram as três mudanças de comandante de Força. Passamos pelo general Pujol, depois o general Paulo Sérgio e depois o general Freire Gomes”, relembrou. Todas as mudanças ocorreram depois de desgastes políticos causados por Jair Bolsonaro.

Nada disso faz bem às Forças Armadas. “Política partidária dentro da Força gera desgaste”, disse o general Tomás. O alerta é necessário. Foi um tremendo erro de avaliação achar que “um mau militar” – nas palavras de Ernesto Geisel – poderia ser um bom representante dos interesses dos militares. A caserna não é para fazer política. Coragem não é fazer ameaça, seja de bomba em quartel, seja de golpe de Estado. “Coragem é se manter como instituição de Estado, mesmo que custe alguma coisa de credibilidade e popularidade”, disse o comandante do Exército. Mais constitucional e republicano, impossível.

quarta-feira, 1 de março de 2023

Patriota expulsa do partido vereador que ofendeu baianos


Vereador de Caxias do Sul Sandro Fantinel (Patriota) disse para agricultores não contratarem 'aquela gente lá de cima'

O Patriota decidiu expulsar o vereador Sandro Fantinel do partido após o discurso xenofóbico no plenário da Câmara Municipal de Caxias do Sul para que agricultores e empresas agrícolas contratem trabalhadores argentinos, e não mais “aquela gente lá de cima”.

O parlamentar disse que os baianos “vivem na praia, tocando tambor” e, por isso, “era normal que se fosse ter esse tipo de problema”, em referência aos funcionários de vinícolas resgatados no Rio Grande do Sul em condições análogas à escravidão. Diz o vereador:

— Não contratem mais aquela gente lá de cima. Conversem comigo, vamos criar uma linha e vamos contratar os argentinos. Porque todos os agricultores que têm argentinos trabalhando hoje só batem palma. São limpos, trabalhadores, corretos, cumprem o horário, mantêm a casa limpa e no dia de ir embora ainda agradecem o patrão pelo serviço prestado e pelo dinheiro que receberam.

A direção nacional do Patriota afirmou que o discurso “está maculado por grave desrespeito a princípios e direitos constitucionalmente assegurados à dignidade humana, à igualdade, ao decoro, à ordem, ao trabalho, já que se referem de forma vil a seres humanos tristemente encontrados em situação degradante”.

Em seguinte, o partido decide pela expulsão do vereador:

“Esta situação torna inconciliável sua permanência nas fileiras do Patriota, partido que prima pelo respeito às leis, à vida e à equidade”.

Senadores definem que vão trabalhar apenas três dias por semana e três semanas por mês em Brasília


O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, deu aval para aprovação da semana com jornada reduzida para os senadores Foto: Roque de Sá/Agência Senado

Na primeira reunião após terem emendado o feriado de carnaval, os senadores decidiram se autoconceder semanas reduzidas de trabalho. Com aval do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), foi definido que só serão votados projetos às terças, quartas e quintas-feiras. Segundas e sextas terão sessões não deliberativas, o que significa que os parlamentares não precisarão trabalhar nesses dois dias, pois não será considerado falta.

Os senadores também instituíram o mês de três semanas. Funcionará assim: na última semana do mês, o trabalho será remoto e “com pauta tranquila”. Na prática, o senador só precisará trabalhar nove dias num mês em Brasília. O salário atual dos senadores é R$ 39,2 mil, mas o valor irá saltar para R$ 41,6 mil a partir de abril. O reajuste foi definido no final do ano passado.

O líder do Podemos no Senado, Oriovisto Guimarães (PR), defendeu a medida. “Acho que foi um avanço. Isto vai permitir um maior contato com a base de cada senador, uma semana por mês”, afirmou. Segundo o parlamentar, a decisão foi unânime entre os líderes partidários.

A semana curta costumava ser um hábito no Congresso para que os senadores e deputados pudessem voltar aos seus Estados. A pandemia, contudo, permitiu votações remotas. Mesmo com esse recurso, o privilégio de trabalhar apenas três dias na semana foi mantido.

Na reunião desta terça-feira, 28, os senadores decidiram ainda que às terça e quartas-feiras, o expediente começa só à tarde. O início programado é às 14h, mas votação mesmo só a partir das 16h. Estão liberadas no período da manhã, no entanto, sessões nas comissões temáticas. Os senadores só têm desconto no salário se faltarem nas votações em plenário, sessões que começam às 16h.

Campeão de despesas

Como mostrou o Estadão, o Brasil tem o segundo Congresso mais caro do mundo, em números absolutos. Só o parlamento dos Estados Unidos – a maior economia do mundo – possui orçamento superior. É como se cada um dos 513 deputados e 81 senadores brasileiros custasse pouco mais de US$ 5 milhões por ano, o equivalente a R$ 23,8 milhões na cotação da última sexta-feira. Os dados, aos quais o Estadão teve acesso, são a conclusão de um estudo de pesquisadores das universidades de Iowa e do Sul da Califórnia e da Universidade de Brasília.

