segunda-feira, 31 de outubro de 2022

Lula tem de fazer a conciliação, sim. Mas com quem? Ofereço Mateus 8:5-17



Não vou fugir ao coro dos que afirmam que Lula tem um desafio gigantesco pela frente, que é buscar, como dizem a "conciliação" ou "reconciliação! Emprega-se uma palavra ou outra, embora haja distância, digamos, temporal entre elas. Uma quer dizer "reunir", "juntar"; a outra significa fazer isso de novo, "ajuntar novamente". No contexto, a conciliação aponta para o entendimento entre diferentes; a "reconciliação", para uma espécie de pax entre aqueles que, unidos um dia, partiram para o confronto.

Lula já comandou uma espetacular conciliação no processo pré-eleitoral — bem como o fizeram aqueles que a ele se juntaram. Vejam o caso de Geraldo Alckmin, seu duro adversário na disputa de 2006. Ambos se conciliaram. Não havia como reconciliar os que nunca estiveram juntos. Também participaram da frente ampla contra os fascistoides quase todos os economistas e operadores do Plano Real. Empresários que nunca votaram no PT ou pertenceram ao círculo de influência de Lula participaram do que não deixou de ser uma operação de risco.

O agora presidente eleito tem sido um conciliador desde o tempo em que estava na cadeia. As mensagens que emanavam da prisão iam no sentido, justamente, da frente ampla para vencer o desatino bolsonarista. Não foi outro o sentido da entrevista que ele concedeu a este jornalista no dia 1º do abril de ano passado. E não há grande novidade nisso. Lula era um conciliador como sindicalista.

A propósito: o PT, desde a sua origem, nunca foi disruptivo; jamais buscou romper a ordem democrática. Ao contrário, empenhou-se em construí-la, ou não teria conseguido se organizar ainda durante a ditadura militar. Que tenhamos enfrentado, em 2022, uma campanha feroz contra "o risco comunista" que seria representado pelo partido dá conta do atraso do debate no Brasil e do grau de pistolagem a soldo a que se dedicaram algumas almas penadas do golpismo.

E a "reconciliação"? Bem, com quem o petista teria de se conciliar "de novo"? Com Ciro Gomes talvez. Bolsonaro está mudo há um dia. Todas as antevisões apresentadas sobre o primeiro turno não se cumpriram por 0,9 ponto percentual — ou, se quiserem, 1,8 ponto na diferença. Essa é a distância que vai dar tempo ao Brasil para tentar salvar a democracia. Não vejo com quem mais Lula possa se "reconciliar". E, para ser franco, não sei se faz sentido perder tempo com isso.

E A CONCILIAÇÃO?
Depende! Conciliar com quem ou com o quê? O líder petista, já destaquei aqui, formou uma frente ampla para vencer a eleição. E, nesses termos, ninguém promete nada a ninguém: houve, para ficar na palavra, uma conciliação entre aqueles que defendem a ordem democrática e repudiam o modelo unitarista bolsonariano, de viés obviamente fascistoide. É aquela gente, para ir à capilaridade do que significa o modelo, que arranca adversários políticos do carro para estapeá-los. Ou que sai pelas ruas dando tiro. Ou que recebe a Polícia Federal com fuzil e granadas.

Frente ampla para vencer a eleição não é sinônimo de frente ampla para governar. Essa é de outra natureza. O futuro governo terá de buscar uma maioria congressual para governar. Partamos da máxima óbvia de que o melhor acordo é sempre o acordo possível. Ou outra: um mau acordo pode ser melhor do que uma boa briga. Mas isso ainda não diz tudo. Afinal, quem ganhou a eleição presidencial foi Lula, não Bolsonaro.

Estou entre aqueles que consideram que o presidente eleito tem de dialogar com qualquer força que esteja disposta a conversar com ele desde que esse entendimento não macule os valores consagrados pela Constituição. Em dias em que tantos apelam ao divino para justificar a violência, a truculência e a morte, eu o farei para celebrar a vida. E os remeto a Mateus 8, 5-17. Um oficial do Exército pede a Jesus que cure um enfermo de sua casa, um empregado. O Messias se dispõe a ir à residência do homem, que, no entanto, recusa a oferta porque diz não se considerar digno de recebe-lo em sua morada, afirmando que bastará uma palavra do filho de Deus para que a cura se efetive. E assim se fez.

Isso passou para as missas católicas na forma conhecida: "Senhor, eu não sou digno de que entreis em minha morada, mas dizei uma só palavra e serei salvo" — notem que o "salvar o outro" de Mateus transformou-se em "salvar-se" — salvar-se para a vida eterna. Mesmo os indignos da presença do filho de Deus.

ENTÃO COM QUEM?
Por que eu me volto para Mateus? Porque Lula deve, sim, aceitar a interlocução com todos aqueles que estiverem de boa-vontade, mas é preciso que haja uma palavra para ser admitido à mesa de conciliação: a aceitação das regras do jogo. Não! Não é preciso se converter ao petismo, como não se converteram todos aqueles que ajudaram a derrotar Bolsonaro.

Não se pode manter a conversa impossível. O novo governo tem de encarnar, representar e expressar o triunfo da lei. O discurso de posse de Lula foi um dos melhores jamais pronunciados na história da República. Seu eixo estruturante está no respeito à Constituição. O presidente eleito pede que se baixem as armas que jamais deveriam ter sido empunhadas. Sim, esse é o caminho. Lula não tem de cobrar a abjuração de ninguém. Mas nem ele nem o Judiciário podem condescender com os mercadores da desordem.

SILÊNCIO
Bolsonaro, até agora, está em silêncio. É um silêncio que fala. Há bloqueios promovidos por caminhoneiros e algumas lideranças ruralistas em pelo menos 13 Estados. Ele não convocou resistência ao resultado das urnas, mas se vê que não desestimula a ilegalidade. Sofreu, claro!, um duro golpe quando Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, tendo atrás de si Ricardo Barros (PP-PR), líder do governo na Câmara, reconheceu, sem titubear, o resultado das urnas.

Ainda que arruaceiros estejam a falar em golpe, é evidente que o país está em paz. A Bolsa subiu, o dólar caiu, e segue a vida. O único que pode gerar instabilidade até 1º de janeiro é mesmo... Bolsonaro. Ele tem feito outras coisas nestes quatro anos?

Ações contra Bolsonaro no STF devem cair para 1ª instância, mas ministros podem segurar casos-chave


O presidente Jair Bolsonaro durante sua votação na Vila Militar, zona oeste do Rio de Janeiro. Foto: Pedro Kirilos/Estadão

Com a derrota nas urnas neste domingo, o presidente Jair Bolsonaro (PL) voltará a ser tratado pela Justiça como um cidadão comum. A partir de 1º de janeiro, quando Luiz Inácio Lula da Silva for empossado novo chefe do Executivo, Bolsonaro perderá o “foro privilegiado” que lhe dá direito a responder a processos apenas no Supremo Tribunal Federal (STF).

