sábado, 17 de dezembro de 2022

Irresponsabilidade em nome dos pobres (Editorial do Estadão)



Lula nunca desce do palanque. Ao discursar no Natal dos Catadores em São Paulo, não foi diferente. Além de chavões novos, como um governo com “um olhar humanista com o povo humilde”, poderia ter reeditado os velhos, como “incluir o pobre no orçamento”, “tirar milhões da miséria” ou até, por que não, o “churrasquinho com picanha”. Quem se oporia a essas promessas? Mais uma vez, porém, o presidente eleito antagonizou justiça social e responsabilidade fiscal. “A gente não cuida do pobre se ficar vendo estatística. Se ficar olhando para o orçamento, se ficar olhando para a política fiscal do governo, sempre haverá uma prioridade acima dos pobres.”

Ora, presidente, é precisamente o contrário. Para cuidar dos pobres, ou, melhor, tirá-los de vez da pobreza, é essencial olhar para o orçamento e a política fiscal. A razão é óbvia. Para fazer políticas sociais, sobretudo a mais eficaz e duradoura delas, a geração de empregos, é preciso ter dinheiro para distribuir e investir.

Lula deveria saber que a irresponsabilidade fiscal não é a solução, mas a raiz de todos os males. Afinal, foi ela que mergulhou o País na mais profunda recessão de sua história, dizimando empregos e recolocando o Brasil no Mapa da Fome. De fato, ele sabe. Tão bem que durante a campanha fez o diabo para esconder aquela que foi a responsável pelo descalabro das contas públicas, a sua criatura, Dilma Rousseff, a qual, por sua vez, fez o diabo para maquiar esse descalabro, nas chamadas “pedaladas fiscais”, que levaram ao seu impeachment. Mesmo eleito, Lula insiste em novas pedaladas eleitorais. O que eles sabem o povo brasileiro não esqueceu. Mas não custa lembrar.

Em seu primeiro mandato, Lula foi brindado com uma bonança perfeita: a herança bendita de FHC (o controle da inflação com o Plano Real, cimentado pelo tripé macroeconômico – meta para a inflação, câmbio flutuante e responsabilidade fiscal) – combinada a um superciclo das commodities. Nesse céu de brigadeiro, o governo ampliou programas assistenciais, impulsionou o consumo, ampliou gastos com os servidores e empregou bancos públicos para anabolizar empresas (os “campeões nacionais”), ao mesmo tempo que negligenciou as condições para um crescimento sustentável, como infraestrutura, produtividade e educação. Findo o ciclo, o PT dobrou a aposta: mais gastos, sem disciplina. O resto é história.

Segundo o FMI, no governo FHC e no governo Bolsonaro o crescimento da economia brasileira ficou cerca de 1 ponto porcentual ao ano abaixo da média dos países emergentes. Nos governos do PT ficou quase 2 pontos porcentuais abaixo, ou seja, um desempenho ainda mais medíocre do que a já medíocre média brasileira. Até agora, a única proposta econômica de Lula é um grande salto para trás: redobrar a aposta na “Nova Matriz Econômica”.

Sem equilíbrio entre receitas e despesas, o crédito público se esvai, a moeda se desvaloriza, a inflação sobe, os juros também, o consumo cai, a produção também e, finalmente, os empregos evaporam. Todo mundo empobrece, os pobres mais que os ricos, e falta dinheiro ao governo para ajudá-los. Por diversos que sejam os ingredientes das políticas econômicas populistas, a receita é sempre a mesma: vender uma satisfação instantânea e passageira sacrificando uma prosperidade estável e contínua. O que os demagogos dão com uma mão hoje, retiram em dobro com a outra amanhã.

Não há quem não se sensibilize com a miséria que se alastra a olhos vistos em um dos países mais desiguais do mundo. A população espera por programas sociais robustos e o contribuinte paga feliz por eles. Mas esses programas precisam ser sustentáveis. E essa sustentação depende de contas públicas equilibradas e de mais produtividade no mercado de trabalho. Mas, até agora, Lula e sua equipe não propuseram nenhuma política substancial nem em um sentido nem em outro. Gasto é “vida”, como dizia Dilma, mas só se for bem empregado, com recursos que existem, para gerar novos recursos. Senão, é miséria.

Responsabilidade social e responsabilidade fiscal não são, como sugere Lula, como água e óleo, mas só duas faces da mesma moeda.

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