O gasto com cada congressista corresponde a 528 vezes a renda média dos brasileiros. O segundo lugar é da Argentina. Lá, cada congressista custa o equivalente a 228 vezes a renda média local. Para chegar a esta conclusão, os pesquisadores compararam o orçamento dos parlamentos e congressos de 33 países, compilados pela União Parlamentar Internacional (IPU, na sigla em inglês), o Banco Mundial e o escritório do FED (o Banco Central dos EUA) em St. Louis (no Estado do Missouri).

Aumento

Na terceira semana de fevereiro, o Senado aumentou o valor da cota parlamentar repassada aos senadores. Em 2023, senadores terão mais 6% no recurso; em 2024, 6% e em 2025, 6,13%. Os representantes do Distrito Federal e Goiás recebem o menor repasse (R$ 22.307,91), enquanto os do Amazonas recebem o maior valor (R$ 46.933,20). Além disso, senadores ganharam um aumento no auxílio-moradia, antes de R$ 5,5 mil para até R$ 9 mil. As ações aconteceram após a reeleição de Pacheco na Casa.

Histórico de interferências de Bolsonaro na Receita vai de dívidas de igrejas a ajuda para defesa de Flávio


Jair Bolsonaro durante evento na Flórida

Em agosto de 2019, José Paulo Ramos Fachada Martins da Silva, então subsecretário-geral da Receita Federal — espécie de número 2 do órgão —, foi exonerado do cargo em meio a pressões de Bolsonaro e seu entorno por mudanças. O Planalto trabalhava, à época, para trocar o delegado fiscal responsável pelo Porto de Itaguaí, no Rio — conhecido por estar na rota do contrabando de armas e drogas e por ficar numa região sob influência de milícias —, e a chefe do Centro de Atendimento ao Contribuinte da Barra da Tijuca, bairro na Zona Oeste da capital fluminense onde o ex-presidente tem residência. As tensões envolviam ainda apurações da Receita que miravam Gilmar Mendes e a esposa de Dias Toffoli, ambos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Dias antes da demissão de Martins da Silva, o auditor José Alex Nóbrega de Oliveira, que comandava há um ano e meio a alfândega do porto, publicou, em um grupo nas redes sociais, uma mensagem na qual afirmava que "forças externas que não coadunam com os objetivos de fiscalização da Receita Federal" estariam interessados em sua saída. Oliveira chegou a afirmar que, ao se negar a ceder às investidas por um nome político no posto, o superintendente da Receita Federal da 7ª Região Fiscal (Rio de Janeiro e Espírito Santo), Mário José Dehon Santiago, também estaria ameaçado.

— Está interferindo? Ora, eu fui (eleito) presidente para interferir mesmo, se é isso que eles querem. Se é para ser um banana ou um poste dentro da Presidência, 'tô' fora — disparou Bolsonaro enquanto as sucessivas polêmicas na Receita enfileiravam-se. O ex-presidente também reclamou de uma suposta "devassa na vida financeira" de familiares no Vale do Ribeira. Irmão do político, Renato Antonio Bolsonaro havia recebido um aviso de cobrança da Receita no valor de R$ 1.682 por conta de débitos relativos a uma empregada doméstica — a situação foi regularizada em seguida.

Com a crise instaurada, funcionários graduados do órgão em todo o país ameaçaram entregar seus cargos, o que inviabilizaria as atividades fiscais. Oliveira foi mantido após a queda de braço, mas uma série de medidas administrativas diminuíram seu poder de fiscalização sobre o Porto de Itaguaí. Ele chegou a receber ameaças, necessitando de escolta. Enfraquecido, acabou substituído em janeiro de 2021 pelo auditor fiscal Gilson Rodrigues de Souza. Já Dehon mudou de função ainda em 2020, passando a chefiar a 6ª Região Fiscal (Minas Gerais).

Secretário especial da Receita Federal e alvo maior da pressão bolsonarista na ocasião, Marcos Cintra foi deposto menos de um mês depois de o imbróglio envolvendo o Porto de Itaguaí vir à tona. Neste caso, porém, a motivação foi outra: ele entrou em atrito com o Planalto ao defender a criação de uma nova CPMF. Cintra acabou sendo candidato a vice-presidente na chapa de Soraya Thronicke (União Brasil) no ano passado.

Em abril de 2020, durante uma reunião no Palácio do Planalto com lideranças evangélicas e o novo secretário especial da Receita Federal, José Barroso Tostes Neto, Bolsonaro cobrou uma solução para as dívidas tributárias milionárias das igrejas. O ex-presidente deu ordens semelhantes outras vezes, com a recomendação expressa de que o assunto fosse resolvido, mas o órgão resistiu às investidas. "É impressionante como a Receita atrapalha o desenvolvimento do Brasil", criticou Bolsonaro em outra ocasião.

