terça-feira, 28 de fevereiro de 2023

Único projeto de Juscelino Filho em 2022 como deputado foi o Dia do Cavalo


Ministro de Lula enaltece a importância do animal. Juscelino é criador de cavalos, mas omite o patrimônio à justiça eleitoral

O ministro das Comunicações Juscelino Filho (União Brasil) já propôs a criação do dia nacional do cavalo à Câmara dos Deputados. O projeto de lei, único apresentado por ele à Câmara em 2022, justifica o papel histórico do cavalo na humanidade e nos tempos modernos para a criação da data em homenagem. Como mostrou o Estadão, Juscelino Filho omitiu um patrimônio de ao menos R$ 2,2 milhões em cavalos da raça.

A Transparência Internacional usou sua rede social para cobrar do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva uma explicação sobre a informação revelada pelo jornal. “É inexplicável o silêncio do governo Lula e do União Brasil, até agora, sobre as revelações feitas pelo @Estadao sobre gravíssimos indícios de crimes atribuídos ao ministro das Comunicações”, publicou a organização não-governamental que fiscaliza a transparência governamental.

Em declaração à Corte Eleitoral antes das disputas do ano passado, o ministro informou um patrimônio de R$ 4,457 milhões, com fazendas, carros, 50% de uma aeronave, um apartamento e o terreno onde está instalado o haras. A declaração de Juscelino ao TSE não incluiu animais.

Como mostrou o Estadão, Juscelino alegou compromisso “urgente” à FAB para pedir um avião oficial para passar quatro dias em São Paulo. Neste período, gastou apenas 2h30 em compromissos oficiais. No resto do tempo, esteve em leilões de cavalos. O ministro inaugurou uma praça em homenagem a um cavalo de seu sócio, onde se apresentou como “integrante da equipe do presidente da República”.

Entre um dos argumentos para defender a criação do Dia do Cavalo, o então deputado sustentou que a equinocultura brasileira movimenta R$ 16,5 bilhões. A proposta não avançou.

Amante dos equinos, o próprio Juscelino define como uma de suas paixões. “Quem me conhece sabe o quando me sinto à vontade em cima de um cavalo...uma das minhas paixões”, escreveu, em 2018, após celebrar uma cavalgada de campanha no Maranhão.

O ministro Juscelino Filho é apreciador de cavalos e, como ministro, usou avião da FAB para ir a eventos equestres em São Paulo Foto: Reprodução

O Estadão também revelou que o ministro recebeu no gabinete o sócio oculto de uma empresa beneficiada por ele com verbas públicas e seu consultor para compra de cavalos. Pouco antes de virar ministro de Lula, como deputado, Juscelino enviou dinheiro do orçamento secreto para asfaltar a estrada que passa em frente à sua fazenda e sua pista de pouso particular quando a maioria dos moradores da cidade de Vitorino Freire (MA), onde estão suas terras, sofrem com ruas de terra.

O Brasil não está sob ditadura judicial



O bolsonarismo despreza os direitos humanos, é contrário à figura do juiz de garantias, propõe eliminar a audiência de custódia e defende a impunidade para crimes praticados por policiais no exercício da profissão. Ao longo dos últimos anos, tem sido o grande catalisador das principais ideias equivocadas sobre o sistema de Justiça. No entanto, quando seus aliados estão envolvidos em problemas com a Justiça, a equação se inverte. O devido processo legal e a imparcialidade do juiz tornam-se prioridades. Existentes desde os inquéritos das manifestações antidemocráticas, as críticas bolsonaristas contra o Supremo Tribunal Federal (STF) subiram de patamar depois do 8 de Janeiro. Teria sido instaurada, nada menos, que uma “ditadura judicial” no País.

“No Brasil, temos presos políticos. Mais do que na Venezuela, na Bolívia e no tempo do regime militar”, discursou, sem corar, a deputada Bia Kicis (PL-DF). O deputado Carlos Jordy (PL-RJ) chamou as prisões das pessoas envolvidas na invasão e depredação das sedes dos Três Poderes de “lulags”, neologismo com o nome do presidente Lula da Silva e os “gulags”, campos de trabalho forçado da União Soviética. Já o deputado General Girão (PL-RN) qualificou a situação de “Guantánamo brasileira”, em referência à prisão mantida pelos Estados Unidos em Cuba.

O direito de discordar do Judiciário, seja em que esfera for, integra as liberdades fundamentais, além de contribuir para seu melhor funcionamento. Não existe exercício imaculado do poder, e é muito positivo que Executivo, Legislativo e Judiciário se sintam cobrados e admoestados – ainda mais em situações novas, que exigem respostas inéditas do poder estatal e o risco de errar é maior. O caso do 8 de Janeiro é absolutamente excepcional, ao envolver milhares de pessoas, tipos penais novos e agressões nunca antes vistas às instituições democráticas.

Se o Estado já tem sérias dificuldades de respeitar os direitos fundamentais de pessoas investigadas em casos corriqueiros, seria ingenuidade achar que, nessa situação particular, o poder estatal se comportaria de modo diferente, oferecendo uma atuação perfeita, sem nenhum excesso ou exagero. Seja como for, é preciso exigir do poder público plena aderência à lei, sem transigir com eventuais medidas ilegais ou mal fundamentadas. Por exemplo, este jornal já criticou em editorial o modo como foram realizadas as audiências de custódia relativas aos atos do 8 de Janeiro (ver A defesa da democracia dentro da lei, 19/2/2023). A decisão sobre a necessidade de manter a prisão preventiva não foi tomada pelo magistrado que fez a audiência e teve contato com o preso. Prisão sempre exige avaliar as circunstâncias concretas de cada pessoa.

É preciso discernimento. Diante do grande número de pessoas envolvidas, é provável que haja prisões preventivas em desacordo com os requisitos legais. Elas devem ser revogadas o quanto antes, seja pelo ministro Alexandre de Moraes, seja pelo colegiado da Corte – que não deve ter receio de suspender alguma decisão do relator, quando assim for necessário. Mas eventuais equívocos e exageros – que infelizmente são coisas habituais na Justiça brasileira, como se observa, por exemplo, pelos muitos habeas corpus que são concedidos pelo STF – não transformam as pessoas envolvidas nos atos do 8 de Janeiro em presos políticos.

Essas pessoas estão sendo investigadas por ações contrárias ao Código Penal, e não em razão de expressarem uma orientação política específica. A ilustrar que não se trata de perseguição política do Supremo, a própria Procuradoria-Geral da República (PGR) já denunciou por crimes concretos centenas delas, que terão oportunidade, dentro do processo penal, de exercer seu direito de defesa.

O sistema de Justiça penal é imperfeito – e o bolsonarismo lutou e luta arduamente para piorá-lo. Mas isso não autoriza dizer que inexiste, no País, respeito às liberdades política e de expressão. Há caminhos institucionais para correção de erros judiciais. O que não há é autorização para cometer crimes impunemente. A lei vale para todos.