Processos que envolvem Bolsonaro em tramitação na Corte caem para a primeira instância da Justiça, em Brasília. Atualmente, ele responde a 58 denúncias de crimes comuns apresentadas durante seu exercício no comando na Presidência da República. Mas muitos poderão continuar em tramitação na Corte, de acordo com o entendimento dos ministros que julgam os casos.

A jurisprudência do Supremo prevê, via de regra, que todos os processos contra autoridades com prerrogativa de foro devem ser designados à primeira instância após a perda do mandato. Interlocutores dos ministros da Corte, no entanto, enxergam brechas no regramento que permitiriam aos relatores das ações decidirem se os casos permanecem sob sua responsabilidade ou se são distribuídos para outros tribunais. Nessa lista podem estar os inquéritos das fake news e das milícias digitais, que causaram atrito entre o STF e o Palácio do Planalto.

Nos casos em que são investigadas autoridades com foro e pessoas que perderam essa prerrogativa, há conflitos de entendimento sobre se a Corte deve desmembrar os processos para focar apenas nos investigados sob sua competência. Dentre os processos contra Bolsonaro no Supremo, 12 casos indiciam Bolsonaro conjuntamente contra outras pessoas, dentre as quais estão autoridades com foro privilegiado, como o ex-ministro e senador eleito Sergio Moro (União Brasil-PR), a deputada federal reeleita Carla Zambelli (PL-SP) e dois filhos com atuação no Congresso: o deputado federal reeleito Eduardo (PL-SP) e o senador Flávio (PL-RJ).

Pela jurisprudência, o foro privilegiado vale enquanto a autoridade exercer cargo público. “O foro por prerrogativa de função, muitas vezes visto como um privilégio, na verdade não é. Esse recurso é historicamente aplicado em todos os países do mundo democrático como uma possibilidade de a pessoa que desempenha funções públicas ter resguardo e não ser perseguida na sua ação e por sua manifestação de opinião. Quando acaba essa função, o foro deixa de existir. A autoridade passa a ser tratada como uma pessoa normal sujeita a ser examinada pelas autoridades competentes na primeira e na segunda instância”, explica Rubens Beçak, professor de direito constitucional na Universidade de São Paulo (USP).

Em 2014, o Supremo decidiu, com base no voto do ex-ministro Marco Aurélio Mello, que somente devem tramitar na Corte “os inquéritos que envolvam detentores de prerrogativa de foro”. No entanto, pessoas com trânsito nos gabinetes dos ministros entendem que cabe ao relator de cada processo colher o parecer do procurador-geral da República e analisar se os fatos da ação possuem “íntima ligação” entre os investigados para, só então, decidir se as pessoas sem foro devem continuar a ser julgadas pelo tribunal.

O professor de direito constitucional Thomaz Pereira, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-Rio), reforça o entendimento em circulação na Corte de que cabe a cada relator decidir o que permanece no Supremo. “Em cada processo ou inquérito teria que ser tomada uma decisão individual. A depender, por exemplo, de outros investigados que ainda podem ter foro. Mas, em princípio, caso o presidente perca o cargo não haveria mais motivo para ele especificamente ser julgado no STF”, explicou.

Apesar das divergências internas quanto à regra a ser adotada neste caso, existem ao menos dois processos contra Bolsonaro que podem mantê-lo sob a mira do Supremo e do ministro Alexandre de Moraes, considerado por ele como principal oponente. O presidente é alvo de duas petições que foram incorporadas aos inquéritos das fake news e das milícias digitais. Há entendimento de que o foro permanecer porque os possíveis crimes são contra a “instituição” Supremo. Isso explica, por exemplo, o fato de o ex-deputado Roberto Jefferson ter sido preso, na semana passada, a mando de Moraes.

Nesses casos, caberá a Moraes decidir se mantém sob sua alçada as denúncias contra o presidente, ou se remete as investigações à primeira instância. Bolsonaro se tornou alvo dos inquéritos após realizar uma transmissão ao vivo na sede do Palácio do Planalto em que disseminou notícias falsas sobre o sistema eleitoral e atacou as urnas eletrônicas.

Além das ações 58 enfrentadas no Supremo, Bolsonaro ainda pode ter mais de 100 atos do seu governo derrubados pelos ministros. Estão pendentes de análise pela Corte processos apresentados por partidos de oposição e associações contra decisões do presidente. Essas acusações não tratam da conduta de Bolsonaro, mas sim de atos por ele praticados no exercício do cargo, o que não gera consequências penais. “Existem ações contra atos exercidos pelo presidente da República, como decretos e medidas provisórias. Isso tudo fica no Supremo. O que baixa (para a primeira instância) são atos personalíssimos de natureza criminal, ou seja, os crimes que ele (Bolsonaro) teria cometido”, explicou o professor Georges Abboud, que dá aulas de direito constitucional e processo civil da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

Abboud pondera que, a depender da gravidade dos atos praticados no exercício da Presidência, Bolsonaro ainda pode sofrer consequências administrativas na Justiça. “Dependendo do desfecho do julgamento de alguns dos atos do presidente, é possível que Bolsonaro seja indiciado por improbidade, o que também é julgado pela primeira instância”, afirmou.

domingo, 30 de outubro de 2022

País fraturado entre ordem legal e fascistoides, não entre Lula e Bolsonaro


Carla Zambelli de arma em punho. Quando o desastre passar, e um dia passa, essa imagem será um dos emblemas destes tempos. Esta senhora fazendo história... Quem diria!? Imagem: https://br.depositphotos.com; Reprodução

Qualquer que seja o resultado da eleição deste domingo, não há caminho fácil para o país. O estrago provocado por Jair Bolsonaro no ambiente político é muito maior do que qualquer um imaginava quando ele venceu há quatro anos. Surpreenderam-se mesmo os que pensavam as piores coisas e fizeram as piores projeções — e sempre estive entre os mais pessimistas.

Temos as eleições mais violentas e eivadas de ilegalidades desde a redemocratização. Bolsonaro não deu o golpe que ambicionou, mas golpeia o país um pouco por dia. Se Lula vencer, tem-se uma nesga de esperança. Se perder, Bolsonaro dobrará a aposta na suposta revolução conservadora, que se traduz, na verdade, num processo de "fascistização" do Brasil.

Inexiste fascismo sem fascistas, mas existem fascistoides sem fascismo. A democracia brasileira está sob ataque desde 1º de janeiro de 2019. E quem lidera esse processo é o presidente da República. Mesmo com a possível vitória de Lula, observe-se que essa disputa se dá sob circunstâncias inéditas. As PECs do ICMS e dos benefícios sociais, é preciso que nos lembremos sempre, afrontam a Constituição e as leis. Mas não seria o Supremo a se levantar contra elas — imagino quantas vezes Bolsonaro não sonhou com isso para ter o pretexto de jogar a população contra o tribunal. O uso despudorado da máquina teve continuidade entre o primeiro e o segundo turnos.