Tostes Neto, entretanto, também cairia no fim do ano. Embora tenha deixado o governo "a pedido", para assumir um cargo na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em Paris, o chefe da Receita resistiu a meses de pressão para que o nome preferido de Flávio Bolsonaro fosse escolhido para comandar a Corregedoria do órgão. O auditor Julio Cesar Vieira Gomes substituiu Neto.

Flávio já havia dado cartas na Receita Federal antes. Entre outubro de 2020 e fevereiro de 2021, cinco servidores foram escalados para apurar se dados fiscais do senador teriam sido repassados ilegalmente ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), dando origem ao caso das rachadinhas. Acusado de manter um esquema de desvio de salários de funcionários de seu gabinete na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj), em caso que acabou arquivado, o filho de Bolsonaro mobilizou o aparato estatal para turbinar sua estratégia de defesa. A pesquisa custou quase R$ 500 mil aos cofres públicos, como revelou à época o jornal Folha de SP.

Em nota, Ricardo Pereira Feitosa negou ter cometido qualquer violação, afirmando ainda que “não vazou dados sigilosos e que sempre atuou no estrito cumprimento do dever legal”. A defesa do servidor pontua também que “sua vida funcional sempre foi reconhecida pela seriedade, zelo, atenção ao interesse público e cumprimento estrito dos deveres legais, trabalhando no combate à prática de ilícitos tributários e exercendo seu poder-dever de atuar na inteligência fiscal”.

Militares que atacaram democracia queriam ser julgados pelos próprios chefes


Vidraça do Palácio do Planalto depredada por golpistas no 8 de Janeiro

O ministro Alexandre de Moraes decidiu que os militares envolvidos no 8 de Janeiro responderão por seus atos na Justiça comum. A Polícia Federal identificou dezenas de fardados entre os criminosos que depredaram ou deixaram depredar as sedes dos Três Poderes. Depois de atentar contra a democracia, eles reivindicavam o privilégio de serem julgados por seus pares.

Questionado pela PF, o ministro do Supremo esclareceu que a Justiça Militar julga “crimes militares”, e não “crimes de militares”. Como as acusações não dizem respeito a assuntos internos da caserna, oficiais e praças terão que se acomodar no banco dos réus ao lado de paisanos. Parece óbvio, mas a distinção já foi mais clara na legislação brasileira.

Em 2017, o então presidente Michel Temer sancionou uma lei que ampliou o alcance da Justiça castrense. O texto ressuscitou uma blindagem criada na ditadura para proteger militares acusados de atentar contra a vida de civis. A mudança foi festejada pelas Forças Armadas, que haviam pressionado o Congresso a aprová-la.

A impunidade tem sido regra em processos contra militares envolvidos em violações de direitos humanos. Os casos se avolumaram com o aumento das operações de GLO (garantia da lei e da ordem), em que soldados assumem funções de polícia sem treinamento para atuar fora dos quartéis.

Desde 2013, a Procuradoria-Geral da República pede que o Supremo restrinja o alcance da Justiça Militar em crimes contra a vida de civis. O tribunal cozinha o caso há quase uma década. Voltou a suspender o julgamento há duas semanas, após pedido de vista do ministro Ricardo Lewandowski.

Os militares nunca fizeram questão de disfarçar os motivos do lobby pelo foro especial. Em 2017, o general Eduardo Villas Bôas deixou claro que a ideia era blindar os soldados do alcance da Justiça. “Como comandante, tenho o dever de protegê-los. A legislação precisa ser revista”, disse, em tom imperativo, enquanto o Congresso ainda debatia a mudança na lei.

No 8 de Janeiro, seu sucessor no Forte Apache radicalizaria a defesa do corporativismo. Horas depois dos ataques, o general Júlio Cesar de Arruda ordenou que tanques bloqueassem as entradas do acampamento bolsonarista. O objetivo era impedir a polícia de prender criminosos em flagrante.

CPI vira tramoia golpista. Investigado quer investigar? Tem rato na tuba



Como? Mobilização de governistas, sobretudo de bolsonaristas fanáticos, em favor de uma CPI ou CPMI (a comissão mista) para investigar os atos golpistas? É claro que tem gato — ou ratos — na tuba, não é mesmo?

Vamos ver. Logo depois do ataque, que recorreu a métodos terroristas, a senadora Soraya Tronicke (União-MS) começou a colher assinaturas para uma CPI no Senado. Alguns governistas assinaram. Soraya, diga-se, entrou com um Mandado de Segurança no Supremo, cujo relator é Gilmar Mendes, pedindo uma liminar para obrigar Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o presidente da Casa, a instalar a comissão imediatamente. O ministro pediu informações à Mesa da Casa, mas não concedeu a cautelar.

Não custa lembrar: o Parágrafo 3º do Artigo 58 da Constituição aponta três condições para a instalação de uma comissão: ao menos um terço das assinaturas de parlamentares, fato determinado e prazo de funcionamento. Transcrevo:
"§ 3º As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores."