Comandante do Exército diz que militares não constataram fraude nas urnas e aponta interferência política de Bolsonaro nas tropas


General Tomás Ribeiro Paiva, novo comandante do Exército

O comandante do Exército, general Tomás Paiva, defendeu durante uma reunião com subordinados o resultado eleitoral que deu vitória ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e que os militares, após um trabalho de fiscalização, não identificaram qualquer fraude no processo. A declaração foi dada a oficiais do Comando Militar do Sudeste, no dia 18 de janeiro, às vésperas de assumir o comando da Força. No áudio, gravado por um participante da reunião e divulgada pelo podcast Roteirices, ele afirmou ainda que houve interferência política do ex-presidente Jair Bolsonaro nas Forças.

—Ele (Bolsonaro) teve mais votos nessa eleição do que ele teve na outra. Então, a diferença nunca foi tão pequena. Foi mínima. E aí o cara fala assim: 'pô, general, mas teve fraude'. Nós participamos de toda a fiscalização, fizemos relatório, fizemos tudo. Constatou-se fraude? Não — afirmou Tomás.

Na ocasião, o general realizou uma apresentação sobre os acontecimentos político dos últimos meses, em que militares foram envolvidos em discussões eleitorais. Nesse contexto é que ele cita a interferências políticas de Bolsonaro nas Forças.

Entre as ações apontadas ele citou uma suposta intenção de Bolsonaro de realizar uma motociata na Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) — vetada, segundo o general, pelo comando do Exército —, e a mudança do desfile do 7 de Setembro de Brasília para o Rio de Janeiro, onde bolsonaristas realizaram uma manifestação de apoio ao governo.

— Algumas interferências do governo, direta, na área militar. Então, isto, a nova motociatas de Bolsonaro será na Aman. Foi noticiado. Não ocorreu porque os nossos comandantes e generais convenceram o presidente de que não era uma coisa adequada ter uma motociata, q é um ato político de apoio ao presidente, dentro da academia militar. Dá para achar que isso é uma coisa adequada? -- afirmou, completando:

— 7 de setembro em Copacabana. Todo mundo acompanhou, o desfile no Rio de Janeiro. Onde era o desfile no 7 de setembro no Rio? Eu estreei como cadete na presidente vagas no ano de 1979, 80e 81 desfilei na Presidente Vargas. Esses anos que passou mudou. Passou a ser em Copacabana. Não tem desfile, no final foi uma celebração, com algumas manifestações, mas para o povo está tudo misturado, o que é militar, o que não é militar.

Eleições

Ao tratar das eleições, o atual comandante do Exército afirmou que houve uma "sensação" de que houve irregularidades porque a disputa entre Lula e Bolsonaro foi apertada, mas ponderou que os próprios militares se incumbiram de fiscalizar o processo e não encontraram nada.

-- Essa sensação ficou porque foi apertada. Mas do ponto de vista do trabalho realizado pelo Exército, não aconteceu nada, não teve nada, tanto que teve o relatório do Ministério da Defesa, que foi emitido e que fala: 'olha, o processo não foi encontrado nada daquilo que foi visto.

Ao longo da sua apresentação, Tomás lembra que o mesmo processo que elegeu Lula como presidente também permitiu um Congresso Nacional e governadores conservadores. No entanto, Tomás se refere à vitória do petista como um resultado que "infelizmente para a maioria de nós foi indesejado".

-- Não dá para falar com certeza que houve qualquer tipo de irregularidade. Infelizmente foi o resultado que para a maioria de nós foi indesejado. Mas aconteceu.

O comandante do Exército também se colocou favorável ao voto impresso, bandeira levantada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro por desconfiança no sistema eleitoral eletrônico e afirmou que era "legítima" a vontade do então mandatário de "aperfeiçoar o sistema".

-- Teve um outro fato, teve aquele problema, na verdade uma proposta legítima do presidente de aperfeiçoar o sistema eleitoral, legítima -- afirmou, completando: -- Não estou fazendo julgamento de valor, eu particularmente, como cidadão brasileiro, eu seria favorável a um voto certificado. Acho que esse processo no futuro vai ter que se aperfeiçoar. Mas a minha opinião não interessa. A opinião interessa como cidadão, eu voto no cara para me representar. O que interessa naquele caso é a opinião do Congresso Nacional, que votou contra.

O general Tomás foi alçado ao posto de comandante do Exército após a demissão do general Júlio César de Arruda, que ficou desgastado após os atos antidemocráticos de 8 de janeiro. Investigações apuram se houve conivência de militares com a invasão das sedes dos Três Poderes, destruídas por apoiadores de Bolsonaro na ocasião.

Com três décadas de atraso, Bolsonaro descobre que presos têm seus direitos



Falando desde o cercadão da Flórida, Bolsonaro queixou-se do suplício imposto pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes aos presos temporários recolhidos após o quebra-quebra de 8 de janeiro. Disse "chefes de família, senhoras, mães e avós" recebem tratamento de "terroristas". Quem ouve fica com a impressão de que o quebra-quebra nos prédios dos Três Poderes foi um piquenique inocente numa tarde de domingo, não uma tentativa das falanges bolsonaristas de virar a mesa da democracia.

Há uma evolução notável na manifestação de Bolsonaro. Durante mais de três décadas, Bolsonaro desprezou as más condições do sistema carcerário. Já defendeu a tese segundo a qual bom mesmo é "entupir as cadeias de bandidos". Disse que presídio "não e colônia de férias". Definiu direitos humanos como "esterco da bandidagem." De repente, Bolsonaro se deu conta de que presos também têm direitos.

Bolsonaro se expressa com a volúpia de um cano furado. O cano danificado esbanja água. Bolsonaro esbanja tolices e inverdades. Já admite a comparação entre a intentona de 8 de janeiro e a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021. Mas ignora que os propósitos golpistas dos das duas irrupções de fúria. Usa a analogia para sustentar que, nos Estados Unidos, a "grande maioria" das pessoas encrencadas está "respondendo ao devido processo" em liberdade. Tudo conversa mole.

No último dia 6 de janeiro, quando a invasão do Capitólio fez aniversário de dois anos, o secretário de Justiça dos EUA, Merrick Garland, divulgou um balanço da investigação. Disse que, nos últimos 24 meses, foram efetuadas mais de 950 prisões. Por enquanto, houve 350 condenações. Em 192 casos, os sentenciados foram para a cadeia. Outros 350 encrencados estavam foragidos. "Nosso trabalho não está concluído", disse Garland. "Continuamos determinados a processar todos os responsáveis pelo ataque à nossa democracia."

Dez em cada quatro presos no Brasil estão esquecidos nos fundões do sistema carcerário sem uma sentença condenatória. Bolsonaro jamais se preocupou com essa anomalia. De passagem pelos Estados Unidos, passou a manifestar uma insuspeitada preocupação com o drama carcerário. A sensibilidade de Bolsonaro aumenta na proporção direta do avanço dos processos criminais que o deixam mais perto de uma cela.

