quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Prevaricação e omissão diante da barbárie fascistoide. Cana para vagabundos


Ônibus incediado por fascistoides em Brasília, diante do silêncio cúmplice do presidente da República e de outras omissões Imagem: Wilton Júnior/Estadão

Uma área de Brasília é transformada em praça de guerra. Criminosos incendeiam carros e ônibus — ameaçam jogar um deles de cima de um viaduto —, tentam invadir a sede da Polícia Federal. Depredam postes de iluminação e promovem o caos. Destacamentos da Polícia Militar do Distrito Federal reagem com bombas de gás também para se proteger. Por incrível que pareça, ninguém é preso em flagrante. Que os atos, de caráter explicitamente terrorista — entre outros crimes praticados — sejam orquestrados, não há a menor dúvida. Segundo a própria Secretaria de Segurança Pública, os bandidos estão entre os acampados às portas dos quartéis, em Brasília.

São aqueles "patriotas" que, segundo a nota conjunta dos comandos militares, emitida em 11 de novembro, estariam atuando dentro da lei. Escreveram naquele documento pusilânime: "Não constitui crime "a manifestação crítica aos poderes constitucionais nem a atividade jornalística ou a reivindicação de direitos e garantias constitucionais, por meio de passeatas, de reuniões, de greves, de aglomerações ou de qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais". Organizar-se, de forma ameaçadora e violenta, para pedir golpe de estado revela algum "propósito social"?

Bolsonaro está em silêncio. Bem, ele vem fazendo soar ao "apito de cachorro" desde a derrota justamente com esse propósito. O tal cacique Serene Xavante, que teve a prisão temporária decretada pelo Supremo a pedido da Procuradoria Geral da República, é só uma espécie de estandarte do movimento golpista. Abusa da sua condição de indígena para pregar e promover atos violentos, na certeza de que sua origem vai lhe garantir a impunidade. Liderou a obstrução ao acesso ao aeroporto de Brasília, comanda arruaças em shoppings, na Esplanada dos Ministérios e em frente ao hotel em que Lula, o presidente eleito, está hospedado. Ações dessa natureza têm um responsável político óbvio: chama-se Jair Bolsonaro.

Enquanto o pau comia em Brasília, onde estava o presidente da República, que não se manifestou até agora? A maior autoridade da República a se manifestar de pronto foi o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que, como sempre, em situações nessa natureza, reage com presteza. Afirmou nas redes sociais: "A depredação de bens públicos e privados, assim como o bloqueio de vias, só servem para acirrar o cenário de intolerância que impregnou parte da campanha eleitoral que se encerrou. As forças públicas de segurança devem agir para reprimir a violência injustificada com intuito de restabelecer a ordem e a tranquilidade de que todos nós precisamos para levar o país adiante".

Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, só se pronunciou 12 horas depois. Escreve hoje de manhã no Twitter:
"As manifestações fazem parte da democracia. A capital federal recebeu cidadãos de todo o Brasil que, há mais de um mês, vem se expressando de maneira ordeira. Repudio veementemente a desordem, a violência e o risco à integridade física ou de patrimônio público e privado. Deixo meu apelo para o Governo do Distrito Federal redobrar os cuidados com a segurança. Nossa tradição democrática passa pela ordem e pela paz."

Parece bom, mas não é. Dá uma piscadela aos atos violentos, golpistas, terroristas. Ocupar área de segurança dos quarteis, obstar o direito de ir e vir, promover atos de arruaça — mesmo quando não há violência explícita — em defesa do golpe de estado constitui uma penca de crimes, tipificados nos Artigos 286, 359-L, 359-M e 359-R do Código Penal, que também punem "a grave ameaça" quando o intuito é abolir o estado democrático de direito ou tentar depor um governo legitimamente eleito.

Há ainda a agressão à Lei 13.260, que disciplina e pune o crime de terrorismo. São atos terroristas:
"sabotar o funcionamento ou apoderar-se, com violência, grave ameaça a pessoa ou servindo-se de mecanismos cibernéticos, do controle total ou parcial, ainda que de modo temporário, de meio de comunicação ou de transporte, de portos, aeroportos, estações ferroviárias ou rodoviárias, hospitais, casas de saúde, escolas, estádios esportivos, instalações públicas ou locais onde funcionem serviços públicos essenciais, instalações de geração ou transmissão de energia, instalações militares, instalações de exploração, refino e processamento de petróleo e gás e instituições bancárias e sua rede de atendimento".