A questão: existe fato determinado? Já chego lá.

A base bolsonarista no Congresso, incluindo alguns fanáticos que flertaram abertamente com a patuscada violenta, resolveu abraçar a ideia da CPI. Já no dia 9, começou a circular no esgoto da extrema-direita a falácia de que a violência teria sido patrocinada por grupos de esquerda infiltrados e que o governo Lula teria feito corpo mole para, ora vejam!, transformar em vilãs aquelas boas pessoas que só queriam mesmo um golpe de estado, nada mais.

E eis que vem à luz um novo pedido, este de CPMI — isto é, de CPI mista, com Senado e Câmara. Traz 189 assinaturas de deputados e 33 de senadores, todos identificados com a oposição ao atual governo. Quem protocolou o requerimento é o deputado André Fernandes (PL-CE), que, pasmem!, é personagem de um dos inquéritos abertos no STF por envolvimento com os crimes de 8 de janeiro.

Vocês entenderam direito: aquele que é alvo da Justiça por colaborar com a barbárie se oferece como um militante contra a... a barbárie!!! E que se note: no seu caso, o pedido de apuração foi feito pela própria Procuradoria Geral da República, que anexou um vídeo em que este senhor convocava um ato contra o presidente Lula para o próprio dia 8 de janeiro. Após a depredação, ele publicou a imagem com uma porta de armário com o nome do ministro Alexandre de Moraes. A PGR apontou incitação ao crime, além de uma provocação da prática de abolição violenta do estado democrático de direito.

PALANQUE PARA O CRIME
É claro que falta saber muita coisa. Ocorre que Supremo, Ministério Público Federal e Polícia Federal estão fazendo o seu trabalho. A situação em nada se assemelha à CPI da Covid, quando a omissão do governo federal era escancarada, diante de uma montanha de cadáveres.

Os bolsonaristas estão numa cruzada para tentar inverter o ônus da responsabilidade pelo espetáculo violento e grotesco. Não querem apurar coisa nenhuma. O objetivo, evidente a esta altura, é responsabilizar o governo Lula por atos que eles próprios apoiaram ou patrocinaram, tentando tumultuar o trabalho do Supremo.

O próprio André Fernandes, o que publicou a imagem da porta do armário da sala de Moraes, não esconde. No Twitter, escreveu:
"Acabamos de protocolar o requerimento da CPMI do 8 de janeiro com 189 assinaturas na Câmara dos Deputados e 33 no Senado Federal. Mais de 1/3 do Congresso Nacional quer esta comissão para investigar todos os atos de ação e omissão ocorridos no último 8 de janeiro em Brasília".

Eis aí: quem teria se omitido, não é mesmo?, quando este senhor incentivava os atos golpistas e publicava em suas redes o produto do crime?

Mendes pode conceder a liminar para que as raposas zelem por seus pares, pode negar a cautelar ou submetê-la a plenário. Vamos ver. Tendo a achar que a decisão caberá mesmo ao presidente do Senado e do Congresso, Rodrigo Pacheco. Que tenha prudência. Não se trata de ilação, mas de fato: gente flagrada com a boca na botija decidiu se colocar como guardiã da lei e da ordem. Faz sentido?

A ilegalidade me parece patente. Não é uma comparação de conteúdos e de personagens, mas de estruturas: se chefes do PCC ou das milícias pedissem uma cruzada contra o crime organizado, é certo que haveria gato na tuba. Ou ratos.

terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Único projeto de Juscelino Filho em 2022 como deputado foi o Dia do Cavalo


Ministro de Lula enaltece a importância do animal. Juscelino é criador de cavalos, mas omite o patrimônio à justiça eleitoral

O ministro das Comunicações Juscelino Filho (União Brasil) já propôs a criação do dia nacional do cavalo à Câmara dos Deputados. O projeto de lei, único apresentado por ele à Câmara em 2022, justifica o papel histórico do cavalo na humanidade e nos tempos modernos para a criação da data em homenagem. Como mostrou o Estadão, Juscelino Filho omitiu um patrimônio de ao menos R$ 2,2 milhões em cavalos da raça.

A Transparência Internacional usou sua rede social para cobrar do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma explicação sobre a informação revelada pelo jornal. “É inexplicável o silêncio do governo Lula e do União Brasil, até agora, sobre as revelações feitas pelo @Estadao sobre gravíssimos indícios de crimes atribuídos ao ministro das Comunicações”, publicou a organização não-governamental que fiscaliza a transparência governamental.

Em declaração à Corte Eleitoral antes das disputas do ano passado, o ministro informou um patrimônio de R$ 4,457 milhões, com fazendas, carros, 50% de uma aeronave, um apartamento e o terreno onde está instalado o haras. A declaração de Juscelino ao TSE não incluiu animais.