Não se tem notícia, em pleitos anteriores — e isso inclui 2018 —, de movimentos organizados de empresários para intimidar os empregados, ameaçando-os com demissão em caso de derrota de Bolsonaro. Neste ano, são milhares de denúncias. O despudor é tal que alguns preferem a outra face da chantagem, que consiste em oferecer pequenos benefícios caso o presidente se reeleja. A prática viola, claro!, a legislação eleitoral, mas agride, antes de mais nada, a Constituição.

VIOLÊNCIA ARMADA
A violência armada explodiu no Brasil. Em 12 dias, três eventos graves com armas tiveram bolsonaristas no centro da cena. Em Paraisópolis, no dia 17, um homem desarmado foi assassinado pelos seguranças de Tarcísio de Freitas. Estavam com o candidato, entre dois outros, dois agentes da Abin. Um deles pediu que o cinegrafista apagasse imagens, decisão que o candidato defendeu no debate da Globo.

Seis dias depois foi a vez de Roberto Jefferson disparar dezenas de tiros contra policiais federais, atacando-os também com granadas. São gritantes as evidências de que premeditou a pantomima violenta para criar um factoide eleitoral. Neste sábado, na véspera da eleição, a bolsonarista Carla Zambelli correu armada pelas ruas de São Paulo, chegou a disparar um tiro para o alto, como se ouve e como ela mesma admite. Estava no encalço de um eleitor de Lula que a teria ofendido. Em entrevista, disse que desrespeitou, de propósito, deliberação do TSE sobre porte de arma em período eleitoral. Também afirmou que foi empurrada, exibindo um ferimento no joelho. Um vídeo prova que ela tropeçou. O homem que ela perseguia não teve nada com a queda.

Pergunto — e é apenas questão retórica porque já tenho a resposta — se a própria imprensa emprestou a esses episódios a devida gravidade. Notem que os casos acima dizem respeito a bolsonaristas, vamos dizer, "notáveis". O clima de violência e de ameaça está em todo canto. Polícia Rodoviária Federal e Polícia Federal tiveram de ser contidas por despachos de Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes porque anunciaram operações especiais que mal disfarçavam seu caráter intimidatório.

QUAL É A DIVISÃO?
Aqui e ali a gente lê que o país chega "dividido", "fraturado", "rachado" ao dia da eleição. É preciso deixar claro o que se quer dizer com afirmações com esse teor. Qualquer disputa com dois finalistas representa uma divisão, não é mesmo? Não haveria nada de errado ou de particularmente preocupante se dois candidatos tivessem pouco mais, pouco menos de 50% dos votos, caracterizando, então, a tal polarização.

Ocorre que boa parte dessas análises omite o fato de que essa "fratura" não se dá entre Lula e Bolsonaro. Eles são apenas personagens do verdadeiro confronto, travado entre democracia e autoritarismo; entre tolerância e intolerância; entre pluralidade e unitarismo fascistoide. E aqui está o erro de análise essencial que contamina boa parte da imprensa, que acaba normalizando comportamento e valores que agridem as instituições.

Qualquer que seja o resultado, não teremos dias suaves pela frente, isso é verdade. A questão é saber se vamos enfrentá-los respeitando as instituições ou se elas permanecerão sob ataque, até que se consiga mudar a natureza do regime que nos governa. De condescendência em condescendência, chegamos aqui.

Imaginem se fosse um negro a perseguir pelas ruas, com arma em punho, disparando para o alto, a sra. Carla Zambelli. Estaria morto. A exemplo do cadáver — DESARMADO — produzido pelos seguranças de Tarcísio em Paraisópolis.

O VERDADEIRO RACHA
O país está, sim, rachado, mas não entre Lula e Bolsonaro. O confronto se dá entre a lei e o vale-tudo. Setores do jornalismo estão fazendo um esforço danado para não chamar as coisas pelo nome. Preferem fazer como não faz o avestruz: enfiar a cabeça no buraco, fingindo que o diabo não é tão feio como se pinta. A oposição se dá entre democratas e fascistoides, sim. "Ah, então todo eleitor de Bolsonaro é um fascista?" A pergunta é burra, mas respondo: não! Assim como nem todo eleitor de Lula é um democrata exemplar. É preciso ver o conjunto de valores e as praticas das lideranças de um lado e de outro. E se terá resposta.

Se Lula vencer esta eleição, reitero o que já disse em outro texto, será quase um milagre da sua biografia, com o concurso, muito especialmente, dos pobres, dos negros, dos nordestinos e das mulheres, que terão feito a diferença e garantido mais uma chance à democracia. E olhem que ela tem sido menos generosa com eles do que com outros. Talvez intuam que, sem a dita-cuja, tudo pode ser muito pior. E seria.

sábado, 29 de outubro de 2022

Urge abandonar a opção pela mediocridade (Editorial do Estadão)



Já estagnado há dez anos, o Brasil poderá escapar de mais uma década perdida se o presidente eleito, seja quem for, trabalhar para romper os limites do crescimento e renegar o compromisso com a mediocridade. Sem esse esforço, o País estará condenado, segundo a maior parte das projeções, a crescer a uma taxa anual de 2% no médio e no longo prazos. Seu desempenho continuará, como tem sido há muito tempo, bem inferior à média mundial. Mas os principais candidatos à Presidência abstiveram-se, até agora, de explicar com alguma clareza como pretendem retomar o rumo da expansão econômica e da modernização. Sem uma nova estratégia, a economia brasileira seguirá perdendo peso no conjunto global e a pobreza ainda será o destino da maior parte da população.

Incapaz de avançar mais velozmente, o Brasil parece atolado, como boa parte de seus vizinhos, numa “crise de desenvolvimento”, expressão usada pelo secretário executivo da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), José Manuel Salazar-Xirinachs, para descrever as condições da região. Nos últimos anos, houve “notórios retrocessos” nos indicadores de pobreza, saúde, educação e equidade de gênero, ressaltou o dirigente da Cepal. Já ruins, esses indicadores foram agravados pelos efeitos da pandemia e pela piora – incluída a invasão da Ucrânia – das condições internacionais.

Embora mais industrializado que os demais latino-americanos, o Brasil tem exibido resultados econômicos inferiores aos de vários países da região. A América Latina deve fechar este ano com crescimento econômico de 2,7%, segundo estimativa divulgada pela Comissão. Em 2023, no entanto, o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) regional deverá ficar em 1,4%. A taxa calculada para 2022 é parecida com a esperada para o Brasil. No próximo ano, porém, a expansão brasileira dificilmente atingirá 1%, de acordo com a maior parte das projeções do mercado e de instituições multilaterais.

