terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

A fascistoide, Bolsonaro fala em liderar oposição. Competir com colunista?


Bolsonaro discursa ao lado do extremista Charlie Kirk em evento de organização investigada por apoiar invasão do Capitólio Imagem: Rebecca Blackwell/AP

Jair Bolsonaro, que está homiziado na Flórida, concedeu entrevista ao podcast "The Charlie Kirk Show" e disse que pretende voltar ao Brasil para, pasmem!, liderar a "oposição responsável" ao governo Lula. Tem lá a sua graça involuntária. Kirk é um militante de extrema-direita, que lidera um troço chamado Turning Point USA (TPUSA). O grupo e seu líder são investigados por apoiar a invasão do Capitólio. Como se vê, o biltre é tão irresponsável lá como aqui. O presidente participou também de um evento em Miami promovido pela TPUSA. Que coisa, né? Quando não está apoiando golpistas aqui, está apoiando golpistas lá.

Bolsonaro pôs a sua impressionante ignorância -- e há algo de involuntário nisso -- a serviço de sua disposição, obviamente voluntária, de mentir. Afirmou
"Hoje em dia, nós temos mais de mil pessoas presas no Brasil. Muitas pessoas tiveram suas páginas derrubadas e desmonetizadas. A acusação é 'fake news' ou acusação contra o Estado democrático de Direito. E 'fake news' e atentado contra o Estado democrático de Direito não está previsto na legislação para que haja punição para pessoas que pratiquem isso. O que é 'fake news' para mim e não para você".

Em primeiro lugar, seria espantoso, não fosse absolutamente coerente com seu padrão político, moral e intelectual, que um líder político dispensasse esse tratamento a notícias falsas. Ocorre que há uma mistura de burrice com má-fé aí. "Atentado ao estado democrático de direito" é crime, sim: trata-se do Artigo 359-L do Código Penal, que se casa com o 359-M, que é tentar um golpe de estado para depor governo legitimamente eleito. Juntos, pelo topo, os dois crimes rendem até 20 anos de prisão. A propósito: isso foi parar no Código Penal com o fim da Lei de Segurança Nacional, tudo previsto na Lei 14.197, aprovada pelo Congresso e sancionada por um tal Bolsonaro...

De fato, o Código Penal não tem o crime de "fake news" por si. E, convenham, é até questionável se precisamos disso — destacando-se que a legislação eleitoral pune, sim, a prática. Bolsonaro finge não entender que a notícia falsa é mera forma de cometimento de crimes distintos. A mentira pode servir, por exemplo, para sabotar a vacinação de crianças. De toda sorte, ninguém está preso por propagar notícia falsa. Os que foram para a cadeia nos dias 8 e 9 estavam empenhadas em golpear as instituições, flagrados ou depredando as respectivas sedes dos Três Poderes ou na área anexa ao QG do Exército. E alguns outros foram em cana porque envolvidos com a logística da operação. E ainda falta alguns. Não há "mais de mil". São 942 os que estão detidos.

E aí ele fala um troço que é realmente do balacobaco. Referindo-se à liberdade de expressão, aludindo à Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos e ao Artigo 220 da nossa Carta, disse:
"Não é o primeiro artigo (sic) como aqui, o artigo 220 da nossa Constituição. Infelizmente, é completamente ignorado, por quê? Esses juízes, poucos, né, entenderam que vale tudo para defender a democracia, como se eu fosse um ditador."

Que coisa! Não é um ditador porque deu tudo errado, né? Mas tentou. Com efeito, a Primeira Emenda nos EUA contribui, em certa medida, para estimular tarados morais, assim como a Segunda (do direito às armas) dá uma mãozinha a homicidas e psicopatas. De toda sorte, nem lá pode tudo, como as investigações sobre o Capitólio indicam.

Não tenho esperança de que o biltre homiziado já tenha lido a Carta. Se o fizer, encontrará lá:
"Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV."

Bolsonaro finge ignorar que a tal "liberdade" tem de observar o "disposto na Constituição". Veda-se, por exemplo, o anonimato e se protegem a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem de pessoas, conforme dispõe os Incisos IV e X do Artigo 5º. Há mais: de tal sorte a Constituição repudia o terrorismo que práticas dessa natureza são insuscetíveis de graça ou anistia (Art. 5º, XLIII), bem como a ação de grupos armados, civis ou militares, contra ordem constitucional e o Estado democrático (Art. 5º, XLIV). A expressão é livre, respeitada a Constituição, que afasta, por exemplo, o racismo. Assim, ninguém deve ser escorar, senhor Bolsonaro, no Artigo 220 para ser racista ou para ser golpista.

Entendeu ou quer um desenho com giz de cera? Ou um molde com massinha? Se bem que isso você sabe, né, Bolsonaro? Seu problema não é só a ignorância.

OPOSIÇÃO RESPONSÁVEL
E aí temos a fala sobre a oposição responsável, a saber:
"Há uma vontade muito grande por parte de muitos brasileiros para que eu retorne o mais rápido possível. Eu pretendo, nas próximas semanas, retornar e fazer uma oposição responsável contra o atual governo. Se bem que, em 30 dias, já fizeram muita coisa errada; costumo dizer que, no Brasil, não precisa de oposição ao governo do PT."

A responsabilidade se evidencia já pelo depoimento e pelo entrevistador. Do balacobaco! Mas olhem... Talvez Bolsonaro se surpreenda se voltar. Aguarda-o um batalhão de "colunistas" em busca de um fascistoide moderado. E todos sob o pretexto de defender a responsabilidade fiscal. Talvez faça mesmo sentido: sem a sua voz estridente e bronca por aqui, outros ocupam o seu lugar e enchem de números seu reacionarismo para lhe conferir uma aparência de cientificidade, o que o "Mito" não precisa fazer.

Aquele que liderou o governo que praticou o genocídio do povo yanomami e que comandou, por seu silêncio e palavras ambíguas, o assalto aos Três Poderes acha que o governo do PT "não precisa de oposição". É... Parte da imprensa, é verdade, faz esse trabalho. E nem precisa de Bolsonaro. Mas aí a fome se encontrará com a vontade de comer. Talvez sirva para tornar tudo mais claro no país. E clareza nunca é demais.

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