Como mostrou o Estadão, Juscelino alegou compromisso “urgente” à FAB para pedir um avião oficial para passar quatro dias em São Paulo. Neste período, gastou apenas 2h30 em compromissos oficiais. No resto do tempo, esteve em leilões de cavalos. O ministro inaugurou uma praça em homenagem a um cavalo de seu sócio, onde se apresentou como “integrante da equipe do presidente da República”.

Entre um dos argumentos para defender a criação do Dia do Cavalo, o então deputado sustentou que a equinocultura brasileira movimenta R$ 16,5 bilhões. A proposta não avançou.

Amante dos equinos, o próprio Juscelino define como uma de suas paixões. “Quem me conhece sabe o quando me sinto à vontade em cima de um cavalo...uma das minhas paixões”, escreveu, em 2018, após celebrar uma cavalgada de campanha no Maranhão.

O ministro Juscelino Filho é apreciador de cavalos e, como ministro, usou avião da FAB para ir a eventos equestres em São Paulo Foto: Reprodução

O Estadão também revelou que o ministro recebeu no gabinete o sócio oculto de uma empresa beneficiada por ele com verbas públicas e seu consultor para compra de cavalos. Pouco antes de virar ministro de Lula, como deputado, Juscelino enviou dinheiro do orçamento secreto para asfaltar a estrada que passa em frente à sua fazenda e sua pista de pouso particular quando a maioria dos moradores da cidade de Vitorino Freire (MA), onde estão suas terras, sofrem com ruas de terra.

O Brasil não está sob ditadura judicial



O bolsonarismo despreza os direitos humanos, é contrário à figura do juiz de garantias, propõe eliminar a audiência de custódia e defende a impunidade para crimes praticados por policiais no exercício da profissão. Ao longo dos últimos anos, tem sido o grande catalisador das principais ideias equivocadas sobre o sistema de Justiça. No entanto, quando seus aliados estão envolvidos em problemas com a Justiça, a equação se inverte. O devido processo legal e a imparcialidade do juiz tornam-se prioridades. Existentes desde os inquéritos das manifestações antidemocráticas, as críticas bolsonaristas contra o Supremo Tribunal Federal (STF) subiram de patamar depois do 8 de Janeiro. Teria sido instaurada, nada menos, que uma “ditadura judicial” no País.

“No Brasil, temos presos políticos. Mais do que na Venezuela, na Bolívia e no tempo do regime militar”, discursou, sem corar, a deputada Bia Kicis (PL-DF). O deputado Carlos Jordy (PL-RJ) chamou as prisões das pessoas envolvidas na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes de “lulags”, neologismo com o nome do presidente Lula da Silva e os “gulags”, campos de trabalho forçado da União Soviética. Já o deputado General Girão (PL-RN) qualificou a situação de “Guantánamo brasileira”, em referência à prisão mantida pelos Estados Unidos em Cuba.

O direito de discordar do Judiciário, seja em que esfera for, integra as liberdades fundamentais, além de contribuir para seu melhor funcionamento. Não existe exercício imaculado do poder, e é muito positivo que Executivo, Legislativo e Judiciário se sintam cobrados e admoestados – ainda mais em situações novas, que exigem respostas inéditas do poder estatal e o risco de errar é maior. O caso do 8 de Janeiro é absolutamente excepcional, ao envolver milhares de pessoas, tipos penais novos e agressões nunca antes vistas às instituições democráticas.

Se o Estado já tem sérias dificuldades de respeitar os direitos fundamentais de pessoas investigadas em casos corriqueiros, seria ingenuidade achar que, nessa situação particular, o poder estatal se comportaria de modo diferente, oferecendo uma atuação perfeita, sem nenhum excesso ou exagero. Seja como for, é preciso exigir do poder público plena aderência à lei, sem transigir com eventuais medidas ilegais ou mal fundamentadas. Por exemplo, este jornal já criticou em editorial o modo como foram realizadas as audiências de custódia relativas aos atos do 8 de Janeiro (ver A defesa da democracia dentro da lei, 19/2/2023). A decisão sobre a necessidade de manter a prisão preventiva não foi tomada pelo magistrado que fez a audiência e teve contato com o preso. Prisão sempre exige avaliar as circunstâncias concretas de cada pessoa.

É preciso discernimento. Diante do grande número de pessoas envolvidas, é provável que haja prisões preventivas em desacordo com os requisitos legais. Elas devem ser revogadas o quanto antes, seja pelo ministro Alexandre de Moraes, seja pelo colegiado da Corte – que não deve ter receio de suspender alguma decisão do relator, quando assim for necessário. Mas eventuais equívocos e exageros – que infelizmente são coisas habituais na Justiça brasileira, como se observa, por exemplo, pelos muitos habeas corpus que são concedidos pelo STF – não transformam as pessoas envolvidas nos atos do 8 de Janeiro em presos políticos.

