terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Com três décadas de atraso, Bolsonaro descobre que presos têm seus direitos



Falando desde o cercadão da Flórida, Bolsonaro queixou-se do suplício imposto pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes aos presos temporários recolhidos após o quebra-quebra de 8 de janeiro. Disse "chefes de família, senhoras, mães e avós" recebem tratamento de "terroristas". Quem ouve fica com a impressão de que o quebra-quebra nos prédios dos Três Poderes foi um piquenique inocente numa tarde de domingo, não uma tentativa das falanges bolsonaristas de virar a mesa da democracia.

Há uma evolução notável na manifestação de Bolsonaro. Durante mais de três décadas, Bolsonaro desprezou as más condições do sistema carcerário. Já defendeu a tese segundo a qual bom mesmo é "entupir as cadeias de bandidos". Disse que presídio "não e colônia de férias". Definiu direitos humanos como "esterco da bandidagem." De repente, Bolsonaro se deu conta de que presos também têm direitos.

Bolsonaro se expressa com a volúpia de um cano furado. O cano danificado esbanja água. Bolsonaro esbanja tolices e inverdades. Já admite a comparação entre a intentona de 8 de janeiro e a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Mas ignora que os propósitos golpistas dos das duas irrupções de fúria. Usa a analogia para sustentar que, nos Estados Unidos, a "grande maioria" das pessoas encrencadas está "respondendo ao devido processo" em liberdade. Tudo conversa mole.

No último dia 6 de janeiro, quando a invasão do Capitólio fez aniversário de dois anos, o secretário de Justiça dos EUA, Merrick Garland, divulgou um balanço da investigação. Disse que, nos últimos 24 meses, foram efetuadas mais de 950 prisões. Por enquanto, houve 350 condenações. Em 192 casos, os sentenciados foram para a cadeia. Outros 350 encrencados estavam foragidos. "Nosso trabalho não está concluído", disse Garland. "Continuamos determinados a processar todos os responsáveis pelo ataque à nossa democracia."

Dez em cada quatro presos no Brasil estão esquecidos nos fundões do sistema carcerário sem uma sentença condenatória. Bolsonaro jamais se preocupou com essa anomalia. De passagem pelos Estados Unidos, passou a manifestar uma insuspeitada preocupação com o drama carcerário. A sensibilidade de Bolsonaro aumenta na proporção direta do avanço dos processos criminais que o deixam mais perto de uma cela.

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