Militares golpistas queriam fugir do STF. Mas não vão! Moraes só aplica lei


Alexandre de Moraes e um de seus livros de Direito Constitucional. Militares serão processados e julgados pelo STF. Trata-se apenas do cumprimento da lei Imagem: Marcelo Camargo/Agência Brasil; Reprodução

Em decisão impecável, cristalina, o ministro Alexandre de Moraes fixou a competência do Supremo Tribunal Federal, e não do Superior Tribunal Militar, para julgar os militares, das Forças Armadas ou das Polícias Militares, que participaram dos atos golpistas de 8 de janeiro. O ministro respondeu a requerimento da Polícia Federal solicitando autorização para "para apuração de autoria e materialidade de eventuais crimes cometidos" por integrantes dessas corporações.

Em sua petição, a PF pede que "seja reconhecida a atribuição investigativa da atuação da Polícia Federal e jurisdicional do Supremo Tribunal Federal para processamento do presente caso em especial em relação aos servidores militares das forças armadas e polícia militar".

Já defendi aqui e em toda parte que a competência é do Supremo porque, como resta evidente, não se está a investigar um crime militar. A natureza dos atos cometidos no dia 8 de janeiro não se altera caso a pessoa use um uniforme. E foi o que explicitou Alexandre nos seguintes termos, citando jurisprudência do próprio tribunal. Prestem atenção!
"O Código Penal Militar não tutela a pessoa do militar, mas sim a dignidade da própria instituição das Forças Armadas competência ad institutionem, conforme pacificamente decidido por esta SUPREMA CORTE ao definir que a Justiça Militar não julga "CRIMES DE MILITARES", mas sim "CRIMES MILITARES".

E o ministro cita a longa jurisprudência a respeito. Nem todo crime cometido por militares diz respeito às suas atribuições específicas — e, pois, crimes militares não são.

De tal sorte é a natureza do ato, não quem o pratica, a definir se um delito é militar ou não que civis podem ser julgados por crimes militares.

Moraes cita o então ministro Celso de Mello, em despacho de 2011, no âmbito do Habeas Corpus 106.671:
"O foro especial da Justiça Militar da União não existe para os crimes dos militares, mas, sim, para os delitos militares, tout court. E o crime militar, comissível por agente militar ou, até mesmo, por civil, só existe quando o autor procede e atua nas circunstâncias taxativamente referidas pelo art. 9º do Código Penal Militar, que prevê a possibilidade jurídica de configuração de delito castrense eventualmente praticado por civil, mesmo em tempo de paz".

Lembra ainda Moraes que também o artigo 10º do Código Penal Militar define os crimes militares — nesse caso, os cometidos em tempo de guerra. Muito bem. Algumas das agressões à ordem legal praticadas no dia 8 de janeiro, pouco importa se os agentes eram civis ou militares, não estão nem tipificadas no CPM.

Escreve o ministro:
"Inexiste, portanto, competência da Justiça Militar da União para processar e julgar militares das Forças Armadas ou dos Estados pela prática dos crimes ocorridos em 8/1/2023, notadamente os crimes previstos nos arts. 2º, 3º, 5º e 6º (atos terroristas, inclusive preparatórios) da Lei 13.260/16, e nos arts. 147 (ameaça), 147-A, § 1º, III, (perseguição), 163 (dano), art. 286 (incitação ao crime), art. 250, § 1 º, inciso I, alínea ''b" (incêndio majorado), 288, parágrafo único (associação criminosa armada), 359-L (abolição violenta do Estado Democrático de Direito), 359-M (golpe de Estado), todos do Código Penal, cujos inquéritos tramitam nesse SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL a pedido da Procuradoria Geral da República".

Assim sendo, decidiu o magistrado:
"Diante do exposto, FIXO A COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL PARA PROCESSAR E JULGAR OS CRIMES OCORRIDOS EM 8/1/2023, INDEPENDENTEMENTE DOS INVESTIGADOS SEREM CIVIS OU MILITARES E DEFIRO A REPRESENTAÇÃO DA POLÍCIA FEDERAL E AUTORIZO A INSTAURAÇÃO DE PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO para apuração de autoria e materialidade de eventuais crimes cometidos por integrantes das Forças Armadas e Polícias Militares relacionados aos atentados contra a Democracia que culminaram com os atos criminosos e terroristas do dia 8 de janeiro de 2023".

O CÓDIGO GIGANTESCO E OS CRIMES NA PAZ E NA GUERRA
O Código Penal Militar é um cartapácio de 410 artigos. As tipificações, com as respectivas penas, começam mesmo no Artigo 136. Os 135 anteriores são uma espécie de guia de aplicação dos demais. Muitos dos tipos penais que ali estão são os mesmos da legislação penal comum. Ademais, a Justiça Militar pode punir por infrações cometidas segundo qualquer dos dois códigos, desde que, reitere-se, se cumpram as exigências dos Artigos 9º e 10º do CPM.

O ARTIGO 9º: CRIMES EM TEMPOS DE PAZ
E quando um crime é considerado militar em tempos de paz? Vamos ver o que dispõe o Artigo 9º. Têm de ser cometidos:
- por militar em situação de atividade ou assemelhado, contra militar na mesma situação ou assemelhado;
- por militar em situação de atividade ou assemelhado, em lugar sujeito à administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
- por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito à administração militar contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;
- por militar durante o período de manobras ou exercício, contra militar da reserva, ou reformado, ou assemelhado, ou civil;
- por militar em situação de atividade, ou assemelhado, contra o patrimônio sob a administração militar, ou a ordem administrativa militar;
Os crimes praticados por militar da reserva, ou reformado, ou por civil, contra as instituições militares, considerando-se como tais não só os compreendidos no inciso I, como os do inciso II, nos seguintes casos:
- contra o patrimônio sob a administração militar, ou contra a ordem administrativa militar;
- em lugar sujeito à administração militar contra militar em situação de atividade ou assemelhado, ou contra funcionário de Ministério militar ou da Justiça Militar, no exercício de função inerente ao seu cargo;
- contra militar em formatura, ou durante o período de prontidão, vigilância, observação, exploração, exercício, acampamento, acantonamento ou manobras;
- ainda que fora do lugar sujeito à administração militar, contra militar em função de natureza militar, ou no desempenho de serviço de vigilância, garantia e preservação da ordem pública, administrativa ou judiciária, quando legalmente requisitado para aquele fim, ou em obediência a determinação legal superior.

Deu para entender? Crimes militares são aqueles cometidos, de fato, no exercício da função ou mesmo por civis em áreas sob administração militar. Atentem para o Parágrafo 1º:
§ 1º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares contra civil, serão da competência do Tribunal do Júri.

Como se vê, um crime contra a vida, ainda que o autor seja um militar, vai para o Tribunal do Júri. É sempre assim? Há a ressalva no Parágrafo 2º:
§ 2º Os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União se praticados no contexto:
I - do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa;
II - de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou
III - de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas em conformidade com o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais:
a) Código Brasileiro de Aeronáutica;
b) Lei Complementar no 97, de 9 de junho de 1999;
c) Código de Processo Penal Militar; e
d) Código Eleitoral.