Essas pessoas estão sendo investigadas por ações contrárias ao Código Penal, e não em razão de expressarem uma orientação política específica. A ilustrar que não se trata de perseguição política do Supremo, a própria Procuradoria-Geral da República (PGR) já denunciou por crimes concretos centenas delas, que terão oportunidade, dentro do processo penal, de exercer seu direito de defesa.

O sistema de Justiça penal é imperfeito – e o bolsonarismo lutou e luta arduamente para piorá-lo. Mas isso não autoriza dizer que inexiste, no País, respeito às liberdades política e de expressão. Há caminhos institucionais para correção de erros judiciais. O que não há é autorização para cometer crimes impunemente. A lei vale para todos.

Comandante do Exército diz que militares não constataram fraude nas urnas e aponta interferência política de Bolsonaro nas tropas


General Tomás Ribeiro Paiva, novo comandante do Exército

O comandante do Exército, general Tomás Paiva, defendeu durante uma reunião com subordinados o resultado eleitoral que deu vitória ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que os militares, após um trabalho de fiscalização, não identificaram qualquer fraude no processo. A declaração foi dada a oficiais do Comando Militar do Sudeste, no dia 18 de janeiro, às vésperas de assumir o comando da Força. No áudio, gravado por um participante da reunião e divulgada pelo podcast Roteirices, ele afirmou ainda que houve interferência política do ex-presidente Jair Bolsonaro nas Forças.

—Ele (Bolsonaro) teve mais votos nessa eleição do que ele teve na outra. Então, a diferença nunca foi tão pequena. Foi mínima. E aí o cara fala assim: 'pô, general, mas teve fraude'. Nós participamos de toda a fiscalização, fizemos relatório, fizemos tudo. Constatou-se fraude? Não — afirmou Tomás.

Na ocasião, o general realizou uma apresentação sobre os acontecimentos político dos últimos meses, em que militares foram envolvidos em discussões eleitorais. Nesse contexto é que ele cita a interferências políticas de Bolsonaro nas Forças.

Entre as ações apontadas ele citou uma suposta intenção de Bolsonaro de realizar uma motociata na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) — vetada, segundo o general, pelo comando do Exército —, e a mudança do desfile do 7 de Setembro de Brasília para o Rio de Janeiro, onde bolsonaristas realizaram uma manifestação de apoio ao governo.

— Algumas interferências do governo, direta, na área militar. Então, isto, a nova motociatas de Bolsonaro será na Aman. Foi noticiado. Não ocorreu porque os nossos comandantes e generais convenceram o presidente de que não era uma coisa adequada ter uma motociata, q é um ato político de apoio ao presidente, dentro da academia militar. Dá para achar que isso é uma coisa adequada? -- afirmou, completando:

— 7 de setembro em Copacabana. Todo mundo acompanhou, o desfile no Rio de Janeiro. Onde era o desfile no 7 de setembro no Rio? Eu estreei como cadete na presidente vagas no ano de 1979, 80e 81 desfilei na Presidente Vargas. Esses anos que passou mudou. Passou a ser em Copacabana. Não tem desfile, no final foi uma celebração, com algumas manifestações, mas para o povo está tudo misturado, o que é militar, o que não é militar.

Eleições

Ao tratar das eleições, o atual comandante do Exército afirmou que houve uma "sensação" de que houve irregularidades porque a disputa entre Lula e Bolsonaro foi apertada, mas ponderou que os próprios militares se incumbiram de fiscalizar o processo e não encontraram nada.

-- Essa sensação ficou porque foi apertada. Mas do ponto de vista do trabalho realizado pelo Exército, não aconteceu nada, não teve nada, tanto que teve o relatório do Ministério da Defesa, que foi emitido e que fala: 'olha, o processo não foi encontrado nada daquilo que foi visto.

Ao longo da sua apresentação, Tomás lembra que o mesmo processo que elegeu Lula como presidente também permitiu um Congresso Nacional e governadores conservadores. No entanto, Tomás se refere à vitória do petista como um resultado que "infelizmente para a maioria de nós foi indesejado".

-- Não dá para falar com certeza que houve qualquer tipo de irregularidade. Infelizmente foi o resultado que para a maioria de nós foi indesejado. Mas aconteceu.

O comandante do Exército também se colocou favorável ao voto impresso, bandeira levantada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro por desconfiança no sistema eleitoral eletrônico e afirmou que era "legítima" a vontade do então mandatário de "aperfeiçoar o sistema".

-- Teve um outro fato, teve aquele problema, na verdade uma proposta legítima do presidente de aperfeiçoar o sistema eleitoral, legítima -- afirmou, completando: -- Não estou fazendo julgamento de valor, eu particularmente, como cidadão brasileiro, eu seria favorável a um voto certificado. Acho que esse processo no futuro vai ter que se aperfeiçoar. Mas a minha opinião não interessa. A opinião interessa como cidadão, eu voto no cara para me representar. O que interessa naquele caso é a opinião do Congresso Nacional, que votou contra.

