domingo, 26 de fevereiro de 2023

Brasil pode abandonar papel de pária e reviver protagonismo na ONU


Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, durante entrevista à Folha em seu gabinete em Brasília - Pedro Ladeira - 10.fev.2023/Folhapress

O histórico diplomático construído pelo Brasil em décadas de governos democráticos surpreendeu Estados que, nos últimos quatro anos, testemunharam o país liderar discussões contra direitos garantidos e se alinhar a ultraconservadores em pautas sobre direitos das mulheres, racismo e meio ambiente.

A partir desta semana, o Conselho de Direitos Humanos da ONU realizará sua primeira sessão do ano. O evento deve contar com a participação do ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, que tem se manifestado em defesa do retorno de políticas de promoção e proteção de grupos minoritários ou marginalizados.

Este será o primeiro grande discurso de uma autoridade do primeiro escalão do governo Lula na ONU, e o ministro já deverá indicar alguns dos posicionamentos esperados do país nas Nações Unidas.

Este ano, o Brasil não ocupará uma cadeira no Conselho de Direitos Humanos. A ausência faz parte do rodízio de mandatos e prevalecerá até o ano que vem, quando se tornará novamente candidato a uma das vagas para o mandato de 2024-2026, conforme já informou o Itamaraty. Entretanto, ainda será possível influenciar resoluções, propor debates e voltar a ocupar o espaço propositivo nas discussões.

Esta será a chance de retorno a debates urgentes, como a emergência climática, em que o país terá um papel importante a desempenhar, especialmente no que se refere à proteção da Amazônia e dos povos originários, e deverá se posicionar contra o negacionismo que coloca o meio ambiente, a vida e a dignidade de milhões de pessoas, com destaque às vítimas do racismo ambiental.

Há ainda o engajamento na pauta antirracista. Há oportunidade de convidar o novo mecanismo da ONU sobre justiça e igualdade racial na segurança pública para uma visita oficial, a fim de avaliar problemas decorrentes da violência institucional e do racismo estrutural. Mais de cem organizações solicitaram ao governo que convidasse o mecanismo a visitar o país. O Itamaraty, à época, não se manifestou.

Outro ponto que deverá ter destaque é a mudança de posicionamentos do país em relação a direitos sexuais e reprodutivos, alavancada pela retirada do Brasil do Consenso de Genebra, ainda nos primeiros dias do governo Lula. Trata-se da saída de uma aliança ultraconservadora antiaborto, proposta pelos EUA no então governo Trump.

Este será também o período em que o país se posicionará sobre o processo de Revisão Periódica Universal da ONU, iniciado em novembro de 2022, em que Estados-membros propuseram recomendações a serem adotadas pelo Brasil acerca da garantia dos direitos humanos.

O governo brasileiro deverá declarar quais serão as recomendações a serem seguidas nos próximos anos. O governo anterior, em linha com sua política anti-direitos, havia comunicado à ONU que não aceitaria recomendações que versavam sobre direitos sexuais e reprodutivos, rejeição ao marco temporal e fortalecimento do Conselho Nacional de Direitos Humanos. O novo governo deve reverter essa posição agora em que o processo da revisão se encerra oficialmente.

Nas próximas semanas, veremos quais compromissos o Brasil assumirá diante de atores internacionais na pauta de direitos humanos. Eles podem significar a retomada de protagonismo diplomático também em outros temas emergentes na esfera global, como o enfrentamento ao fascismo, o combate à fome e às desigualdades acentuadas durante a pandemia e a construção de acordo de paz entre Rússia e Ucrânia.

Esses esforços devem estar acompanhados de ações urgentes para enfrentar desafios domésticos, como a desintrusão de invasores em terras indígenas, a rejeição da tese do marco temporal, o combate à violência policial, a adoção de políticas de atendimento às vítimas e familiares de ações violentas de forças de segurança, a ampliação de ações afirmativas raciais e a defesa das instituições democráticas.

O protagonismo internacional pode e deve ser a mola propulsora da reconstrução da agenda de direitos humanos no Brasil, o que, por sua vez, dará lastro para uma política externa condizente com o Artigo 4 de nossa Constituição que prevê a prevalência dos direitos humanos em nossas relações internacionais.

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