quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Fiquem atentos para o esforço de se criar o falso bolsonarismo herbívoro



A julgar pela entrevista concedida por Jair Bolsonaro a The Wall Street Journal, vamos ter de conviver com o esforço para se criar no país o falso bolsonarismo herbívoro. Como é evidente, nesse caso, os herbívoros-raiz são mesmo carnívoros. Ao jornal americano, ele afirmou que volta em março para liderar a oposição porque a direita estaria sem um homem pra chamar de seu — mesmo que seja ele... O gracejo é meu, não dele, claro, aludindo a uma música bacana. Desculpo-me por isso. Adiante.

Reconheceu a derrota para Lula à sua maneira, afirmando que "perder faz parte do processo eleitoral". Com medo dos tribunais — e disse que teme ser preso —, tentou contemporizar: "Eu não estou dizendo que houve fraude, mas o processo foi enviesado". O que isso quer dizer? Ninguém sabe.

Também procurou se descolar dos atos de 8 de janeiro — afinal, lembrou, ele nem estava no Brasil... Sei lá a quem acha que engana. Mas não pode abandonar os seus ao relento, é claro! Golpe? Ele diz que não e indaga: "Golpe? Que golpe? Onde estava o mandante? Onde estavam as tropas, onde estavam as bombas?"

Sei... Existiria, então, uma espécie de modelo de golpe. Como não foi integralmente cumprido, não se poderia empregar tal palavra. Está sendo instruído por advogados? Sendo o caso, talvez fosse conveniente buscar orientação mais, digamos, técnica. Relembro ao presidente dois artigos do Código Penal que tratam do assunto:

Abolição violenta do Estado de direito
Art. 359-L: Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Golpe de Estado
Art. 359-M: Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.

Como resta evidente, o tipo penal não exige comandantes, tropas e bombas. E pune a simples ameaça. É inegável, senhor Bolsonaro, que os atos foram violentos.

PANDEMIA
Ensaia um mea culpa sobre o seu comportamento durante a pandemia, mas não porque expresse arrependimento pelas barbaridades que disse, mas porque, sei lá, deve achar que suas declarações acabaram resultando contraproducentes:
"Eu não diria nada, deixaria o problema para o Ministério da Saúde".

A questão relevante, como se sabe, é outra: ele, hoje, reconheceria ou não a competência do Supremo para tomar a decisões que o tribunal tomou? Embora ele tivesse patrocinado, politicamente, manifestações golpistas contra o tribunal antes mesmo da pandemia, foi nesse tempo que o confronto com a Corte se extremou. O então presidente tentou impedir a aplicação de medidas restritivas por Estados e municípios para conter a expansão da doença. No extremo da sandice, opôs-se até mesmo ao uso de máscaras. E promoveu aglomerações no auge da contaminação.

MODERAÇÃO UMA OVA!
Obviamente, nada há de moderado em Bolsonaro e no bolsonarismo. Está tentando ver se consegue limpar um pouco sua barra nos tribunais. Não será fácil. Sua entrevista vem a público no dia em que o TSE decidiu, por unanimidade, manter a minuta golpista apreendida na casa de Anderson Torres na investigação que apura a reunião que ele promoveu com embaixadores estrangeiros, em julho do ano passado, no Palácio da Alvorada, para acusar possível fraude no sistema eleitoral.

Os sete integrantes da corte votaram pela inclusão: Alexandre de Moraes (presidente), Ricardo Lewandowski (vice), Cármen Lúcia, Benedito Gonçalves (corregedor-geral eleitoral), Raul Araújo, Sérgio Banhos e Carlos Horbach.

Ora, ora... Se o chefe da direita carnívora que agora quer se fingir de herbívora não reconhece como golpista nem o ataque às respectivas sedes dos Três Poderes, por que consideraria ato criminoso uma minuta que buscava dar aparência de legalidade à tramoia?

Bolsonaro está tentando combinar a simulação de um discurso moderado com o ataque dos cães — para fazer a alusão a um filme em que o inimigo não dá trégua. Cai na conversa quem quer.

DIREITA LIMPINHA
Há uma "direita limpinha" no país que não engoliu até agora a eleição de Lula e pensa que é o petista o verdadeiro perigo para o Brasil. Por isso se dedica a tentar minimizar o risco que Bolsonaro representou e representa, buscando, adicionalmente, acusar Alexandre de Moraes e o STF de exagero na persecução penal para identificar e punir os golpistas.

E, por óbvio, essa "direita limpinha", sozinha, pouco consegue. No máximo, busca transformar Lula em vilão por causa das críticas legais e legítimas à política de juros. Precisa mesmo é da direita suja. E a direita suja tem dono. Escrevam aí: haverá um esforço para "normalizar" o "Bolsonaro herbívoro". Não creio que dê certo. Mas, se desse, seria só uma questão de tempo para que voltasse a arreganhar os dentes com sede de sangue. E fome de yanomamis.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

O administrador do Blog não se responsabiliza pelos comentários de terceiros.