EM TEMPOS DE GUERRA
E há os crimes militares que podem ser cometidos em tempos de guerra:
Art. 10º: Art. 10. Consideram-se crimes militares, em tempo de guerra:
I - os especialmente previstos neste Código para o tempo de guerra;
II - os crimes militares previstos para o tempo de paz;
III - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum ou especial, quando praticados, qualquer que seja o agente:
a) em território nacional, ou estrangeiro, militarmente ocupado;
b) em qualquer lugar, se comprometem ou podem comprometer a preparação, a eficiência ou as operações militares ou, de qualquer outra forma, atentam contra a segurança externa do País ou podem expô-la a perigo;
IV - os crimes definidos na lei penal comum ou especial, embora não previstos neste Código, quando praticados em zona de efetivas operações militares ou em território estrangeiro, militarmente ocupado.

CONCLUINDO
A hipótese, pois, que chegou a ser aventada por alguns de que a Justiça Militar teria jurisdição para processar membros das Forças Armadas ou das Polícias Militares envolvidos com os atos golpistas não tem o menor fundamento.

É estupidamente falso que a decisão do ministro denote desconfiança na Justiça Militar ou eventual desprestígio para o Ministério Público Militar. A decisão de Moraes decorre da simples leitura da lei. A natureza de um crime militar está devidamente caracterizada acima. Mais: alguns dos delitos praticados nem mesmo estão, reitere-se, tipificados no Código Penal Militar.

Asfalto na fazenda, jato da FAB para leilão de cavalo e chip sem antena; os feitos do ministro


Lula e o ministro Juscelino Filho

Em dois meses de governo, o ministro das Comunicações, Juscelino Filho, acumula uma série de acusações sobre uso indevido de verbas públicas. Indicado pelo União Brasil e nomeado por Luiz Inácio Lula da Silva, o deputado federal licenciado já mandou emendas para asfaltar uma estrada que corta a própria fazenda em Vitorino Freire (MA), enviou informações falsas à Justiça Eleitoral para comprovar voos não realizados durante a campanha e, agora, usou um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) e diárias para participar de leilões de cavalos de raça em São Paulo. Os casos foram revelados pelo Estadão.

Em sua primeira reunião ministerial, o presidente Lula afirmou que a obrigação do governo é “fazer as coisas corretas”. “Quem fizer errado sabe que tem só um jeito: a pessoa será, simplesmente, da forma mais educada possível, convidada a deixar o governo. E se cometeu algo grave, a pessoa terá que se colocar diante das investigações e da própria Justiça”, afirmou o petista.

“Quando saiu a denúncia do ministro Juscelino, eu liguei para o Padilha, eu estava nos Estados Unidos, e falei: ‘Padilha, eu quero que você converse com Juscelino. Eu quero que você ouça a explicação dele, porque ele tem de se explicar corretamente para os meios de comunicação’. E vai ser assim que vai acontecer com todas as denúncias”, afirmou.

Confira, a seguir, o que já foi revelado sobre o ministro das Comunicações de Lula:

- Asfalto para fazenda - Juscelino Filho destinou R$ 5 milhões do orçamento secreto para asfaltar uma estrada de terra que passa em frente à sua fazenda, em Vitorino Freire (MA). A obra é feita por uma empresa investigada pela Polícia Federal por supostamente pagar propina a servidores federais para obter obras no estado. O engenheiro da Codevasf que assinou o parecer autorizando o valor orçado para a pavimentação foi indicado pelo grupo político do ministro das Comunicações e está afastado pela Justiça acusado de receber propina. Juscelino Filho admitiu o uso do orçamento secreto para a obra.Cerimônia de apresentação do Ministro de Estado das Comunicações, Juscelino Filho. Foto: Cleverson Oliveira/Mcom

- Contratos com amigos - A Prefeitura de Vitorino Freire tem mais de R$ 36 milhões em contratos com pelo menos quatro empresas de amigos, ex-assessoras e uma cunhada do ministro das Comunicações. O Estadão apurou que o município, que é governado pela irmã de Juscelino, contratou as firmas com verbas do orçamento secreto e de emendas parlamentares destinadas por ele. Todas as companhias intensificaram os negócios a partir de 2015, quando Juscelino assumiu pela primeira vez uma cadeira de deputado – três foram abertas no início do mandato. Em duas semanas no cargo de ministro, Juscelino abriu seu gabinete ao sócio oculto de uma das empresas.

- Mentiras para o TSE - O ministro de Lula também apresentou informações falsas à Justiça Eleitoral para pagar com dinheiro público 23 viagens de helicóptero feitas durante sua campanha a deputado federal, no ano passado. Ao prestar contas, Juscelino informou que todos os voos foram feitos por “três cabos eleitorais”. O Estadão identificou, porém, que os nomes apresentados por ele são de um casal e de uma filha de dez anos, que moram em São Paulo. A família disse não conhecer o político.

- Nas asas da FAB - Já como ministro das Comunicações, Juscelino Filho usou um voo da FAB para ir a São Paulo e participar de leilões de cavalos de raça. Ele viajou no dia 26 de janeiro, uma quinta-feira. Teve apenas três compromissos oficiais e, ao meio-dia de sexta-feira, passou a cuidar de seus interesses privados. O ministro assessorou compradores de cavalos; expôs um de seus equinos, que deve ser lançado em breve; e, ainda, recebeu um “Oscar” dos vaqueiros, quando prometeu trabalhar a favor dos cavalos da raça Quarto de Milha e do esporte equestre. Por tudo isso, ainda recebeu R$ 3 mil em diárias.

- Chip para Yanomami - Também no governo, o ministro enviou mil chips de celular para serem utilizados nas operações humanitárias que acontecem na terra indígena Yanomami, em Roraima, mas que não funcionam dentro da área demarcada. A limitação tecnológica deve-se a um fato simples: não há cobertura da operadora celular na terra indígena, localizada a 230 quilômetros de distância da capital Boa Vista.

segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

A anatomia de uma desfaçatez



Por requisição da Controladoria-Geral da União (CGU) a partir de pedido do Estadão com base na Lei de Acesso à Informação, o Exército tornou público o processo disciplinar que instaurou para apurar a participação do general intendente Eduardo Pazuello em um comício do então presidente Jair Bolsonaro no Rio, em 23 de maio de 2021.

A rigor, nada havia a apurar, só a punir. As imagens do comício, com Bolsonaro e Pazuello discursando em cima de um trio elétrico, falavam por si sós. À época, Pazuello, hoje deputado federal, era oficial da ativa, e tinha encerrado sua catastrófica passagem pelo Ministério da Saúde havia dois meses.

Militares da ativa, como sabe qualquer manga-lisa, são expressamente proibidos de participar de atos políticos. A razão para essa vedação é tão óbvia que seria um desrespeito ao leitor destacá-la. Entretanto, o Exército não apenas livrou Pazuello de qualquer punição, em afrontosa violação da Constituição e do Estatuto dos Militares, como ainda impôs sigilo de 100 anos sobre o processo.

