sábado, 22 de outubro de 2022

Assédio eleitoral: volume de denúncias neste ano já é cinco vezes superior ao de 2018



"Pense em garantir seu emprego para 2023”. Frases como esta têm sido usadas por empregadores para coagir funcionários a votarem em seus candidatos à Presidência. Desde o fim do primeiro turno, casos de assédio eleitoral têm aumentado em tempo recorde, gerando uma série de denúncias ao Ministério Público do Trabalho (MPT).

O número de ocorrências em 2022 já equivale a mais de cinco vezes o total na última eleição: até a sexta-feira, o MPT recebeu 1.155 denúncias, ante 212 em 2018.

Segundo maior colégio eleitoral do país e palco de disputa entre os presidenciáveis, Minas Gerais é o estado que concentra o maior número de denúncias: 301 casos sob conhecimento do MPT. No interior do estado, em Passos, três empresários que presidem associações do comércio foram alvo de decisão liminar da Justiça do Trabalho.

Isso ocorreu após a divulgação de vídeo no qual orientam colegas e associados a coagirem funcionários a votar em Jair Bolsonaro. A Justiça determinou que eles removam o conteúdo de todas as mídias e façam “retratação cabal” do conteúdo.

“Nós, empresários, temos que conscientizar nossos funcionários a votar no Bolsonaro. Você que é nosso colaborador pense nisso, pense em garantir seu emprego para 2023”, afirmou Gilson Madureira, presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Passos (Sindpass), na publicação.
2 de 2 Denúncias de assédio eleitoral — Foto: Criação O Globo

No fim do vídeo, Madureira; Renato Mohallen, presidente da Associação Comercial e Industrial de Passos (Acip); e Frank Lemos, presidente do Clube dos Dirigentes e Lojistas de Passos; fazem coro:

“Deus, Pátria, Família e Liberdade! Bolsonaro, 22! Dia 30 de outubro”.

Ameaça de parar de investir

Na ação movida pelo MPT, o órgão argumenta que, além de coagir os funcionários, os comerciantes usam da posição que ocupam nas associações para influenciar outros empresários a fazerem o mesmo.

A Justiça proibiu os empresários de utilizarem a estrutura das associações em favor de algum candidato, sob multa de R$30 mil a R$ 1 milhão caso as ordens sejam descumpridas.

Há muitos casos no agronegócio. Em uma das denúncias, o grupo Soberano Agronegócios assinou Termo de Ajuste de Conduta (TAC) com o MPT no Tocantins após divulgar comunicado ameaçando encerrar investimentos no estado caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vença.

A empresa se comprometeu a divulgar comunicado afirmando que os funcionários são livres para escolher candidatos e que é proibido influenciar o voto de empregados. A empresa terá de fazer reuniões informando sobre o tema.

“Por receio de novamente ser denunciados ao MPT, ter represálias e ser perseguidos politicamente — parecendo não estar vivendo em um país democrático, mesmo respeitando as leis — , neste caso em se considerando assédio eleitoral, o que nunca foi, o Grupo Soberano Agronegócios decide não se manifestar a respeito e apenas dizer que já foi assinado um TAC para com o MPT”, afirmou o sócio da empresa Rafael Toldo, em nota.

Até o momento, entre as 1.155 denúncias de assédio eleitoral, o MPT celebrou 34 TACs. A punição para quem o comete pode variar de multa, no âmbito da legislação trabalhista, a prisão de até quatro anos, em casos onde a prática é considerada crime eleitoral.

As centrais sindicais criam canais para receber denúncias e já recolheram 166. O tema preocupou a campanha petista, que se reuniu com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, na segunda-feira, e abordou o tema.

— O que a gente pode fazer é dar publicidade, mostrar que o assédio eleitoral é ilegal, que o voto é pessoal e não pode ser influenciado — afirmou Miguel Torres, presidente da Força Sindical.

A procuradoria do Trabalho no DF e no Tocantins apura áudio que relata assédio eleitoral no supermercado Atacadão Dia a Dia, em Sobradinho (DF). Segundo a denúncia, gerentes ofereciam camisetas de Bolsonaro com “uma nota de R$ 100 dentro”.

O áudio diz que “pra todo mundo que eles deram a camisa tinha dinheiro, e ainda pra quem adesivar o carro eles dão 150 conto”.

Um grupo de senhoras de Quirinópolis, no interior de Goiás, com 51,3 mil habitantes, criou no WhatsApp o grupo “Mulheres 22” para coagir domésticas e comerciantes a votar em Bolsonaro. Nele, elas falam em demissão e defendem a exibição de vídeos com fake news sobre satanismo e aborto para evitar o voto em Lula.

As mulheres estão sendo ouvidas pelo MPT, e algumas já fecharam TAC. Os depoimentos seguirão semana que vem.

Segundo depoimentos, uma das integrantes, a dona do restaurante Casa Grande, Michele Rieger, teria realizado reunião para forçar funcionários a votarem em Bolsonaro, sob o argumento de que se Lula ganhar, o estabelecimento seria fechado.

Nos prints repassados ao MPT, integrantes do grupo criticam o Nordeste pelo voto em Lula e chegam a sugerir jogar “Furadan”, um inseticida, nas águas do Rio São Francisco. O GLOBO entrou em contato com Rieger, que disse que não poderia falar. Outras cinco mulheres do grupo se recusaram a comentar.

Patrícia Sant’Anna, juíza do trabalho e diretora na Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), defende punições mais rigorosas para assédio eleitoral. Segundo ela, a punição máxima a empresas é de indenização individual ou coletiva, no âmbito da legislação trabalhista:

— Os casos estão aumentando muito. É preciso uma legislação que coíba de forma mais firme e clara esses atos. Pode haver a falsa ideia de que isso não tem consequências, e não é essa a realidade.

Maíra Rechia, presidente da Comissão de Observatório Eleitoral da OAB/SP, explicou que essa prática é analisada em pelo menos três esferas de responsabilidade: a criminal, que prevê pena de até quatro anos de reclusão; na trabalhista, que pode resultar em multa coletiva e indenização individual; e na eleitoral, com a cassação do registro ou do diploma do candidato beneficiado, além da declaração de inelegibilidade por oito anos.

Em 2018, ameaças e camisetas

Os casos mais emblemáticos de denúncias de assédio eleitoral em 2018 ocorreram com a Havan e a Komeco, em Santa Catarina, e Condor, no Paraná.

Rede de lojas do empresário bolsonarista Luciano Hang, a Havan informou que foi absolvida da ação. Porém, segundo fontes jurídicas a par do assunto,o caso continua tramitando na Justiça. O Tribunal Regional do Trabalho de Santa Catarina confirmou que existe audiência marcada com a empresa para abril do ano que vem.

O processo envolvendo a Komeco foi julgado improcedente pelo TSE, informou a área jurídica da empresa, que atua no ramo de ar-condicionado e energia solar.

O caso envolvendo a rede de supermercados Condor foi arquivado. O arquivamento nos dois episódios foi confirmado pelo TSE. O dono da Havan é suspeito de declarar que não abriria lojas, e até demitiria milhares de funcionários, se seu candidato não fosse eleito.

O mesmo teria ocorrido com Condor e Komeco — esta última, segundo denúncia, orientava empregados a usarem broches e camisetas em apoio a um candidato.

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