O potencial de crescimento brasileiro, estimado em 2% ao ano, coincide com o do México e isso pode indicar problemas semelhantes, segundo economistas citados no Estadão. Os dois países têm limitações importantes de produtividade e, para vencê-las, dependem de reformas estruturais. Economistas do mercado e investidores pressionaram os candidatos à Presidência do Brasil, nas últimas semanas, para dizerem como pretendem cuidar das contas públicas, administrar os gastos extraordinários previstos para 2023 e evitar uma piora das finanças federais. Mas é preciso discutir mais que isso.

A disciplina fiscal é muito importante, sem dúvida, e ninguém deveria abandonar o teto de gastos sem substituí-lo por algum esquema de segurança. Mas é preciso ir além. O México tem contas públicas em ordem, a relação entre dívida oficial e PIB é baixa (60%) e as contas externas estão seguras. Mas o PIB cresce pouco e, entre 2022 e 2027, sua expansão anual deverá chegar no máximo a 2,1%. As projeções são muito parecidas com as formuladas para o Brasil.

Uma maior expansão dependerá, nos dois países, de maior investimento em máquinas, equipamentos e infraestrutura, mas isso ainda será insuficiente. Além de aumentar a oferta de mão de obra mais preparada, será preciso, nos dois casos, cuidar mais da tecnologia e promover reformas para tornar a atividade mais dinâmica e mais eficiente. No Brasil, tem-se falado muito sobre reformas da administração pública e do sistema tributário. Já se avançou na modernização da lei trabalhista e do sistema previdenciário.

Não basta, no entanto, falar de reformas. É preciso apontar as mudanças necessárias para tornar os impostos e contribuições mais funcionais, mais equitativos e mais compatíveis com a integração global. Especialistas têm apresentado propostas bem elaboradas, mas a discussão política tem sido em geral deficiente. Igualmente pobre tem sido o debate sobre a administração pública. Sem avanço nessas áreas, mesmo com mudanças apenas graduais, as possibilidades de progresso econômico e de mudança social continuarão muito limitadas.

Bolsonaro se irrita e abandona entrevista após insistir em mentira sobre o Complexo do Alemão



O presidente e candidato do PL à reeleição, Jair Bolsonaro, concedeu uma entrevista coletiva de mais de 20 minutos após o debate dessa sexta-feira, 28, nos estúdios Globo. O acordo acertado entre as campanhas era de que cada candidato falaria por até dez minutos, mas Bolsonaro insistiu em falar mais porque disse que estava lá “como presidente, não como candidato”. Ainda assim, irritado, ele abandonou a entrevista após um repórter indagar por que razão ele insistia na “mentira” de que o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, havia se encontrado com uma facção criminosa no Complexo do Alemão.

Bolsonaro apareceu para a entrevista ao lado do ex-juiz Sérgio Moro. Ele discorria sobre uma questão envolvendo a transferência de Marcola, um dos líderes do PCC, quando decidiu associar o caso a uma visita de Lula ao Complexo do Alemão. Na ocasião, o petista usou um boné com as letras “CPX” – que no Rio de Janeiro se referem a “complexo”.

“Um dos programas do PT, que o Lula até não contestou, é voltar a campanha do desarmamento. E eu perguntei pra ele se ele conversou lá com a facção do CPX”, disse Bolsonaro na entrevista.

Na sequência, um repórter lembrou o presidente que quem havia organizado aquela agenda no Complexo do Alemão havia sido Renê Silva, um comunicador conhecido pelo trabalho social junto a favelas cariocas. E indagou por que Bolsonaro “insistia nessa mentira” de que Lula havia se encontrado com traficantes.

O presidente, então, se irritou. ”Você tem moral para me chamar de mentiroso?”, perguntou Bolsonaro. O repórter, então, insistiu que aquela menção a encontro com traficantes era uma mentira. Bolsonaro se retirou logo na sequência.

Transferência de Marcola

Antes de Bolsonaro aparecer para a entrevista, o ex-governador de São Paulo e vice na chapa de Lula, Geraldo Alckmin, apareceu para um pronunciamento de pouco mais de um minuto e meio. Ele pediu que se verificasse um trecho na página 150 do livro escrito por Sérgio Moro.

“Diz o Moro no livro, que escreveu depois que deixou o Ministério (da Justiça e Segurança Público, no início do governo Bolsonaro): ‘...mas a poucos dias da deflagração da Operação Império, fui surpreendido com uma mensagem dele, Bolsonaro, no meu celular, sugerindo o cancelamento das transferências. Bolsonaro disse estar receoso de possíveis retaliações do crime organizado contra a população civil, e temia que se isso acontecesse o governo federal fosse responsabilizado, inclusive com impeachment no Congresso”, relatou Alckmin. A fala do candidato a vice de Lula era em referência a um momento do debate em que Bolsonaro declarou que Lula e Alckmin não quiseram transferir Marcola em 2006.

Na coletiva, Moro pediu a Bolsonaro para falar sobre o caso. “Dois dias antes de quando estava marcada (a transferência), o presidente externou essa preocupação de cancelar a operação. Mas de fato é que não cancelou. E se houve algum receio de fazer essa transferência, foi por dois dias, e o presidente mudou de opinião. Enquanto que o governo do PT e o governo de Geraldo Alckmin se omitiram diante das 50 mortes de policiais e dos atentados terroristas de 2006″, declarou Moro.

Lula vence o debate; no domingo, saberemos se a democracia ganha ou perde


Lula e Bolsonaro em dia de debate na Globo: ex-presidente vence o confronto. O proximo embate será nas urnas, no domingo Imagem: Mauro Pimentel/AFP

Quem levou a melhor no debate? Lula ou Bolsonaro? Lula. Então vamos conversar.

Vencer um confronto como o desta sexta é sinal de que o candidato vai ganhar a disputa? Obviamente não. Tampouco significa que vá melhorar sua performance nas pesquisas. Até porque caberia perguntar: "O que significa, exatamente, 'ganhar'?" Numa eleição de posições tão marcadas como essa, o juízo objetivo é muito difícil.

Os fanaticamente bolsonaristas dizem que seu "Mito" sempre vence e estraçalha, por mais bobagens que diga. Os lulistas podem até ter uma ou outra leitura crítica do seu candidato, mas não dão o braço a torcer porque poderia sugerir uma hesitação no enfrentamento da virulência dos opositores. Exceção feita a um grande escorregão ou a alguma revelação fabulosa, que não costumam acontecer em eventos dessa natureza, debates servem mais para consolidar posições do que para fazer com que pessoas mudem de ideia. É assim para a esmagadora maioria.

Quando o eleitor vê o candidato de sua preferência desafiado e eventualmente acuado pelo adversário, a tendência é que se reforcem os laços de solidariedade, de empatia e de confiança com o escolhido, aumentando a repulsa ao opositor. "Então foi inútil, Reinaldo?" Claro que não! Encontros como o desta sexta podem influenciar os que votaram em outros candidatos no primeiro turno e ainda estão indecisos ou os desgostosos que optaram pelo branco ou nulo no primeiro turno. Não creio que tenham grande interferência nas abstenções.