Se esse sigilo, per se, já era uma aberração, a razão que o motivou é uma das maiores vergonhas para o Exército. Como agora sabemos, de fato, nada foi apurado. O que houve foi uma deliberada operação de acobertamento de evidente transgressão militar, tão evidente que basta para explicar a tentativa de mantê-la em segredo por nada menos que um século.

Como se lê no documento agora tornado público, Pazuello, ciente de que estava prestes a violar a Constituição e o Estatuto dos Militares, teve o “cuidado”, digamos assim, de avisar o então comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, com um dia de antecedência, de que compareceria ao ato político convocado por Bolsonaro. Em depoimento, Pazuello disse que aceitou o convite feito por Bolsonaro por ter com ele “laços de respeito e camaradagem”, malgrado o fato óbvio de que se tratava de comício – o que, por definição, deveria ter desestimulado sua participação.

No processo, consta que o general Paulo Sérgio confirmou ter sido avisado pelo subordinado, mas não o que respondeu a ele. Nem precisava. A participação de Pazuello no ato, com direito a discurso em cima de um carro de som, é a evidência de que o intendente decerto não foi dissuadido pelo então comandante do Exército.

Registre-se que a maioria dos membros do Alto Comando do Exército defendeu a punição exemplar de Pazuello. A presença de um oficial da ativa naquele comício, uma transgressão militar inquestionável, era um ultraje à história de respeito às leis e à Constituição construída pelas Forças Armadas desde a redemocratização, além de configurar quebra da hierarquia e da disciplina, balizas da vida castrense. Entretanto, prevaleceu a vontade do general Paulo Sérgio. Pudera. Como punir Pazuello se, na véspera, o transgressor avisara seu comandante de que iria transgredir as normas militares e nada foi feito para impedi-lo?

Tentando justificar o injustificável para absolver Pazuello, o general Paulo Sérgio, que mais tarde se tornaria ministro da Defesa de Bolsonaro, concluiu que o discurso do intendente no trio elétrico não teve, ora vejam, “viés político-partidário” – como se oferecer apoio explícito ao então presidente da República diante de possíveis eleitores, que era ao que se prestavam as tais e frequentes “motociatas” de Bolsonaro, não fosse um ato político por definição.

A CGU acertou ao levantar o sigilo sobre o processo porque, a um só tempo, explicitou a anatomia de uma delinquência hermenêutica, cometida com o claro propósito de acobertar infrações militares irrefutáveis, e restabeleceu o princípio constitucional da transparência. Numa República democrática, como o Brasil, a regra é a transparência; sigilo sobre informações de interesse público só vale para casos excepcionalíssimos, definidos por lei e pela Constituição. Não era o caso da indisciplina do intendente Pazuello nem do acobertamento de seu comando na época.

Esse lamentável episódio é revelador de quão fundo foi o buraco em que parcela das Forças Armadas se dispôs a descer em nome de um desqualificado como Jair Bolsonaro.

Chefe da inteligência da Receita Federal de Bolsonaro copiou dados sigilosos de opositores do ex-presidente


Desafetos de Bolsonaro foram alvos de buscas

O chefe da inteligência da Receita Federal durante o governo de Jair Bolsonaro, Ricardo Pereira Feitosa, acessou e copiou dados fiscais sigilosos de opositores do ex-presidente. Segundo documentos obtidos pelo jornal "Folha de S. Paulo", um dos alvos do levantamento foi Eduardo Gussem, então procurador-geral de Justiça do Rio e responsável pelas investigações do suposto esquema de rachadinha dentro do gabinete de Flávio Bolsonaro (PL-RJ), denúncia posteriormente arquivada.

De acordo com os registros e depoimentos de pessoas ligadas ao caso, os acessos aconteceram nos dias 10, 16 e 18 de julho de 2019, ainda no início do governo de Jair Bolsonaro. Também foram alvos das devassas dois políticos que haviam acabado de romper com Jair Bolsonaro, o empresário Paulo Marinho, que é suplente do senador Flávio Bolsonaro, e o ex-ministro Gustavo Bebianno, que morreu em março de 2020.

À época das pesquisas, não havia nenhuma investigação fiscal envolvendo os alvos que justificassem as pesquisas. Por conta da movimentação, foi aberta uma investigação interna da Receita Federal para apurar a motivação. Em nota, Ricardo Pereira Feitosa negou ter cometido qualquer violação, afirmando ainda que "não vazou dados sigilosos e que sempre atuou no estrito cumprimento do dever legal".

Dados acessados

Entre os dados acessados e copiados por Feitosa estão as declarações completas de Imposto de Renda do procurador Eduardo Gussem. Ele fez cópia das informações declaradas pelo magistrado durante o período de 2013 a 2019.

Do ex- aliado de Bolsoanro Gustavo Bebiano os dados coletados foram os mesmos, declarações de imposto de renda de sete anos. O político que era líder do líder do PSL, então partido de Bolsonaro, ocupou a Secretaria-Geral da Presidência por pouco mais de um mês. Ele foi o pivô da primeira crise política do governo Bolsonaro, gerada pela suspeita de que o PSL fez uso de candidatura "laranja" nas eleições de 2018 para desviar verbas públicas, e acabou sendo demitido do cargo. À época, Bebiano atribuiu a saída do governo ao filho do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ), com quem tinha desavenças públicas. O ex-ministro morreu vítima de um infarto.

Já sobre Paulo Marinho, além dos dados do imposto de renda do empresário, Ricardo Pereira Feitosa também buscou informações sobre sua esposa. Ele ainda acessou dados dos três opositores de Bolsonaro em outros sistemas utilizados pela Receita, como o banco de dados que reúne ativos e operações financeiras de especial interesse do Fisco e a plataforma voltada para operações de comércio exterior.

Investigação

Após a identificação das pesquisas, foi instaurada uma sindicância investigativa em março do 2020, que recomendou a abertura de um PAD (Processo Administrativo Disciplinar). O processo pode culminar, inclusive, com a demissão do servidor público.

O PAD segue em tramitação e, segundo o jornal "Folha de S.Paulo", com a recomendação de demissão para Feitosa. Ele será analisado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Atualmente o servidor atual como auditor-fiscal da administração aduaneira da Receita em Cuiabá.


Vacina de Lula chama atenção porque Brasil se desacostumou de ter governo



Espantosa época a nossa, em que a notícia sobre a presença do presidente da República no lançamento de uma campanha nacional de vacinação, nesta segunda-feira, é ornamentada com pontos de exclamação. O contraste produzido por Lula ao tomar mais uma dose de reforço da vacina contra Covid é uma evidência do ilógico que presidiu o Brasil nos últimos quatro anos. A atitude de Lula chama a atenção porque Bolsonaro havia desacostumado o brasileiro de ter governo.

A imagem de um presidente cedendo o braço para receber sob holofotes uma dose de vacina é apenas um bom começo. A reconstrução do Programa Nacional de Imunizações exigirá trabalho árduo, contínuo e lento. Levantamento feito no final do ano passado pela Confederação Nacional dos Municípios mostrou que o desgoverno produziu estrago profundo. É desolador, por exemplo, o estágio em que se encontra a vacinação infantil.

