quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Pacheco, Lira e Lula venceram no Congresso. E o apocalipse perdeu de novo!



Mais uma vez, as previsões apocalípticas sobre o governo Lula se frustraram. Sei que é um tanto ridículo dizer isso sobre o um governo que está no seu 33º dia — 32º quando se deram as eleições para as respectivas Mesas da Câmara e do Senado. Mas não sou eu o São João da hora, que vive a mascatear o Apocalipse.

Arthur Lira (PP-AL) venceu a disputa pela Presidência da Câmara com votação recorde: 464 votos. A aliança com o Lula e o PT se deram ainda no governo Bolsonaro, de que Lira havia sido um dos fiadores. O petista percebeu a tempo que, mesmo com as alterações do chamado Orçamento Secreto, seria um erro investir numa candidatura alternativa. E o deputado alagoano conquistou seu segundo mandato com apoio de lulistas de bolsonaristas; com os votos do PT e do PL.

Enquanto comandava as "emendas do relator", é fato, Lira não teve receio de se comportar como uma espécie de César da Câmara. As agressões de Bolsonaro à Lei Eleitoral e à própria Constituição, com as PECs eleitoreiras dos benefícios sociais e dos combustíveis, se deram, sim, com o seu patrocínio. Ele sabe ser governista como poucos na defesa do próprio poder e dos interesses que representa. A pergunta a se fazer: qual era a alternativa? Em política, a melhor escolha é sempre a possível.

Lula não nasceu ontem nem é novato no ramo. Fosse viável construir um nome, e ele teria escolhido tal caminho. Mas cumpre indagar: era? O PT fica com uma relativamente modesta Segunda Secretaria na Mesa da Casa, mas vai comandar a Comissão de Constituição e Justiça, o que lhe dá, obviamente, mais poder do que tinha na Legislatura anterior. E convém lembrar que o partido tem o presidente da República. "Ah, mas a vida não será fácil..." É possível. Cabe indagar de novo: seria se tivesse partido para uma aventura, entregando, então, a Câmara ao homiziado de Orlando?

SENADO
No Senado, o caldo engrossou um tanto. E, é fato, os partidários de Rogério Marinho chegaram a achar que o senador tinha mesmo condições de vencer. Há algo de mágico -- ou de fantasmagórico -- naqueles que se juntam ao "capitão": eles confundem, muitas vezes com sinceridade (acreditam na própria farsa), desejo com realidade. De toda sorte, aquele que se colocou como a alternativa do golpismo no Senado teve mais votos dos que se imaginava no começo da corrida: obteve 32 votos, não os 23.

É claro que Bolsonaro perdeu a disputa nas duas Casas, embora seus aliados tenham votado em Lira na Câmara. O presidente reeleito dessa Casa, não custa notar, esteve entre os primeiros a reconhecer a vitória de Lula, deixando claro que não embarcaria na loucura daquele que era seu aliado até a véspera. E justiça se lhe faça: nunca endossou o discurso golpista do biltre, embora tenha sido muito mais discreto na defesa da democracia e do estado de direito do que Rodrigo Pacheco (PSD-MG), ora reeleito para a Presidência do Senado.

Pacheco resistiu a três semanas de uma campanha sanguinolenta movida pelas milícias fascistoides nas redes, a que se juntaram falanges de extrema-direita, que repudiam a pecha de "bolsonaristas", embora não percam a chance de se grudar ao "capitão" em momentos cruciais. Sob o pretexto do combate a Lula e ao PT, optam sem cerimônia pelo vale-tudo. Quem, a esta altura, escolhe o campo do golpismo ao do lulo-petismo, por mais restrições que faça a esse segundo grupamento, define o lugar que quer ocupar na vida pública.

De resto, Pacheco não é um "lulista". Eleito pelo então DEM, migrou para o PSD, presidido por Gilberto Kassab, e teve também ele influência no tal "Orçamento Secreto", ainda que bem menor do que a de Lira. Foi um dos legados do bolsonarismo. Mas, e aqui se diga sem ambiguidades, foi um duro e leal combatente em defesa da democracia e das regras do jogo. Jamais tergiversou diante dos arreganhos autoritários do golpista.

Ocorre que um eventual embate do Poder Legislativo com o Supremo se dá justamente no Senado. É o presidente da Casa quem detém o poder monocrático de, por exemplo, pôr para tramitar um pedido de impeachment de ministro do Supremo. E essa foi a batalha que o fujão resolveu liderar lá de Orlando, enquanto fica no bem-bom, juntando-se a golpistas da democracia brasileira e, pasmem!, também da americana.

REPRESENTANTE DO GOLPISMO
Rogério Marinho (PL-RN) tornou-se um postulante e um porta-voz do extremismo. O discurso em que defendeu a própria candidatura entra para a história da infâmia do Congresso. Depois daquele 8 de janeiro, o valente resolveu voltar suas baterias contra o Supremo Tribunal Federal, acusando-o de tirar prerrogativas do Congresso, de agredir a liberdade de expressão e de não respeitar a pluralidade. É uma fala insana. Estava lá como procurador e porta-voz de Bolsonaro, embora não tenha pronunciado o nome de seu líder. Mas Michelle foi ao Senado cabalar votos para ele, imprimindo as digitais do biltre na candidatura.

"Ah, mas Marinho não pode concorrer? Só o nome que conta com o endosso de progressistas é aceitável?" Perguntas assim embutem muitos erros. Qualquer senador pode concorrer. Se, no entanto, tenta ocultar os motivos de sua postulação, isso tem de ser denunciado. Ademais, Pacheco recebeu, sim, votos de muitos conservadores. Mas não era a opção dos golpistas. Estes tinham o homem. A censura que Marinho fez ao ataque aos Três Poderes foi não mais do que protocolar.

Numa eleição assim, uma pauta fixa é retirada dos arquivos. Não há disputa, no presidencialismo de coalizão, em que não se fale de "uso da máquina". O governo teria prometido nomeações para aliados de senadores em troca do voto a Pacheco. Dada a forma como se organizam os Poderes, quando é que a máquina não é, então, usada — nesses termos ao menos? Eu poderia indagar aqui: para a democracia, teria sido melhor que o governo tivesse se ausentado? Alguém consegue ao menos imaginar em que buraco isso nos jogaria?

Nunca ninguém encontrará texto meu censurado o fato de que governos, dentro das regras do jogo, escolhem aliados para ocupar cargos que são de confiança. O que não pode, uma vez lá, é fazer sem-vergonhice. Se houver, que seja denunciada, investigada e, uma vez comprovada, punida. Quando se diz que "a máquina foi usada" para eleger Pacheco — e noto que não se fala de uma ilegalidade —, querem que eu diga o quê? Bendita máquina??? A alternativa era uma espiral para baixo, sem fundo visível.

VOLTO AO PONTO
No seu 33º dia de governo, vejam os desafios pelos quais Lula já passou. A rigor, começou a construir os fatos desta quarta quando se organizou para aprovar a PEC de Transição, ainda no governo que acabara de derrotar. Outro fato inédito.

O que sei, e está tudo escrito, é que se anteviu a ingovernabilidade para Lula logo depois do primeiro turno em razão da futura composição do Congresso. Até agora, não aconteceu. "Ah, mas o presidente ainda vai se dar mal..." Digo o quê? Tomara que não! Convém não fazer como os bolsonaristas: confundir desejo com a realidade. Ainda não foi desta vez que veio o Apocalipse. Que não venha.

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