Há uma nova rodada de pesquisas nesta sexta. Até anteontem, a vantagem de Lula variava entre quatro e seis pontos percentuais. Qualquer movimento num quadro assim, nem preciso me estender a respeito, é importante. Insisto: as mudanças tendem a acontecer nos grupos que não escolheram nem um nem outro. Um eleitor do ex-presidente ou do atual bandear-se agora para o outro lado, quando o confronto está ainda mais duro, convenham, deve ser evento excepcional.

VANTAGEM NA LARGADA
Lula teve mais de 6 milhões de votos de vantagem sobre Bolsonaro no primeiro turno. Em princípio, parece que caberia ao presidente ter um desempenho realmente excepcional, especialmente porque sua campanha vem de algumas jornadas não muito felizes, não é?, com o episódio Roberto Jefferson e a armação desmoralizada das inserções nas rádios. Ele foi esse debatedor especialmente habilidoso? A resposta é "não".

Objetivamente, Lula saiu-se muito melhor. Como definiu um amigo, "deu um couro" em Bolsonaro, que se saiu pior em todos os blocos. O petista conhece a gestão e administração muito mais do que seu opositor. Também tem uma cabeça mais organizada. Goste-se ou não de suas teses, seu pensamento é orgânico, estruturado. Bolsonaro tem o que defino como "método cebola de argumentar": vai falando por camadas. À diferença da cebola, no entanto, a segunda nem sempre guarda parentesco com a primeira e pouco tem a ver com a terceira. Querem saber? Debater com ele — e eu gosto desta metáfora — e como jogar xadrez com um pombo. O bicho derruba as peças e ainda faz cocô no tabuleiro. Se não tomar cuidado, solta caca na sua cabeça.

DEBATE NÃO É CHAMADA ORAL
Não vou entrar aqui em minudências de dados porque debate não é chamada oral para saber quem acerta números no detalhe. Esse tipo de encontro tem natureza política. Logo, é preciso saber quem conseguiu pautar o outro. Lula sempre foi um bom debatedor e um excelente entrevistado. Nesse segundo caso, esteve à altura de sua história nessa campanha em todas as oportunidades.

O debatedor Lula, no entanto, ainda estava a dever uma boa performance justamente porque o "pombo" não ajuda a fazer um bom jogo. Nesta sexta, no entanto, o petista teve um desempenho de gala, à altura de sua reconhecida habilidade. Saiu-se melhor em todos os blocos. Explico. Bolsonaro não conseguiu fugir da questão do salário mínimo, por exemplo. Fez a promessa dos R$ 1.400, mas é irrespondível — e também ele não respondeu — que não houve reajuste real no seu governo.

Lula acertou na tática. Quando alvo de ofensas morais, deu o troco. Respondeu às acusações sobre petrolão com os 51 imóveis pagos, em parte, com dinheiro vivo. Chumbo trocado. O petista soube explorar as falhas do governo. Em boa parte do tempo, ignorou o adversário, quando não o obrigou a ser relatorial, com seus papéis amassados nas mãos. O presidente quebrou a cara no caso da Covid mais uma vez. Enrolou-se até na questão do Viagra e tentou ser engraçadinho, indagando se Lula toma o remédio. Depois de passar quatro anos se comportando como fiscal do "c..." alheio, vê-se que se dispõe a ser também fiscal da "r..." alheia. Recomendo um psicanalista. Ficou de tal sorte desorientado que, no minuto e meio final, pediu um outro mandato de "deputado federal". Não mereceria nem isso.

Volto ao início. Se vencer debate fosse sinônimo de vencer eleição, a vantagem de Lula seria de uns 70% a 30%, a exemplo, note-se, do embate de Fernando Haddad (brilhante!) contra Tarcísio de Freitas na noite anterior. Há uma explicação adicional nos dois casos. Tarcísio tentou ser um bolsonarista vegetariano, não sanguinolento. Até o Jair buscou ser mais manso. Ocorre que só existe bolsonarismo carnívoro, mas à moda das hienas, que roubam a caça alheia. Tarcísio e seu chefe conseguiram ser, no máximo herbívoros.

"Ah, mas nem Lula nem Bolsonaro apresentaram propostas..." Divirjo um tanto da maioria dos colegas. Propostas, se apresentadas, o são no curso da campanha. Debate não é para isso. Serve ao confronto de visões de mundo. E aí Lula marcou um tento adicional aos se colocar como o candidato dos valores democráticos. E é.

O petista ganhou o debate com folga. Se vence também a eleição, veremos no domingo. A sorte da democracia também está em jogo. Ou vence a mais importante batalha desde a redemocratização ou vai para o paredão.

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Defesa de delegado que investiga Milton Ribeiro e Bolsonaro diz à Justiça que PF tenta afastá-lo do caso



A defesa do delegado da Polícia Federal Bruno Calandrini pediu à Justiça Federal de Brasília o trancamento do inquérito aberto pela Corregedoria do órgão contra o policial. O objeto da investigação são supostos atos de abuso de autoridade. Os advogados argumentam que a apuração foi aberta pela PF com o objetivo de, ao final, afastá-lo da investigação sobre um esquema de corrupção na gestão do ex-ministro da Educação Milton Ribeiro e que também atinge Bolsonaro.

O inquérito foi instaurado pela Corregedoria depois que Calandrini indiciou integrantes da cúpula da PF sob acusação de interferência no cumprimento da prisão de Ribeiro, em junho. A ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia, relatora do caso, determinou que essa parte da investigação tramite na primeira instância.

Depois dessa decisão, a Corregedoria retirou esse inquérito das mãos de Calandrini e vai refazer a investigação com o objetivo de apurar se havia provas para o indiciamento dos delegados ou se Calandrini cometeu atos de abuso de autoridade por não ter dado cópia dos autos aos investigados. A defesa de Calandrini afirma no habeas corpus que as cópias foram concedidas.

O pedido de trancamento do inquérito apresentado nesta quinta-feira em relação a Calandrini sustenta que não há elementos mínimos para investigá-lo por abuso de autoridade. A defesa diz que “o que parece existir é um interesse em afastar o paciente (Calandrini) das investigações e desmoralizar os atos investigatórios até então conduzidos".

"A esdrúxula situação conduziria à interpretação de que o expediente adotado foi direcionado ao afastamento do paciente da coordenação daquelas investigações, bem como sua intimidação e retaliação pelo cumprimento de seu dever, tudo a materializar indevida interferência nas investigações em curso”, dizem os advogados no documento.

O caso foi distribuído por prevenção à 15ª Vara Federal de Brasília, mesmo juízo que decretou em junho a prisão de Milton Ribeiro. Procurado, Calandrini disse que não iria se manifestar porque os fatos estão sob segredo de Justiça.