Existe excludente de ilicitude para a "conduta individual ou coletiva de pessoas em manifestações políticas, movimentos sociais, sindicais, religiosos, de classe ou de categoria profissional, direcionados por propósitos sociais ou reivindicatórios". Não é o caso do golpe de Estado.

Ontem, diante do ataque à sede da Polícia Federal e enquanto veículos ardiam em chamas, o senhor ministro da Justiça, Anderson Torres -- e a PF está subordinada à sua pasta --, manifestou-se no... Twitter. Uma reação preguiçosamente burocrática. Escreveu:
"Desde o início das manifestações em Brasília, o @JusticaGovBR , por meio da @policiafederal, manteve estreito contato com a @secsegurancadf e com o @Gov_DF , a fim de conter a violência, e restabelecer a ordem. Tudo será apurado e esclarecido. Situação normalizando no momento. Nada justifica as cenas lamentáveis que vimos no centro de Brasília. A Capital Federal tradicionalmente é palco de manifestações pacíficas e ordeiras. E seguirá sendo! Agradeço o empenho da @secsegurancadf e do @Gov_DF , por todo apoio à @policiafederal . Tudo será apurado".

Espantoso. O diretor-geral da PF, chefe do ente de Estado que estava sob ataque, não deu as caras.

SURREALISMO EXPLÍCITO
Sabem que compareceu a uma entrevista coletiva para assegurar que o presidente eleito estava bem, em segurança? Flávio Dino, futuro ministro da Justiça, a maior autoridade federal -- que ainda nem foi empossado -- a vir a público para assegurar que a ordem seria mantida. Vocês entenderam direito: diante do vazio, o ministro de um governo ainda a tomar posse, cujo mandato é contestado pelos fascistoides, teve de vir a público para falar em nome da ordem.

Estava acompanhado de Andrei Rodrigues, policial federal que cuida da segurança de Lula e que vai assumir o comando da PF tão logo o novo governo assuma. Com eles estava Júilio Danilo, secretário de Segurança do DF, que garantiu:
"A gente não vai tolerar. Aquelas pessoas que venham a ser identificadas serão responsabilizadas. A gente vai trabalhar, esse trabalho de identificar, foram feitas imagens, tem como a gente identificar".

PROPÓSITO CLARO
Até em veículos da outrora chamada grande imprensa leio artigos de delinquentes políticos, intelectuais e morais que tentam justificar que a simples pregação de golpe de estado, desde que não seja violenta, não constitui crime e é protegida pela "liberdade de expressão", como se a defesa, em tese, de um crime contra o estado democrático de direito não fosse uma etapa de um propósito. A ser assim, haveríamos de admitir na mídia brasileira a defesa do nazismo, da pedofilia ou do tráfico de órgãos. Sempre em tese, claro... E, para não variar, temos lá, a fazer proselitismo da barbárie, até veículos disfarçados de imprensa. Todos têm de ser devidamente responsabilizados por seus crimes.

Afirmou Moraes no discurso de diplomação de Lula, nesta segunda:
"Nas eleições de 2022, a presente diplomação tem um duplo significado, pois, além do reconhecimento da regularidade e da legitimidade da vitória da chapa do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e do vice-Presidente Geraldo Alckmin; essa diplomação atesta a vitória plena e incontestável da Democracia e do Estado de Direito contra os ataques antidemocráticos, contra a desinformação e contra o discurso de ódio proferidos por diversos grupos organizados que, já identificados, garanto serão integralmente responsabilizados. Para que isso não retorne nas próximas eleições."

Que assim seja! Garantir que os criminosos paguem por sua escolhas não é tarefa que cabe só ao Judiciário, ao Supremo em particular. Esse é um dever da cidadania. A cada um de nós cabe decidir em que sociedade quer viver: ou a da civilização democrática ou a da barbárie fascistoide.

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