quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

Fuga de garimpeiros da terra yanomami tem dias na mata, longos percursos de barco e trecho a pé


Garimpeiros em fuga da Terra Indígena Yanomami caminham carregando pertences por estrada que liga o porto do Arame no rio Uraricoera à vila Reislândia, em Alto Alegre (RR) Lalo de Almeida/Folhapress

Para quem não consegue escapar pelo ar, a fuga da Terra Indígena Yanomami envolve caminhadas por dias na floresta, percursos em barcos ao longo do rio Uraricoera —que podem durar entre um e dois dias— e caminhadas por terra, mais precisamente por 30 km de uma estrada vicinal que conecta uma vila e um portinho usados como bases logísticas para o garimpo ilegal.

A reportagem da Folha esteve em dois portinhos clandestinos e constatou o movimento de fuga feito por garimpeiros que invadiram a terra indígena, após o início da asfixia das atividades de garimpo ilegal.

A FAB (Força Aérea Brasileira) deu início a um controle do espaço aéreo no último dia 1º, com restrição de voos no território. Além disso, o governo Lula (PT) já anunciou que vai fazer operações para retirada dos mais de 20 mil invasores que estão na região. E, desde o dia 20, ações de emergência em saúde estão em curso, com equipes deslocadas para as regiões de Surucucu e Auaris.

Todos esses fatores provocaram um movimento de fuga de garimpeiros, que se viram diante de preços inflacionados de voos clandestinos, operados por outros garimpeiros.

O preço para um deslocamento pode chegar a R$ 15 mil, e invasores mais pobres se veem sem condição de pagar. Pilotos cobram ainda em ouro. Uma viagem individual não sai por menos de 15 gramas de ouro –R$ 280 por grama na cotação dos garimpeiros ilegais, R$ 4.200 no total.

Há relatos de pistas de pouso clandestinas interditadas pelos próprios garimpeiros, como forma de protesto, e de invasores ilhados na floresta, sem condição de deixarem a região.

Por isso, grupos de garimpeiros têm feito o caminho de volta pela mata, pela água e por terra.

O porto do Arame, como é conhecido, é um dos pontos de chegada de garimpeiros, muitos deles com famílias, incluídas crianças.

O entreposto no rio Uraricoera só é acessado por uma estrada vicinal em péssimo estado de conservação —e assim mantida para evitar a aproximação de policiais.

Para percorrer os 30 km entre a vila Reislândia (ou vila do Paredão, como é mais conhecida) e o portinho, são necessárias três horas num carro com tração 4 x 4 e pneus adaptados para a lama. A vila pertence ao município de Alto Alegre (RR), que fica a 85 km da capital Boa Vista.

Família que deixou garimpo na terra yanomami aguarda transporte na estrada que liga o porto do Arame à vila Reislândia, em Alto Alegre (RR) - Lalo de Almeida/Folhapress

Garimpeiros estão chegando ao portinho depois de dias de caminhada na mata e de um ou dois dias descendo o rio em barcos grandes, de 12 metros de comprimento.

Muitos desses garimpeiros carregam apenas uma rede de dormir e um terçado. Outros levam malas nos ombros e galões usados para guardar mantimentos. Esses galões servem também como boia, caso ocorra algum acidente com o barco. Uma parte retorna da área de garimpo portando gramas de ouro.

No portinho, donos de veículos adaptados aguardam clientes para a travessia dos 30 km até a vila. O lugar no carro é negociado por um valor entre R$ 250 e R$ 500. Muitos não podem pagar e fazem o percurso a pé.

Num posto de gasolina na vila, cerca de 30 carros comuns aguardam a chegada dos garimpeiros, para o transporte até o destino final —este destino, para boa parte, é Boa Vista.

O movimento é maior no fim de tarde e início de noite, como forma de driblar eventual fiscalização nas estradas. Os garimpeiros querem manter o ouro que ainda conseguem levar da terra yanomami.

A reportagem constatou que uma parcela expressiva de invasores em fuga é de homens idosos. Alguns diziam ter malária.

O portinho deixado para trás já tem um aspecto de coisa abandonada, com botas e galões espalhados, carcaças de barracas de apoio desmontadas, muita sujeira e carros queimados —a queima teria ocorrido em operações passadas do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

Um segundo portinho usado pelos garimpeiros é conhecido como porto da Calcinha —uma calcinha vermelha marca a entrada do lugar. Esse entreposto tem um acesso mais fácil, e até por isso vem sendo menos usado pelos invasores, temerosos de ações policiais.

Motoristas ficam no porto aguardando garimpeiros que chegam pelo rio Uraricoera, para o transporte até os núcleos urbanos.

A presença de mais de 20 mil garimpeiros na terra yanomami, durante tanto tempo, só foi possível em razão da grande quantidade de voos clandestinos que operam no território.

Mesmo com a declaração de emergência em saúde pública, com maior presença de equipes de saúde em Auaris e Surucucu e com a atenção voltada à crise dos yanomamis, o garimpo vinha executando mais de 40 voos por dia.

O controle do espaço aéreo pela FAB se deu a partir de um decreto do presidente Lula que ampliou o poder de atuação do Ministério da Defesa e permitiu a criação da Zida (Zona de Identificação de Defesa Aérea).

Em uma área ficaram proibidas aeronaves, a não ser militares ou relacionadas à operação de emergência. Foram especificadas ainda áreas reservadas ou restritas. Radares móveis passaram a dar suporte a esse controle do espaço aéreo.

"As aeronaves que descumprirem as regras estabelecidas nas áreas determinadas pela Força Aérea estarão sujeitas às medidas de proteção do espaço aéreo", disse a Aeronáutica, em nota.

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