Também procurados, os advogados André Hespanhol e Ciro Chagas, que representam o delegado, confirmaram a apresentação do habeas corpus e afirmaram que tomaram a medida "para impedir a criminalização ilegal do delegado e garantir que seu dever de atuação não esteja sujeito a retaliações pelo eventual desagrado de autoridades que, como qualquer cidadão, estão sujeitas às leis do país".

Bolsonaro precisa de goleada no debate da Globo, Lula joga pelo zero a zero



Tomados pela nova rodada do Datafolha, Lula (49%) e Bolsonaro (44%) chegam ao debate da Rede Globo, na noite desta sexta-feira, em condições bem distintas. Com cinco pontos de desvantagem, um a mais em relação à pesquisa da semana passada, Bolsonaro precisa derrotar o adversário de goleada. Lula, ao contrário, pode administrar a vantagem. Joga pelo zero a zero.

Com 92% dos eleitores dizendo ter certeza do voto, a hipótese de petistas e bolsonaristas virarem a casaca a 48 horas da eleição é tão improvável quanto a chance de um corintiano sentar praça torcida organizada Mancha Verde. Ou de um palmeirense ingressar na Gaviões Fiel. Na prática Lula e Bolsonaro disputam o voto dos 7% de eleitores que admitem mudar de opção até domingo.

Em desvantagem, Bolsonaro precisaria atrair para o seu lado praticamente todo o contingente de eleitores voláteis. Algo bastante improvável. O Datafolha verificou que os eleitores gelatinosos tendem a se dispersar. Nesse nicho, apenas 21% flertam com Bolsonaro. Outros 15% pendem para Lula. A grossa maioria, 59%, cogita engrossar as estatísticas do voto nulo ou branco. E uma minoria de 5% declara não ter a mais remota ideia de como irá proceder.

Lula chega ao debate com a campanha mais aprumada do que a de Bolsonaro. Na segunda-feira, em encontro suprapartidário no teatro da PUC, em São Paulo, prometeu que, se eleito, não fará "um governo do PT". Acenou com uma gestão que vá "além do PT". Nesta quinta, Lula começou a trocar o cheque em branco por promissórias, colocando sobre a mesa uma plataforma com 13 pontos.

Bolsonaro reduziu a perspectiva de virar votos ao expor seus pendores para virar a mesa. Para se esquivar dos planos radioativos de Paulo Guedes e das granadas do aliado Roberto Jefferson, jogou no ventilador um complô imaginário do PT com o TSE e emissoras de rádio para sumir com inserções da sua publicidade eleitoral. Ao deflagrar antecipadamente o terceiro turno, passou a impressão de ter desistido do eleitor.

Projeção em NY dá 'adeus' a Bolsonaro em sete idiomas a três dias de eleição


Projeção em NY às vésperas das eleições presidenciais no Brasil dá 'adeus' a Bolsonaro - Divulgação

Bye. Adiós. Adeus. Uma projeção de 76 metros de altura no centro de Manhattan, em Nova York, estampou na madrugada desta quinta-feira (27) imagens do presidente Jair Bolsonaro (PL) intercaladas pela palavra "adeus" em sete línguas diferentes.

A intervenção urbana, realizada a três dias do segundo turno da eleição brasileira, é obra de ativistas brasileiros e americanos que preferem se manter anônimos por receio de retaliações e de riscos à integridade física de integrantes do grupo. As imagens foram projetadas na empena cega do hotel Hilton.

Além dos "adeus" a Bolsonaro, as projeções fizeram outras críticas ao presidente e a seus filhos políticos. Uma delas mostra fotos de Flávio, Carlos e Eduardo Bolsonaro ao lado da expressão "crime family" —família criminosa, em tradução livre.

Os três são alvos de suspeitas que incluem desvio de recursos públicos, contratação de funcionários fantasmas, compra de imóveis com pagamento em dinheiro vivo e envolvimento na organização de manifestações antidemocráticas. Eles negam irregularidades.

Ainda foi usada uma imagem do ex-policial militar Ronnie Lessa, acusado de ser o autor dos disparos que mataram a vereadora carioca Marielle Franco em 2018, morador do mesmo condomínio em que Bolsonaro tem casa na Barra da Tijuca.

O ex-PM Adriano Magalhães da Nóbrega, acusado de chefiar um grupo de matadores de aluguel pertencentes a uma milícia de Rio das Pedras, no Rio, também aparece entre as imagens, em uma montagem que diz: "Dinheiro vivo, gente morta".

Nóbrega teve uma irmã e a ex-mulher empregadas como funcionárias do gabinete de Flávio Bolsonaro quando deputado estadual, apontado como reduto de funcionários fantasmas. Ele também foi homenageado pelo filho do atual presidente. Foragido, Nóbrega foi morto durante um cerco à casa em que se escondia, na Bahia, em fevereiro de 2020.

A expressão "dinheiro vivo" ainda faz referência a reportagem do UOL que apontou o uso de recursos em espécie por Bolsonaro e seus familiares na compra de imóveis. O presidente nega irregularidades e disse, dias depois da publicação do texto, não ver problemas na prática, apontada por especialistas como meio para lavagem de dinheiro.

Em nota, os ativistas responsáveis pela projeção em Nova York informam que, às vésperas das eleições, querem chamar a atenção do mundo e dos brasileiros para as alegadas relações da família Bolsonaro com as milícias fluminenses, nas figuras de Lessa e Nóbrega.

Para o grupo, o mundo já reconhece Bolsonaro "por sua desastrosa condução da pandemia, por seu 'laissez-faire' em relação a crimes ambientais e por suas posições antidemocráticas, mas pouco se sabe ainda sobre sua proximidade com o crime organizado".

Intervenções semelhantes com críticas ao presidente já haviam sido feitas em Nova York quando o político viajou à cidade para participar da Assembleia-Geral da ONU, no mês passado e em setembro de 2021.

Viciado em guedismo, Uzmercáduz não gostou da carta de Lula? Ah, tem cura!


