quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Todos os gatunos são pardos em meio a mamatas como o auxílio-mudança



Entre a eleição e a posse dos congressistas, a virtude sofre uma mutação hedionda. No caminho entre o palanque e a poltrona no Legislativo, a virtude vira um trissílabo qualquer, tão vulgar quanto mamata. É nessa metamorfose que transforma virtude em mutreta que se encaixa o auxílio-mudança, uma ajuda de custo graciosamente depositada na conta dos parlamentares a cada início de legislatura. A necessidade é fictícia, pois ninguém chama o caminhão de mudança. Mas o custo é real. Coisa de R$ 40 milhões.

A coisa está escorada em regras que foram fixadas há quase 80 anos, quando o Congresso ainda funcionava no Rio de Janeiro. A hipotética mudança de deputados e senadores dos seus estados para a Capital deixou de existir há décadas. Hoje, aguardam os parlamentares em Brasília os apartamentos funcionais mobiliados ou o auxílio-moradia, para quem preferir morar em hotéis. A despeito disso, continua pingando na conta o auxílio de R$ 39,3 mil.

Em tese, deveria custear a mudança dos recém-eleitos ou o retorno dos não reeleitos para os seus estados. Na prática, é apenas mais um privilégio que evoluiu para a categoria do escárnio. O mimo seria apenas inaceitável se fosse pago aos parlamentares novatos. Mas os eleitos por Brasília também recebem.

Pior: os reeleitos, já instalados na cidade, recebem em dobro: R$ 78,8 mil. Repetindo: os reeleitos recebem dois auxílios —um para os custos do fim do mandato que não acabou, outro para o início de um mandato que apenas continuou. Há de tudo nessa transação, exceto mudança.

Imagine um parlamentar novato, desses que se candidataram ao Congresso imaginando-se portadores de uma vocação para a vida pública. Essa pessoa arde no desejo de servir ao povo. As boas intenções se esvaem quando caciques e raposas apresentam as mumunhas aos recém-chegados.

Meios e fins logo se confundem, como se fossem a mesma coisa. Calouros e veteranos se tornam indistinguíveis. Envoltos numa mesma bruma de mordomias e verbas, todos os gatunos são pardos. E o privilégio vira uma religião.


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