Gilmar Mendes: com argumentação impecável, ministro torna sem efeito decisões contra decreto que freia sandice armamentista Imagem: Nelson Jr./SCO/STF |
Huuummm...
Lá vem a gritaria dos tontos e dos vigaristas. E também a dos que não leem decisão judicial ou não entendem o que está escrito, mas emitem opiniões definitivas. O ministro Gilmar Mendes, do STF, suspendeu, nesta quarta, todos os processos que correm em outras instâncias da Justiça contra o Decreto 11.326, assinado pelo presidente Lula, que "suspende os registros para a aquisição e transferência de armas e de munições de uso restrito por caçadores, colecionadores, atiradores e particulares; restringe os quantitativos de aquisição de armas e de munições de uso permitido; suspende a concessão de novos registros de clubes e de escolas de tiro; suspende a concessão de novos registros de colecionadores, de atiradores e de caçadores e institui grupo de trabalho para apresentar nova regulamentação à Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003". Tal lei é conhecida como "Estatuto do Desarmamento". Não só: concedeu liminar que torna sem efeito todas as decisões judiciais já tomadas contra o decreto. O ministro enviou a sua decisão para o plenário virtual.
Sim, trata-se do decreto que começa a pôr fim à estúpida farra promovida por Jair Bolsonaro, que apostou de maneira deliberada no vale-tudo. Não custa lembrar que grupos organizados sob a bandeira das armas participaram ativamente da tentativa golpista de 8 de janeiro. Seguiam seu líder. Mais de uma vez, o ex-presidente ligou o armamentismo à questão política e acenou com a possibilidade de uma guerra civil.
CONTEXTO
Vamos lá. A Presidência da República entrou com uma Ação Declaratória de Constitucionalidade pedindo o reconhecimento de que o decreto está conforme a Carta e reivindicando a liminar para evitar que decisões país afora pudessem afetar a eficácia do texto. Lembra o ministro em sua decisão, transcrevendo arrazoado da Advocacia-Geral da União:
"Já foram impetrados seis mandados de segurança no STF contra o ato do Presidente, além da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.334, proposta pelo Instituto Brasileiro de Tiro, que busca ver declarada a inconstitucionalidade do Decreto nº 11.366/2023, todos os processos de relatoria do Ministro Gilmar Mendes. No STJ, foi impetrado o Mandado de Segurança nº 29.187, ajuizado pela Associação Nacional de Colecionadores Atiradores e Caçadores."
E, de fato, decisões vinham sendo tomadas na primeira instância, permitindo o descumprimento do que dispõe o decreto. Não Mais a partir de agora — e até que o pleno se manifeste sobre a decisão de Mendes, que deve ser referendada.
DESFAZENDO UMA MENTIRA
Na petição enviada a Mendes, transcrita pelo ministro, a AGU desmente "fake news" que circula no esgoto bolsonarista. Leiam:
"[A AGU] Registra que não houve determinação de devolução de armas de uso permitido ou de uso restrito por aqueles que as possuem ou as portam legitimamente, com o devido registro. Ao contrário, o Decreto prorroga a validade de registros para aquisição e transferência de armas de fogo de uso restrito que vencerem após sua publicação, até que entre em vigor nova regulamentação da Lei nº 10.826/2023. A suspensão da concessão de novos registros a pessoas jurídicas e a pessoas físicas, operada pelo Decreto, evidencia a cautela do Poder Público para impedir a proliferação da circulação de armas no território nacional".
Inexiste, pois, a tal "caça às bruxas" armadas. Ainda que pavorosas, acrescento eu.
ARGUMENTOS
O ministro destaca que o STF não tem sido omisso diante da escalada armamentista e evidencia por que um decreto que busca limitá-la é, sim, constitucional. Transcrevo:
"Este Supremo Tribunal Federal, como não poderia deixar de ser, não tem restado silente diante desse estado de coisas. Na recente apreciação em conjunto das medidas cautelares implementadas nas ADIs 6119, 6139 e 6466 (Rel. Min. Edson Fachin, Tribunal Pleno, DJe 16.12.2022), esta Corte salientou exatamente que a competência do Poder Executivo para regulamentar o Estatuto do Desarmamento (Lei n. 10.826/2003) encontra limites nos direitos constitucionais à vida e à segurança, bem como no dever estatal de construção de uma política pública de segurança e controle da violência armada, sendo certo que inexiste, na ordem constitucional brasileira, um direito fundamental ao acesso a armas de fogo pelos cidadãos e que a aquisição e o porte de armas de fogo no Brasil "devem estar sempre marcados pelo caráter excepcional e pela exigência de demonstração de necessidade concreta".
Vale dizer: o Poder Executivo pode regular o Estatuto do Desarmamento — como, aliás, faz o decreto de Lula —, mas tal regulamentação obedece a mandamentos constitucionais: direitos à vida e à segurança e construção de uma política pública de controle da violência armada. Ademais, a Carta não considera o acesso à arma um direito fundamental.
8 DE JANEIRO
Ainda que o 8 de janeiro não tivesse acontecido -- é bom lembrar que o decreto de Lula é do dia 1º daquele mês, data da posse --, seria preciso conter a sandice. Mas houve o assalto às respectivas sedes dos Três Poderes. Escreve Mendes:
"Não se pode olvidar que a questão de fundo versa sobre tema de grande potencial para lesionar os mais elevados bens jurídico-constitucionais de cunho individual (como vida e integridade física) e valores coletivos de primeira ordem, como a paz social e o Estado Democrático de Direito - assim ilustra a sequência de acontecimentos transcorridos no período situado entre o fim das eleições gerais e o atentado terrorista de 8 de janeiro de 2023, abertamente patrocinados por grupos armamentistas."
Na mosca! Isso também explica a concessão da liminar. Ou alguém ainda quer que se justifique a urgência? Os direitos fundamentais que a Constituição protege são estupidamente ameaçados pelo vale-tudo armamentista patrocinado pelo homiziado de Orlando.
"Ah, então não posso ter uma arma para me defender?" Claro que pode! Leia de novo o texto para saber quais são as restrições criadas pelo decreto. Elas nada têm a ver com a autodefesa. Elas buscam conter o armamentismo de ataque — inclusive o de ataque à democracia.
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