Ministro Paulo Guedes, da Economia, não se deu conta de que o bolsonarismo è droga sintética pesada. O sujeito pode entrar numa viagem e não sair dela nunca mais Imagem: Adriano Machado/Reuters; Reprodução

Li aqui e ali que o tal Uzmercáduz, um senhor que costuma ter certo nojo dos pobres, não gostou muito da "Carta para o Brasil do Amanhã", divulgada por Lula nesta quinta. No texto, o candidato petista alinha 13 diretrizes para o seu futuro governo e reafirma seu compromisso com a responsabilidade fiscal. Explicitamente:

"Já governamos este país. Com responsabilidade fiscal, reduzimos a dívida pública, controlamos a inflação e acumulamos um expressivo volume de reservas cambiais que até hoje são fundamentais para a estabilidade da economia. Essas condições foram essenciais para o Brasil crescer o dobro da média internacional em nosso governo e enfrentar a maior crise financeira mundial da história recente.
A política fiscal responsável deve seguir regras claras e realistas, com compromissos plurianuais, compatíveis com o enfrentamento da emergência social que vivemos e com a necessidade de reativar o investimento público e privado para arrancar o país da estagnação. O sistema tributário não deve colocar o investimento, a produção e a exportação industrial em situação desfavorável, nem deve penalizar trabalhadores, consumidores e camadas de mais baixa renda. É possível combinar responsabilidade fiscal, responsabilidade social e desenvolvimento sustentável -- e é isso que vamos fazer, seguindo as tendências das principais economias do mundo"

O Sr. Uzmercáduz não gostou, é? Então que saia do off e das fofocas do Zap e exiba uma de suas múltiplas caras para dizer o que há de errado no trecho acima.

"Ah, Reinaldo, é que essas palavras são genéricas demais!"

É mesmo? E quais são específicas? As de Jair Bolsonaro e Paulo Guedes? Por acaso, no começo deste ano, alguém tinha em mente que a dupla imporia, pela via do golpe legislativo, as PECs do ICMS e dos benefícios, ambas escancaradamente ilegais? A propósito: são, vamos dizer assim, a Pietà e o Moisés da responsabilidade fiscal?

Só um presidente elevou o Brasil à condição de grau de investimento. Chama-se Luiz Inácio Lula da Silva. Tratar o ex-presidente e ora candidato como se fosse uma esfinge a ser decifrada é fruto da má-fé e da pestilência bolsonarista que toma também esses setores. Esse delírio um dia passa. O que mais me incomoda nesse tipo de conversa é o pressuposto, absolutamente falso, de que o governo que aí está é um exemplo de ortodoxia.

SENTIDO DA CARTA
Se o sr. Uzmercáduz não gostou da carta, conviria que explicasse: não gostou por quê? O texto é um compromisso com a democracia, razão por que alguns dos economistas que fizeram história do país -- e não prosélitos de redes sociais -- declararam voto em Lula. Ela não veio à luz para sossegar os radicais da própria convicção. Trata-se de um documento contra a barbárie em curso.

O texto é publicado, note-se, no mesmo dia em que um vídeo no "New York Times" afirma que as eleições no Brasil têm importância para o planeta, não apenas, e isto digo eu, para rapazes pós-espinhas das mesas de operação. O vídeo aponta que 98% dos crimes ambientais no país deixaram de ser investigados porque o governo destruiu os meios para fazê-lo e considera que alguns produtores rurais apoiam o atual presidente porque ele é conivente com o desmatamento.

O agronegócio brasileiro passou a ser o que é hoje nos governos petistas, e isso é apenas um fato. Somou sucessivos recordes de produção e de exportação — o que garantiu o estoque de reservas — à fama justificada de quem buscava o caminho ambientalmente correto. Já no primeiro ano de governo Bolsonaro, os alarmes começaram a soar mundo afora. O agronegócio brasileiro está hoje na mira. A ideia de que o mundo precisa da nossa comida e vai tolerar qualquer estupidez que se faça por aqui é falsa.

Leio no documento:
"O Brasil é um dos mais importantes produtores e exportadores de alimentos do mundo. Para garantir e ampliar essa vantagem competitiva do país, vamos compatibilizar a produção com a preservação de recursos naturais, porque isso é necessário num mundo que enfrenta a crise climática e exige cada vez mais o consumo de alimentos saudáveis. Investiremos fortemente na Embrapa e no financiamento ao agronegócio, aos pequenos e médios produtores e à agricultura familiar e aos assentamentos. Para aumentar a produção sem desmatamento, implantaremos o Plano de Recuperação de Pastagens Degradadas, que somam cerca de 30 milhões de hectares. As taxas de juros serão reduzidas no Plano Safra, no Pronamp e no Pronaf para produtores comprometidos com critérios ambientais e sociais. Vamos reconstruir a Conab e estabelecer uma política de preços mínimos para estabilizar os preços dos alimentos e garantir comida na mesa das famílias. Vamos fortalecer o cooperativismo e a assistência técnica aos pequenos e médios produtores."

Como? Isso é velho e já foi feito? Em grande parte, foi mesmo. Era o tempo em que não havia 33 milhões de pessoas passando fome no Brasil. De todo modo, não sendo esse o caminho, então há de ser algum. Todos estamos interessados em saber o que sr. Uzmercáduz oferece como alternativa. Há, eu sei, o caminho da doação das sobras de restaurantes e a desindexação do salário mínimo, com que o Paulo Guedes tentou, diga-se, agradar a esse tal aí, criando dificuldades para seu chefe.

A propósito: qual é o plano de governo de Bolsonaro?

O JEITO GUEDES
Por falar nele, Guedes anda inquieto. Acha que ninguém vai perceber ser ele o Michelangelo da economia. Nesta quinta, falou na Associação Comercial de São Paulo. Concedeu depois uma entrevista coletiva em que disparou mais uma de suas generalizações de boteco -- de boteco chique, claro! --, expressando-se com aquela impaciência que os gênios às vezes têm quando dialogam com os simples de espírito. E, sem querer, acabou admitindo que Bolsonaro rouba. Reproduzo:
"Eu, se fosse o Bolsonaro, diria 'tudo que o Lula fizer, eu faço mais, porque nós roubamos menos. Nós não roubamos. Não é isso? Quem rouba não consegue pagar muito. Se você paga um salário mínimo de R$ 1.200, eu pago R$ 1.400. Se você paga R$ 1.400, eu pago R$ 1.500".

Eis o seu plano de governo.

O ministro, que fica furioso com notícias -- como os estudos de sua pasta para desindexar o mínimo e para pôr fim à dedução de gastos com saúde no Imposto de Renda --, resolveu espalhar "fake news" na palestra na Associação Comercial. Inventou que o PT usará o Pix para taxar os pobres. Disse:
"Os economistas do Lula dizem 'o pessoal precisa contribuir para a Previdência. Nós vamos cobrar deles uma contribuição para a Previdência'. Por que não vai perguntar para os economistas do Lula: 'É verdade que vocês vão tomar dinheiro da pessoa que ganha menos que o salário mínimo? Com o Pix é fácil. Alguém vai pagar, alguém vai receber. E aí você pode tributar no Pix os encargos trabalhistas. A cobrança poderia atingir 40 milhões de brasileiros. Eles fugiram para a informalidade, agora você vai persegui-los através do Pix?"

Guedes está mentindo. Essa proposta não existe. Considerando, no entanto, a desenvoltura com que fala dela, é possível que a ideia tenha rondado a sua mente sempre buliçosa.

O bolsonarismo é droga sintética pesada, que a natureza não faz sozinha. É perigosa. Inexiste dose segura. Uma vez consumida, o cara fica doidão. Entra numa viagem e não sai nunca mais.