Cerca de 70% das cidades brasileiras não atingiram as metas de imunização para as crianças em 2021. No caso da vacina BCG, que imuniza contra a tuberculose, apenas 22% das cidades atingiram a meta de vacinação. Na vacina pentavalente —contra difteria, tétano, coqueluche, hepatite B e influenza), o percentual foi de 27,1%.

No ano passado, quando o Ministério da Saúde farejou índice de imunização contra poliomielite ao redor de 63%, bem abaixo da meta de vacinar 95% das crianças, o então ministro da Saúde, o coronel de jaleco Marcelo Queiroga, viu-se compelido a admitir que o Brasil voltara a frequentar a zona de risco para a reintrodução da polio.

Mais do que uma campanha, Nísia Trindade, a nova ministra da Saúde, planejou um movimento nacional pela vacinação. Deseja-se ampliar a cobertura de todas as vacinas. Agora, a vacina bivalente da Pfizer contra a Covid. Em abril, a vacina contra influenza. Em Maio, vacinas contra poliomielite e sarampo serão levadas às escolas.

Para que o movimento seja completo, é preciso vacinar o Brasil contra a impunidade. A reincidência com que Bolsonaro ameaça o Brasil mesmo fora da Presidência e do país emite um atestado da inconsequência nacional.

Bezerro de Ouro 1: Deputado desafia STF e diz que pregar golpe é um direito


O Congresso tomado por vândalos e o deputado Eli Borges (dest.), que considera um direito pregar golpe de estado, ainda que ele dê outro nome à coisa

Ignorância sobre o conteúdo da Constituição; falsa simetria entre igrejas e sindicatos (embora ele negue fazer o que precisamente faz); intolerância religiosa e cultural; desumanização da mulher, transformando-a numa mera bolsa reprodutiva... Não há tese reacionária ou estúpida em que não tenha incidido o deputado Eli Borges (PL-TO), falando em nome da bancada evangélica. Espero que as pessoas lúcidas, parlamentares ou não, adeptas das mais variadas correntes religiosas reunidas sob tal signo reajam para que o exercício da fé não se misture com golpismo, obscurantismo e misoginia. Na entrevista publicada pela Folha neste domingo, o sr. Borges deixou claro que sabe, sim, como se fazer influente nas esferas de poder — habilidade que os lobistas também têm —, mas, em matéria de religiosidade, parece mais propenso a cultivar bezerros de ouro.

Não tenho receio de enfrentar esse debate porque, mais de uma vez, defendi o direito que têm os evangélicos — e é aquele que assiste toda gente — de se manifestar, de ter uma voz identificada como tal. E assim é com todos os que professam uma religião. Eu mesmo sou católico e não ignoro que, aqui e ali, se percebe certo olhar oblíquo, como se a crença fosse incompatível com um mundo civilizado. Felizmente, não é a regra. E é certo que o repúdio à religiosidade como princípio é também uma forma de intolerância. Sei bem o terreno em que piso.

O deputado Eli Boges julga haver uma "ditadura da toga" no Brasil, Ao detalhar seu pensamento, deve ter batido o recorde de bobagens para 95 palavras:
"Venho falando que nós vivemos um ativismo judicial. Por exemplo, este 8 de janeiro: quero compreender que tem uma pequena minoria de baderneiros infiltrados e, às vezes, algumas pessoas na sua simplicidade, mas eles não representam o pensamento da maioria dos brasileiros. Tem muita gente boa que está buscando a sua liberdade e está presa. Esse ativismo antecede [o 8 de janeiro]. Nós tivemos interferência do Supremo em muitos assuntos, como ideologia de gênero, aborto. Acho que não são matérias do Supremo. Judiciário tem que julgar leis, e quem faz as leis é o Parlamento."

Na formulação do deputado, a prisão de golpistas, a maioria em flagrante e uma parcela bem menor como decorrência das investigações, decorreria de "ativismo judicial", donde se depreende que um Judiciário que não fosse, segundo seus termos, "ativista" deveria fazer vista grossa, permitindo que os criminosos, eles sim, pudessem praticar o seu "ativismo", que apelou a práticas terroristas — ainda que a imputação do crime de terrorismo seja controversa, lembrando sempre que o Código Penal dispõem de artigos para fazer com que a canalha passe uns bons anos na cadeia.

O deputado, como se nota, trabalha com o conceito de "gente boa", não ficando claro o que quer dizer com isso. Cabe, por óbvio, indagar: que "gente boa" é essa que, dado o resultado da eleição, pretende impedir que aquele que venceu legitimamente o pleito tome posse. Mais do que isso: passa a ocupar os espaços públicos para pregar uma intervenção militar que entronize o derrotado. Atenção! Na hipótese de haver acampados que não participaram do ataque às respectivas sedes dos Três Poderes, não havia um só que não concordasse ao menos com esse programa mínimo. E ilegal.

Para tentar sustentar a sua tese impossível, lança mão, então, da teoria conspiratória segundo a qual os vândalos eram, na verdade, infiltrados. Como a esmagadora maioria da população repudiou o ataque, então busca dissociar do bolsonarismo os criminosos. E, por óbvio, ele precisa deixar a realidade de lado para sustentar a sua fantasia. Reitere-se: na quase totalidade, as prisões se deram em flagrante. E, claro!, não há nem vestígio de que tenha havido alguma armação. Ele está inventando.

Note-se adicionalmente: o STF não teria como interferir em "ideologia de gênero" porque isso não existe. Talvez esteja se referindo à extensão das penas da Lei 7.716 (antirracismo) para o crime de homofobia. Basta ler a fundamentação da decisão do tribunal para constatar que se trata apenas de aplicar os princípios da Constituição. A propósito: o deputado pretende praticar homofobia e permanecer impune ou conta com os votos daqueles que pretendem praticá-la? Que Deus é esse?

De resto, nem sei se ele pretendeu, de fato, dizer o que disse, mas, com efeito, cumpre ao Supremo também julgar as leis, além de aplicá-las. Como faz com os golpistas.

O GOLPE COMO UM DIREITO
Ocorre que o coordenador da bancada evangélica acha que tentar dar um golpe é um direito, que se ampararia na Constituição. E é destemido na bobagem. Diz:
"Se você abrir a Constituição, está muito claro: as Forças Armadas exercem um papel de atender ao clamor popular, e essa população foi fazer um clamor que a Constituição define como um direito constitucional. Não vi nada de errado na sociedade fazer o seu clamor."

É uma tese golpista. Nas boas democracias do mundo, deveria ter de responder ao Conselho de Ética da Câmara. Qual era mesmo "o clamor" da tal "gente boa"? Lembro de novo: intervenção militar. Esse senhor acha que atuar contra as garantias constitucionais e contra o Código Penal é um "direito". Lembro os Artigos 359-L e 359-M do CP:

Abolição do estado de direito
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Golpe de estado
Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído: Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência.

O deputado está mentindo. Não há uma só passagem na Constituição que sustente que as Forças Armadas existem para "atender ao clamor popular". Até porque, senhor, ainda que o ataque fosse um clamor dos 49,1% que votaram em Bolsonaro — e isso também é mentira —, não era o dos 50,9% que escolheram Lula.

