sábado, 4 de fevereiro de 2023

Bolsonaro magnificou o primeiro mês de Lula 3



Apesar da rendição a Arthur Lira, da reabertura do balcão, da condescendência com ministros temerários, dos afagos em ditadores companheiros, da ambiguidade palanqueira, do blábláblá que opõe o fiscal ao social e do lançamento prematuro da campanha à re-re-re-reeleição... Apesar de tudo isso, o primeiro mês do terceiro mandato de Lula proporcionou à maioria dos brasileiros uma sensação de alívio. Com fome de normalidade, o país concede ao governo seminovo um salvo-conduto liminar para o tropeço.

O futuro é claro como a névoa. Há mais caldo do que carne na panela do Ministério da Fazenda. Mas o deixa-pra-lá preventivo ofusca sob uma camada de esperança os erros cometidos pelo governo na largada. Deve-se a mágica a uma partícula do idioma: "Se". Ou, por outra, o encantamento que faz crescer a avaliação do governo é explicado por uma interrogação: "E se...?". O brasileiro pergunta aos seus botões: "E se Bolsonaro tivesse vencido?"

Quem quiser atiçar os neurônios pode estragar um pedaço do final de semana refletindo sobre meia dúzia de perguntas que até os botões da camisa têm receio de responder porque não podem bater três vezes na madeira. Por exemplo:

1- Que epitáfio descreveria o Brasil se Bolsonaro ganhasse mais quatro anos para jogar terra em cima do buraco em que enfiou a democracia?

2 - Em quanto tempo o genocídio seria concluído se o crime organizado continuasse prevalecendo sobre o Estado esculhambado na reserva Yanomami?

3 - Que seria do Ministério Público com a re-re-recondução de Augusto Aras?

4 - E se o capitão indicasse mais "10%, 20% ou 30% de mim no Supremo", convertendo o tribunal numa Corte de gorjetas?

5 - E se figuras como Damares Alves, Marcelo Queiroga, Augusto Heleno e Anderson Torres continuassem na Esplanada?

6 - Que seria das Forças Armadas se os militares não parassem de fazer biscates políticos?

Lula teve uma estreia atípica. Desfrutou de duas cerimônias de posse. Presenteado com a ausência de Bolsonaro, subiu a rampa em triunfo para receber a faixa das mãos do povo. Foi reempossado na semana seguinte ao obter dos governadores e dos chefes do Supremo e do Congresso um aval coletivo ao resultado das urnas em resposta ao Capitólio bolsonarista de 8 de janeiro.

Por uma trapaça da sorte, nenhum governante chega ao sucesso apenas sapateando sobre a ruína do antecessor. Se o primeiro mês do governo serviu para alguma coisa foi para mostrar que o novo Lula é o mesmo. Não tem a teimosia e a insanidade delirante do antecessor. Mas também cultiva suas realidades paralelas. O êxito do terceiro mandato está condicionado à disposição de Lula de colocar os pés no chão. O fenômeno do deixapralaísmo, impulsionado pelo desastre Bolsonaro, tem prazo de validade curto. Em cem dias começará a surgir uma pergunta nova: E se Lula não fizer o serviço?

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