E, como era de se esperar, anteviu o desastre se Lula vencer porque, disse, as espetaculares políticas deste governo seriam descontinuadas. Aquele cara, Uzmercáduz, deve gostar do Plano de Governo de Guedes, que consiste em sair por aí a demonizar o Lula e a fazer tábula rasa de todas as conquistas do país, inclusive o Plano Real. A história do Brasil se divide em a.G. e d.G: "antes de Guedes" e "depois de Guedes". Huuummm... Faz sentido. Nunca se viu tanta arrogância sem lastro. Aposto que se olha no espelho e vê o "Colosso de Rhodes".

CONCLUO
O sr. Uzmercáduz não gostou do texto? É que andou flertando muito, nos últimos quatro anos, com um ogro candidato a autocrata. Espero que a maioria dos eleitores o force a conviver, de novo, com a democracia.

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Igreja do Rio tem de fechar as portas após receber ameaças de bolsonaristas


há 5 horas

Em carta, fiéis de paróquia na Zona Oeste do Rio fazem denúncias contra apoiadores de Bolsonaro

A igreja Nossa Senhora do Desterro, de Campo Grande, zona oeste do Rio, está sofrendo ameaças de apoiadores do presidente Jair Bolsonaro (PL). 

As tentativas de intimidação começaram depois que o padre responsável pelo templo não concordou em ceder o espaço da igreja para um comício da campanha de Bolsonaro que aconteceu no local nesta quinta-feira, 27. 

Em carta aberta enviada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os fiéis relatam que militantes bolsonaristas retiraram as grades em torno da igreja e até cortaram árvores sem autorização. “Ações como essas, que associam a Igreja Matriz a determinados políticos ou partidos, além de serem infundadas, são contrárias à nossa fé”, diz o texto. 

Por fim, os padres pedem providências por parte do TSE, e solicitam retratação pública: “Solicitamos providências contra a candidatura do Sr. Jair Messias Bolsonaro, que, por meio de comício eleitoral, tornou hostil a Praça pública, que é o único acesso físico à Igreja Matriz, impedindo assim a realização segura das atividades litúrgicas e demais obras sociais que são cotidianamente realizadas em nossa Comunidade Eclesial”.

A frente ampla foi o maior fenômeno de outubro de 2022


O Brasil precisa de paz e de respeito às minorias para ter ordem e progresso

Como foi bom para o Brasil ter segundo turno

Durou uma eternidade. Foram quatro semanas no calendário oficial. Mas, na folhinha emocional, cada dia trouxe uma alegria ou, nas palavras de Cármen Lúcia, uma agrura. Entre o primeiro e o segundo turnos da eleição mais importante desde a redemocratização, o país amadureceu, sim. A expressão de voto se tornou mais convicta para muitos. Mais reveladora do país que cada um quer para si, para os filhos e netos.

Mais claras se tornaram, no segundo turno, as plataformas de cada um. Pelos apoios que conseguiram atrair – ou não. Pelas concessões que estiveram dispostos a fazer – ou não. Pelo descarrilamento da economia, já, agora, após a gastança bilionária para comprar a consciência dos eleitores. Pelas mulheres mais visíveis que cerraram fileiras em torno de um. E de outro. Do lado de Lula, Simone Tebet e Marina Silva. Do lado de Bolsonaro, Michelle e Damares Alves. O Brasil continua dividido sim, mas sabe melhor agora em quem está votando.

O nojento pintou-um-clima com as meninas venezuelanas, que o presidente motoqueiro confundiu como prostitutas por estarem se arrumando pela manhã. A asquerosa denúncia sem provas de Damares, a delirante, sobre tráfico sexual de crianças. É incrível como o sexo ocupa as mentes distorcidas de Bolsonaro e Damares. Nada disso interessa às meninas, moças e mulheres que querem estudar, trabalhar, ganhar o mesmo que homens, querem se vestir como bem entenderem, não morrer assassinadas por terminar uma relação.

Simone Tebet foi a revelação do segundo turno. Articulada, apaixonada, patriota. Suas falas nos palanques em prol do Brasil. Ela veio para ficar. Marina deu o tom da nova amizade: “Prestem atenção! Duas mulheres, uma da Amazônia, outra do Mato Grosso. Uma mulher católica, uma evangélica. Uma mulher branca, uma preta. Isso não nos separa, isso nos une, e é o Brasil unido que nós queremos ver”.

Todos enxergamos, com mais nitidez, quem vota em Lula e quem vota em Bolsonaro e quais são suas prioridades na vida. Eleitores entenderam, enfim, quem pagará a conta dos auxílios e subsídios oportunistas de última hora. Foi Paulo Guedes quem revelou. É o salário mínimo. São as aposentadorias. Nada de reajuste pela inflação. Conseguimos até saber, pela campanha bolsonarista, que estão ameaçadas as deduções no imposto de renda sobre gastos com ensino e saúde.

O segundo turno revelou a cara do terror de extrema-direita. Vimos aonde pode nos levar o despejo de armas pesadas entre civis. Bolsonaro não criticou a resistência de Roberto Jefferson a um mandado judicial de prisão. Bolsonaro não condenou o desrespeito de seu aliado às condições de prisão domiciliar: não entrar em redes sociais nem dar entrevistas. Bolsonaro só repudiou as ofensas de Jefferson – “vagabunda e bruxa” – depois que ele feriu policiais federais com fuzil e granadas. Não o comoveu a ministra ser alvo. Mas os policiais, sim.

Queremos este Brasil grosseiro? Caos, assassinatos políticos, brigas até em igrejas? É insustentável esse sobressalto até aos domingos e em festas religiosas. No segundo turno, Lula passou a vestir branco. De paz. Isso não significa que não haja petistas radicais, extremistas e intolerantes. Isso quer dizer que o candidato não deseja ser identificado com eles. E promete uma presidência para muito além de seu partido.

Quem está cheio de ódio e bala na agulha pode não acreditar. Mas a frente ampla que se formou, passando por cima de divergências, acredita. Foi quase um movimento espontâneo, de artistas, intelectuais, religiosos, economistas, empresários de vários cantos do espectro político. Que se uniram para declarar voto num único candidato. Esse foi o maior fenômeno de outubro de 2022. Inesperado. A maior frente ampla desde Tancredo Neves.

Como diz um texto do escritor e roteirista Antonio Prata, lido pela atriz Júlia Lemmertz em vídeo que você pode conferir aqui, ao fim de minha coluna. “Quem já imaginou João Amoedo e Mano Brown declarando voto no mesmo candidato? Esse bando de gente se uniu justamente pra garantir o direito de continuar discordando. Nos unimos por sermos conservadores. Queríamos conservar a Amazônia. Conservar o SUS. Queríamos conservar as instituições e o estado de direito”. Como foi bom esperar o segundo turno.