O general Tomás foi alçado ao posto de comandante do Exército após a demissão do general Júlio César de Arruda, que ficou desgastado após os atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Investigações apuram se houve conivência de militares com a invasão das sedes dos Três Poderes, destruídas por apoiadores de Bolsonaro na ocasião.

Com três décadas de atraso, Bolsonaro descobre que presos têm seus direitos



Falando desde o cercadão da Flórida, Bolsonaro queixou-se do suplício imposto pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes aos presos temporários recolhidos após o quebra-quebra de 8 de janeiro. Disse "chefes de família, senhoras, mães e avós" recebem tratamento de "terroristas". Quem ouve fica com a impressão de que o quebra-quebra nos prédios dos Três Poderes foi um piquenique inocente numa tarde de domingo, não uma tentativa das falanges bolsonaristas de virar a mesa da democracia.

Há uma evolução notável na manifestação de Bolsonaro. Durante mais de três décadas, Bolsonaro desprezou as más condições do sistema carcerário. Já defendeu a tese segundo a qual bom mesmo é "entupir as cadeias de bandidos". Disse que presídio "não e colônia de férias". Definiu direitos humanos como "esterco da bandidagem." De repente, Bolsonaro se deu conta de que presos também têm direitos.

Bolsonaro se expressa com a volúpia de um cano furado. O cano danificado esbanja água. Bolsonaro esbanja tolices e inverdades. Já admite a comparação entre a intentona de 8 de janeiro e a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Mas ignora que os propósitos golpistas dos das duas irrupções de fúria. Usa a analogia para sustentar que, nos Estados Unidos, a "grande maioria" das pessoas encrencadas está "respondendo ao devido processo" em liberdade. Tudo conversa mole.

No último dia 6 de janeiro, quando a invasão do Capitólio fez aniversário de dois anos, o secretário de Justiça dos EUA, Merrick Garland, divulgou um balanço da investigação. Disse que, nos últimos 24 meses, foram efetuadas mais de 950 prisões. Por enquanto, houve 350 condenações. Em 192 casos, os sentenciados foram para a cadeia. Outros 350 encrencados estavam foragidos. "Nosso trabalho não está concluído", disse Garland. "Continuamos determinados a processar todos os responsáveis pelo ataque à nossa democracia."

Dez em cada quatro presos no Brasil estão esquecidos nos fundões do sistema carcerário sem uma sentença condenatória. Bolsonaro jamais se preocupou com essa anomalia. De passagem pelos Estados Unidos, passou a manifestar uma insuspeitada preocupação com o drama carcerário. A sensibilidade de Bolsonaro aumenta na proporção direta do avanço dos processos criminais que o deixam mais perto de uma cela.

Militares golpistas queriam fugir do STF. Mas não vão! Moraes só aplica lei


Alexandre de Moraes e um de seus livros de Direito Constitucional. Militares serão processados e julgados pelo STF. Trata-se apenas do cumprimento da lei Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil; Reprodução

Em decisão impecável, cristalina, o ministro Alexandre de Moraes fixou a competência do Supremo Tribunal Federal, e não do Superior Tribunal Militar, para julgar os militares, das Forças Armadas ou das Polícias Militares, que participaram dos atos golpistas de 8 de janeiro. O ministro respondeu a requerimento da Polícia Federal solicitando autorização para "para apuração de autoria e materialidade de eventuais crimes cometidos" por integrantes dessas corporações.

Em sua petição, a PF pede que "seja reconhecida a atribuição investigativa da atuação da Polícia Federal e jurisdicional do Supremo Tribunal Federal para processamento do presente caso em especial em relação aos servidores militares das forças armadas e polícia militar".

Já defendi aqui e em toda parte que a competência é do Supremo porque, como resta evidente, não se está a investigar um crime militar. A natureza dos atos cometidos no dia 8 de janeiro não se altera caso a pessoa use um uniforme. E foi o que explicitou Alexandre nos seguintes termos, citando jurisprudência do próprio tribunal. Prestem atenção!
"O Código Penal Militar não tutela a pessoa do militar, mas sim a dignidade da própria instituição das Forças Armadas competência ad institutionem, conforme pacificamente decidido por esta SUPREMA CORTE ao definir que a Justiça Militar não julga "CRIMES DE MILITARES", mas sim "CRIMES MILITARES".

E o ministro cita a longa jurisprudência a respeito. Nem todo crime cometido por militares diz respeito às suas atribuições específicas — e, pois, crimes militares não são.

De tal sorte é a natureza do ato, não quem o pratica, a definir se um delito é militar ou não que civis podem ser julgados por crimes militares.