Borges está fazendo, certamente, uma leitura burra -- e não há como ele ignorar que está errada -- do Artigo 142 da Constituição, a saber:
Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

Ainda que tal artigo seja notavelmente mal redigido, por razões que não vêm ao caso agora, uma das atribuições das Forças Armadas é garantir os Poderes constitucionais, não derrubá-los. A "manutenção da lei e da ordem" não supõe impedir o eleito de tomar posse. Fosse como ele diz, caberia aos militares, não aos eleitores, dizer quem pode e quem não pode governar o país.

Recomendo a Borges que se atualize. Até Ives Gandra Martins, o exegeta do golpismo, já recuou, tentando dar uma arrumada na própria biografia, afirmando que não disse o que disseram que disse. E ele disse. E estava estupidamente errado.

Uma pergunta aos demais membros da bancada evangélica: vocês se sentem representados por alguém que acredita que cabe às Forças Armadas a decisão última sobre as urnas? Que pregar golpe de Estado é um direito? Que a baderna foi promovida por infiltrados — que só poderiam ser, claro!, de esquerda?

É este o país que vocês querem construir, a saber: aquele em que hordas decidem depor o presidente eleito na marra, supondo que a Constituição traria uma licença para a sua própria destruição? Ainda falta dizer algumas coisas sobre a entrevista absurda. E eu o farei. Mas encerro com uma indagação de natureza ética, que deve ser enviada ao Conselho de Ética da Câmara: a imunidade compreende que um parlamentar ataque os fundamentos que garantem a legitimidade do próprio Parlamento?

domingo, 26 de fevereiro de 2023

PGR de Aras se alinhou a Bolsonaro e filhos em 95% das manifestações no STF


Afago. Bolsonaro abraça Augusto Aras durante a primeira posse na PGR, em 2019; alvo de críticas por uma suposta blindagem ao ex-presidente, ele foi reconduzido ao cargo dois anos depois

Ao escolher Augusto Aras como procurador-geral da República, em setembro de 2019 — repetindo o gesto dois anos depois —, Jair Bolsonaro rompeu uma tradição de uma década e meia de respeito à lista tríplice da categoria. Dali até o fim de seu mandato, o ex-presidente viu 184 acusações contra ele ou os filhos serem apresentadas ao Supremo Tribunal Federal (STF), assinadas por partidos, parlamentares, entidades da sociedade civil ou cidadãos em geral. O GLOBO analisou todas essas ações e detectou que 95% das manifestações da Procuradoria-Geral da República (PGR) no período estiveram alinhadas a interesses do bolsonarismo, seja ao defender ou chancelar arquivamentos, ou encampando medidas processuais favoráveis ao clã. Já sob Lula — que escolherá um novo procurador-geral em sete meses —, a PGR mudou de tom e pediu a inclusão do ex-presidente no inquérito sobre os atos golpistas de 8 de janeiro, o que foi determinado pelo STF.

Das 184 ações esmiuçadas pelo GLOBO, em 18 não consta qualquer manifestação da PGR. Também há aquelas em que, ao longo da tramitação, o órgão se posiciona múltiplas vezes. O levantamento examinou, assim, 186 peças mais relevantes assinadas pelos procuradores. Em 134 ocasiões (72%), a PGR pediu a extinção do processo, e em outras 32 (17%) ela acatou decisões anteriores neste sentido do STF sem recorrer. Há, ainda, dez posicionamentos benéficos para Bolsonaro ou os filhos — como tentativas de retirar ações das mãos do ministro Alexandre de Moraes, desafeto declarado do ex-presidente.

— Pela Constituição, a PGR tem de ser independente. Só ela pode fazer acusações contra autoridades com foro, o que criou um gargalo institucional delicado — avalia Daniel Sarmento, professor de Direito Constitucional na Universidade estadual do Rio (Uerj) e ex-procurador da República, que enxerga um “alinhamento muito visível ao governo” em Aras. — São diversos fatos sem reação à altura, como a atuação criminosa na pandemia.

Ações contra a família Bolsonaro — Foto: Editoria de Arte

Temas ligados à Covid-19 são centrais em quase um terço das ações contra Bolsonaro. Em repetidas ocasiões, ao pleitear o arquivamento, a PGR ecoou argumentos do ex-presidente sobre a crise. “Autoridades em matéria sanitária divergem sobre várias questões, tais como eficácia do isolamento social e imunidade coletiva”, escreveu Aras em outubro de 2020, quando as orientações da ciência sobre distanciamento já eram conhecidas e amplamente hegemônicas.

Até deixar o cargo, Bolsonaro tornou-se alvo de um único inquérito aberto por iniciativa da PGR, que apura uma suposta interferência na Polícia Federal relatada por Sergio Moro ao deixar o cargo de ministro da Justiça — vice-procuradora-geral da República e vista como um dos nomes mais simpáticos ao ex-presidente no órgão, Lindôra Araújo pediu arquivamento do caso em setembro, a menos de duas semanas do primeiro turno. Outros quatro inquéritos foram iniciados no próprio STF ou em decorrência da CPI da Covid.

O único outro posicionamento da PGR contrário à família Bolsonaro diz respeito a uma petição que sequer virou inquérito, relativa a declarações do ex-presidente da Petrobras Roberto Castello Branco. Embora tenha solicitado, inicialmente, a oitiva de Castello Branco, Lindôra opinou pela extinção da ação após colher ela própria o depoimento.

Mudança de tom

Bolsonaro só foi enquadrado mais duramente pela PGR após sair do Executivo. Em 13 de janeiro, passados cinco dias dos ataques em Brasília, o subprocurador Carlos Frederico Santos, escolhido por Aras para acompanhar o caso, solicitou a inclusão do ex-presidente no rol de investigados como “instigadores e autores intelectuais dos atos antidemocráticos”, pedido que acabou aceito por Moraes. Santos anexou ao inquérito que tramita no STF uma petição assinada por 80 integrantes do Ministério Público Federal (MPF) que frisa que Bolsonaro “há anos ventila desconfiança quanto à confiabilidade” do sistema eleitoral e “se engajou em disseminar desinformação” sobre o Poder Judiciário, condutas que configurariam “uma forma grave de incitação, dirigida a todos seus apoiadores”.

Seis meses antes, a posição externada pela PGR quanto à postura de Bolsonaro era bem diferente. Ao opinar, em 6 de junho, pelo arquivamento de uma notícia-crime que enumerava ataques infundados do ex-presidente à confiabilidade das urnas, Lindôra defendeu que as declarações eram “mera crítica ao sistema eletrônico” e tinham a “pretensão de seu aperfeiçoamento”, estando “amparadas pelo princípio da liberdade de expressão” — valendo-se, mais uma vez, de uma retórica bolsonarista frequente. “Um simples discurso, meses antes do período de preparação das urnas, não tem potencial algum para impedir ou perturbar a eleição”, complementou a vice-procuradora.

