Uma característica curiosa da corrupção se observa em todos os governos. O corrupto está sempre nos governos dos outros. Jair Bolsonaro disse que acabou com a Lava Jato porque não há corrupção no seu governo. Talvez tenha pretendido apenas produzir um comentário irônico. Mas foi infeliz. A frase representa o triunfo da fé sobre a prudência. Revela que o orador opera num mundo com duas verdades: a dele e a verdadeira. Todos gostariam de viver no país maravilhoso que o presidente descreve em seus discursos, seja ele onde for.
Bolsonaro é investigado por suspeita de tramar a conversão da Polícia Federal num aparelho a serviço da família e dos amigos. Não consegue explicar os R$ 89 mil que o casal Queiroz depositou na conta de sua mulher. Dois de seus filhos, Eduardo e Carlos, estão encrencados em inquéritos sobre desvio de verbas públicas em casas legislativas. Os Bolsonaro revelam-se cultores de inusitados hábitos. Adeptos da rachadinha, eufemismo para peculato, recorrem à forma mais primitiva e sigilosa de poupança: o colchão. Compram até imóveis em dinheiro vivo.
Os líderes do governo na Câmara e no Senado são alvos da Lava Jato. Há no Ministério do Turismo um réu por desvio de verbas eleitorais. No comando da pasta do Meio Ambiente há um condenado por improbidade administrativa. Foram acomodados dentro de cofres estratégicos do governo, inclusive nas pastas da Educação e da Saúde, apadrinhados do centrão —um aglomerado partidário 100% feito de investigados, condenados e cúmplices.
É contra esse pano de fundo que Bolsonaro conspira contra a Lava Jato, sedando órgãos de controle, acomodando na Procuradoria-Geral um procurador que não procura e enviando para o Supremo uma toga-tubaína. Nada disso comprova a inexistência de corrupção em Brasília. Demonstra apenas que Bolsonaro virou um estelionato eleitoral à procura de blindagem.
A Lava Jato ainda não acabou. Mas Bolsonaro sinaliza ao país que endossa o esforço do procurador-geral Augusto Aras para minar a operação. No momento, o grande desafio do presidente é o de se reinventar politicamente. Com uma dificuldade: até os bolsonaristas mais apaixonados começam a notar que Bolsonaro já não se encaixa no papel de virgem imaculada no bordel.
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