Moraes cita o então ministro Celso de Mello, em despacho de 2011, no âmbito do Habeas Corpus 106.671:
"O foro especial da Justiça Militar da União não existe para os crimes dos militares, mas, sim, para os delitos militares, tout court. E o crime militar, comissível por agente militar ou, até mesmo, por civil, só existe quando o autor procede e atua nas circunstâncias taxativamente referidas pelo art. 9º do Código Penal Militar, que prevê a possibilidade jurídica de configuração de delito castrense eventualmente praticado por civil, mesmo em tempo de paz".

Lembra ainda Moraes que também o artigo 10º do Código Penal Militar define os crimes militares — nesse caso, os cometidos em tempo de guerra. Muito bem. Algumas das agressões à ordem legal praticadas no dia 8 de janeiro, pouco importa se os agentes eram civis ou militares, não estão nem tipificadas no CPM.

Escreve o ministro:
"Inexiste, portanto, competência da Justiça Militar da União para processar e julgar militares das Forças Armadas ou dos Estados pela prática dos crimes ocorridos em 8/1/2023, notadamente os crimes previstos nos arts. 2º, 3º, 5º e 6º (atos terroristas, inclusive preparatórios) da Lei 13.260/16, e nos arts. 147 (ameaça), 147-A, § 1º, III, (perseguição), 163 (dano), art. 286 (incitação ao crime), art. 250, § 1 º, inciso I, alínea ''b" (incêndio majorado), 288, parágrafo único (associação criminosa armada), 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), 359-M (golpe de Estado), todos do Código Penal, cujos inquéritos tramitam nesse SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL a pedido da Procuradoria Geral da República".

Assim sendo, decidiu o magistrado:
"Diante do exposto, FIXO A COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR OS CRIMES OCORRIDOS EM 8/1/2023, INDEPENDENTEMENTE DOS INVESTIGADOS SEREM CIVIS OU MILITARES E DEFIRO A REPRESENTAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL E AUTORIZO A INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO para apuração de autoria e materialidade de eventuais crimes cometidos por integrantes das Forças Armadas e Polícias Militares relacionados aos atentados contra a Democracia que culminaram com os atos criminosos e terroristas do dia 8 de janeiro de 2023".

O CÓDIGO GIGANTESCO E OS CRIMES NA PAZ E NA GUERRA
O Código Penal Militar é um cartapácio de 410 artigos. As tipificações, com as respectivas penas, começam mesmo no Artigo 136. Os 135 anteriores são uma espécie de guia de aplicação dos demais. Muitos dos tipos penais que ali estão são os mesmos da legislação penal comum. Ademais, a Justiça Militar pode punir por infrações cometidas segundo qualquer dos dois códigos, desde que, reitere-se, se cumpram as exigências dos Artigos 9º e 10º do CPM.

O ARTIGO 9º: CRIMES EM TEMPOS DE PAZ
E quando um crime é considerado militar em tempos de paz? Vamos ver o que dispõe o Artigo 9º. Têm de ser cometidos:
- por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
- por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
- por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;
- por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
- por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;
Os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:
- contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;
- em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;
- contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
- ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.

Deu para entender? Crimes militares são aqueles cometidos, de fato, no exercício da função ou mesmo por civis em áreas sob administração militar. Atentem para o Parágrafo 1º:
§ 1º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri.

Como se vê, um crime contra a vida, ainda que o autor seja um militar, vai para o Tribunal do Júri. É sempre assim? Há a ressalva no Parágrafo 2º:
§ 2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União se praticados no contexto:
I - do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;
II - de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou
III - de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais:
a) Código Brasileiro de Aeronáutica;
b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999;
c) Código de Processo Penal Militar; e
d) Código Eleitoral.

EM TEMPOS DE GUERRA
E há os crimes militares que podem ser cometidos em tempos de guerra:
Art. 10º: Art. 10. Consideram-se crimes militares, em tempo de guerra:
I - os especialmente previstos neste Código para o tempo de guerra;
II - os crimes militares previstos para o tempo de paz;
III - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum ou especial, quando praticados, qualquer que seja o agente:
a) em território nacional, ou estrangeiro, militarmente ocupado;
b) em qualquer lugar, se comprometem ou podem comprometer a preparação, a eficiência ou as operações militares ou, de qualquer outra forma, atentam contra a segurança externa do País ou podem expô-la a perigo;
IV - os crimes definidos na lei penal comum ou especial, embora não previstos neste Código, quando praticados em zona de efetivas operações militares ou em território estrangeiro, militarmente ocupado.

CONCLUINDO
A hipótese, pois, que chegou a ser aventada por alguns de que a Justiça Militar teria jurisdição para processar membros das Forças Armadas ou das Polícias Militares envolvidos com os atos golpistas não tem o menor fundamento.

É estupidamente falso que a decisão do ministro denote desconfiança na Justiça Militar ou eventual desprestígio para o Ministério Público Militar. A decisão de Moraes decorre da simples leitura da lei. A natureza de um crime militar está devidamente caracterizada acima. Mais: alguns dos delitos praticados nem mesmo estão, reitere-se, tipificados no Código Penal Militar.