Que o Brasil saiba desarmar a bomba do extremismo golpista que ele deixou antes de sair pela porta dos fundos do palácio e da História
O ano termina amanhã e, com ele, o mais desastroso governo do Brasil pelo menos desde a redemocratização. O país precisará, a partir de domingo, ser reconstruído em todas as suas esferas, das relações sociais à economia, passando por direitos humanos, educação, saúde, ciência, cultura, meio ambiente e todas as demais áreas da vida nacional.
Não será tarefa simples fazer as pessoas voltarem a confiar em vacinas e a seguir o calendário de imunização, mesmo de suas crianças. Parece trivial, mas dará trabalho voltar a reunir as famílias para almoçar sem que alguém levante dúvida sobre a segurança das urnas eletrônicas e a regularidade das eleições.
Levará tempo para que pais outrora moderados deixem de enxergar infiltrados comunistas nos professores dos seus filhos ou parem de bradar nos grupos de WhatsApp contra a ideologia de gênero nas escolas caras em que matriculam suas crianças, sem ter a mais pálida ideia de que bobagem estão falando.
A sociedade brasileira foi violenta e rapidamente radicalizada nos últimos quatro anos por Jair Bolsonaro, seus filhos e apaniguados. Alimentada à força com doses diárias e cavalares de teorias da conspiração incubadas no exterior e inoculadas aqui.
O resultado são esses danos graves no dia a dia da sociedade, mas também casos extremos como as células de terrorismo doméstico que estão espalhadas pela deep web ou acampadas em frente a quartéis.
Cada um dos 37 ministros que Lula terminou de escalar nesta quinta-feira terá de lidar, além dos assuntos de sua pasta, com a tarefa de fazer o Brasil voltar a dialogar em torno de ideias que, por mais divergentes, sejam ideias, e não teorias da conspiração ou negacionismo criminoso levados de contrabando para o debate público.
O responsável por degradar não apenas a Amazônia, o ensino e a cultura, mas a simples noção de que é possível dialogar com respeito e tolerância com quem pensa diferente, está prestes a sair de fininho, à francesa, enquanto deixa o circo que armou pegando fogo.
Não se pode dizer que Bolsonaro tenha chegado a governar, no sentido de todos os dias despachar questões administrativas, econômicas e políticas que digam respeito ao conjunto da população brasileira. Não. Foram quatro anos de construção de narrativas políticas, de destruição de instituições e consensos e de obsessão por se manter no poder, proteger a si e aos seus.
São esses os vetores que levaram o ocupante do Planalto até amanhã a se ausentar de maneira inédita e vexaminosa do governo que ainda levava seu nome pelos dois últimos meses inteiros de seu mandato.
Remoendo a derrota, maquinando viradas de mesa ou planejando a saída do país, pouco importa. É inacreditável que centenas de brasileiros ainda estejam dormindo em barracas em louvor a um político que chegou aonde chegou de forma incidental, se portou de maneira vil numa pandemia que ceifou mais de 694 mil vidas e, diante da derrota, age sem um pingo de hombridade.
Não houve nenhum governo impecável na História democrática do Brasil, antes e depois da ditadura militar. Cada um dos presidentes eleitos da República teve suas idiossincrasias, e cada ciclo foi marcado, em maior ou menor grau, por corrupção, fisiologismo, patrimonialismo e outras chagas históricas que o Brasil teima em não erradicar.
Lula, que retorna agora, cometeu erros históricos, imperdoáveis para quase metade da população brasileira, que não reconhece sua vitória e para quem ele terá obrigação de também governar, sob pena de vivermos novo ciclo de interdição da política e de paralisia econômica.
Mas ninguém desde a ditadura havia atuado deliberadamente para conspurcar o Estado Democrático de Direito. Que o adeus a Bolsonaro seja definitivo, e que o Brasil saiba desarmar a bomba do extremismo golpista que ele deixou antes de sair pela porta dos fundos do palácio e da História.
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