Antecessor de Lindôra no posto, Humberto Jacques de Medeiros também já minimizou o impacto dos arroubos de Bolsonaro. Após o Sete de Setembro de 2021, quando o ex-presidente subiu o tom dos ataques, chamou ministros do STF de “canalhas” e ameaçou não cumprir determinações judiciais, o então vice-procurador argumentou que inferir do discurso uma sugestão de “abolição violenta do estado democrático de direito” — uma das tipificações na qual vêm sendo enquadrados os golpistas de 8 de janeiro — seria algo “vago e impreciso”.

Em outra ação sobre o penúltimo Dia da Independência, também rejeitada após sinalização da PGR, coube ao próprio Aras colocar panos quentes na beligerância bolsonarista. Ao se posicionar, o procurador-geral lembrou uma nota divulgada pelo ex-presidente dias depois da data, na qual buscou amenizar as declarações dadas no carro de som. Para Aras, Bolsonaro fez constar, no texto, “o respeito à democracia e às instituições” e “disposição ao diálogo permanente”, o que afastaria “o suposto conteúdo antidemocrático do discurso proferido”.

Aras tenta se cacifar à segunda recondução ao cargo, mas as chances de isso ocorrer são “praticamente nulas”, segundo interlocutores de Lula, como relatou a colunista Bela Megale. O petista, porém, sinaliza que vai repetir Bolsonaro em um aspecto: alvo da PGR no passado, em casos como o mensalão e a Lava-Jato, o presidente vem dizendo a aliados que, dessa vez, também deve ignorar a lista tríplice.

— A escolha dentro da lista evita que um presidente nomeie um procurador-geral só por estar alinhado com seus interesses, o que é algo condenável — diz Marco Aurélio Mello, que conviveu com Aras (cuja atuação ele chama de “técnico-jurídica”, mesmo “descontentando alguns”) como ministro do STF até se aposentar, em julho de 2021.

A Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) defende que a lista tríplice é o “mecanismo mais adequado para garantir a independência do MPF” e a “forma mais transparente de escolha do PGR”, representando o “fortalecimento das instituições e da nossa democracia”. É a ANPR quem apresenta os três nomes escolhidos após votação interna da categoria.

Procurada, a PGR informou que pediu a abertura de “pelo menos oito inquéritos” para apurar fatos envolvendo Bolsonaro ou “integrantes do primeiro escalão do governo”. O levantamento trata apenas de ações nas quais o próprio ex-presidente ou os filhos constam como alvo. O ex-ministro da Educação Milton Ribeiro, por exemplo, é investigado a pedido do órgão, que se opôs várias vezes à inclusão de Bolsonaro no inquérito.

A PGR também diz receber várias “representações repetidas”, que são por isso recusadas, e frisa que “a alegada atuação institucional alinhada ao governo federal” já foi “por diversas vezes respondida e desmentida”. O órgão pontua que “todas as manifestações apresentadas são fundamentadas” e, “em sua grande maioria, acolhidas integralmente”.

Brasil pode abandonar papel de pária e reviver protagonismo na ONU


Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, durante entrevista à Folha em seu gabinete em Brasília - Pedro Ladeira - 10.fev.2023/Folhapress

O histórico diplomático construído pelo Brasil em décadas de governos democráticos surpreendeu Estados que, nos últimos quatro anos, testemunharam o país liderar discussões contra direitos garantidos e se alinhar a ultraconservadores em pautas sobre direitos das mulheres, racismo e meio ambiente.

A partir desta semana, o Conselho de Direitos Humanos da ONU realizará sua primeira sessão do ano. O evento deve contar com a participação do ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania, Silvio Almeida, que tem se manifestado em defesa do retorno de políticas de promoção e proteção de grupos minoritários ou marginalizados.

Este será o primeiro grande discurso de uma autoridade do primeiro escalão do governo Lula na ONU, e o ministro já deverá indicar alguns dos posicionamentos esperados do país nas Nações Unidas.

Este ano, o Brasil não ocupará uma cadeira no Conselho de Direitos Humanos. A ausência faz parte do rodízio de mandatos e prevalecerá até o ano que vem, quando se tornará novamente candidato a uma das vagas para o mandato de 2024-2026, conforme já informou o Itamaraty. Entretanto, ainda será possível influenciar resoluções, propor debates e voltar a ocupar o espaço propositivo nas discussões.

Esta será a chance de retorno a debates urgentes, como a emergência climática, em que o país terá um papel importante a desempenhar, especialmente no que se refere à proteção da Amazônia e dos povos originários, e deverá se posicionar contra o negacionismo que coloca o meio ambiente, a vida e a dignidade de milhões de pessoas, com destaque às vítimas do racismo ambiental.

Há ainda o engajamento na pauta antirracista. Há oportunidade de convidar o novo mecanismo da ONU sobre justiça e igualdade racial na segurança pública para uma visita oficial, a fim de avaliar problemas decorrentes da violência institucional e do racismo estrutural. Mais de cem organizações solicitaram ao governo que convidasse o mecanismo a visitar o país. O Itamaraty, à época, não se manifestou.

Outro ponto que deverá ter destaque é a mudança de posicionamentos do país em relação a direitos sexuais e reprodutivos, alavancada pela retirada do Brasil do Consenso de Genebra, ainda nos primeiros dias do governo Lula. Trata-se da saída de uma aliança ultraconservadora antiaborto, proposta pelos EUA no então governo Trump.

Este será também o período em que o país se posicionará sobre o processo de Revisão Periódica Universal da ONU, iniciado em novembro de 2022, em que Estados-membros propuseram recomendações a serem adotadas pelo Brasil acerca da garantia dos direitos humanos.

O governo brasileiro deverá declarar quais serão as recomendações a serem seguidas nos próximos anos. O governo anterior, em linha com sua política anti-direitos, havia comunicado à ONU que não aceitaria recomendações que versavam sobre direitos sexuais e reprodutivos, rejeição ao marco temporal e fortalecimento do Conselho Nacional de Direitos Humanos. O novo governo deve reverter essa posição agora em que o processo da revisão se encerra oficialmente.

Nas próximas semanas, veremos quais compromissos o Brasil assumirá diante de atores internacionais na pauta de direitos humanos. Eles podem significar a retomada de protagonismo diplomático também em outros temas emergentes na esfera global, como o enfrentamento ao fascismo, o combate à fome e às desigualdades acentuadas durante a pandemia e a construção de acordo de paz entre Rússia e Ucrânia.

Esses esforços devem estar acompanhados de ações urgentes para enfrentar desafios domésticos, como a desintrusão de invasores em terras indígenas, a rejeição da tese do marco temporal, o combate à violência policial, a adoção de políticas de atendimento às vítimas e familiares de ações violentas de forças de segurança, a ampliação de ações afirmativas raciais e a defesa das instituições democráticas.

O protagonismo internacional pode e deve ser a mola propulsora da reconstrução da agenda de direitos humanos no Brasil, o que, por sua vez, dará lastro para uma política externa condizente com o Artigo 4 de nossa Constituição que prevê a prevalência dos direitos humanos em nossas relações internacionais.