sábado, 24 de dezembro de 2022

O limite da liberdade nas redes



Ao suspender perfis de desembargadora em razão de postagens políticas, CNJ mostra que liberdade de expressão não é absoluta e que todos, especialmente autoridades, devem respeitar a lei

Existe hoje grande preocupação com o uso das redes sociais, em especial com o compartilhamento de notícias falsas, o respeito à privacidade e o zelo por um efetivo pluralismo. Constata-se um desafio cívico e educativo a respeito do exercício maduro e responsável da liberdade de expressão nas plataformas digitais. Vale lembrar que a Constituição de 1988 assegura a liberdade da manifestação de pensamento, mas veda o anonimato. Ou seja, a liberdade de expressão não é um mundo sem lei. Tem limites.

Importante para todos, o uso responsável das redes sociais reveste-se de especial gravidade quando se refere às autoridades públicas. Suas publicações têm um peso especial sobre o País e a vida da população, como se pôde observar nos últimos quatro anos. O presidente Jair Bolsonaro é exemplo do que não deve ser feito. Muitos de seus ataques, por exemplo, contra as eleições, as instituições democráticas, o conhecimento científico e adversários políticos tiveram origem em seus perfis nas redes sociais. Até mesmo seus aliados reconhecem que parte importante da rejeição popular a Bolsonaro se deve ao tom agressivo de suas publicações.

De toda forma, o assunto vai muito além do Executivo federal. O tema deve preocupar todos os que exercem cargos públicos. Afinal, sua atuação nas redes sociais tem necessariamente um caráter de exemplaridade: é sempre um exemplo, bom ou ruim, para o restante da população. A esse respeito, deve-se reconhecer que há muito a melhorar. Mesmo o Judiciário – que lida diariamente com a legislação brasileira e deveria ter, a princípio, uma compreensão qualificada sobre a liberdade de expressão e seus limites – tem gerado casos explícitos de uso inadequado das redes sociais.

No dia 13 de dezembro, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) determinou a suspensão, por parte das empresas responsáveis pelas redes sociais Instagram e Twitter, dos perfis de uma desembargadora do Tribunal Regional Federal da 1.ª Região (TRF-1) em razão de postagens políticas. A Constituição de 1988 proíbe aos juízes “dedicar-se à atividade político-partidária” e o Código de Ética da Magistratura Nacional assim dispõe: “A independência judicial implica que ao magistrado é vedado participar de atividade político-partidária”.

Proferida pelo corregedor nacional de Justiça, ministro Luis Felipe Salomão, a decisão determinando a suspensão dos perfis da desembargadora baseou-se no Regimento Interno do CNJ e no Marco Civil da Internet, que prevê casos de responsabilização civil de provedores de aplicações de internet. Reafirmando as liberdades de pensamento e de expressão – garantias constitucionais de todos os cidadãos, também dos magistrados –, Luis Felipe Salomão lembrou que esses direitos não são absolutos. “Devem se compatibilizar com os direitos e garantias constitucionais fundamentais dos cidadãos em um Estado de Direito, em especial com o direito de ser julgado perante um magistrado imparcial, independente e que respeite a dignidade do cargo e da Justiça”, disse o corregedor.

Muito oportuna, a decisão do CNJ é didática para todo o Judiciário. Há uma grande incompreensão prática sobre as redes sociais, como se elas não tivessem uma dimensão pública e, principalmente, como se a lei não vigorasse sobre o que é dito nelas. Requisito indispensável da magistratura, a imparcialidade fica prejudicada quando juízes emitem opiniões políticas em redes sociais.

Mas verificam-se abusos mesmo nos cargos sobre os quais não recaem as restrições próprias da magistratura. Nos últimos meses, por exemplo, foram frequentes os casos nas redes sociais de parlamentares agredindo adversários políticos ou difundindo desinformação sobre o sistema eleitoral e o Poder Judiciário. Existe imunidade parlamentar, mas não há autorização para delinquir, difamar ou ameaçar o funcionamento das instituições democráticas.

O uso responsável das redes sociais é um desafio de toda a sociedade. Por isso mesmo, as autoridades públicas têm de dar o exemplo. Não têm direito à molecagem ou à desfaçatez.

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