quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Rosa demole bilhão por bilhão o "Orçamento Secreto". E se secreto não for?


Rosa Weber aponta a inconstitucionalidade do orçamento secreto na forma como existiu. Congresso promete mudar Imagem: Nelson Jr./SCO/STF

A ministra Rosa Weber, relatora de quatro ADPFs (Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental) contra o "Orçamento Secreto" — ou a forma que tomou as "emendas do relator" — não deixou pedra sobre pedra, ou bilhão sobre bilhão. Demoliu a golpes de argumentos certeiros e, entendo, irrespondíveis à excrescência erigida durante o governo Bolsonaro. A notar: Rosa desconstruiu a estrovenga na forma como existiu, não a proposta elaborada pelas Mesas da Câmara e do Senado que promete emprestar transparência às "emendas do relator". Antes que proferisse seu voto, ela acusou o recebimento do documento que lhe foi enviado pelo Congresso, mas notou que ele não tinha o condão de interromper o julgamento porque, por ora, é só uma declaração de intenção.

O que afirmou a ministra na leitura resumida do seu voto de 90 páginas?

- o "Orçamento Secreto" agride os princípios do Artigo 37 da Constituição, violando a isonomia, a impessoalidade e a publicidade da administração pública;

- de acordo com a Alínea "a" do Parágrafo 3º do Artigo 166 da Constituição, as emendas do relator destinam-se apenas à correção de erros e omissões, "vedada sua utilização indevida para o fim de criação de novas despesas ou de ampliação das programações previstas no projeto de lei orçamentária anual";

- a ministra aponta que a artimanha passou a servir ao propósito da barganha, na contramão das emendas impositivas individuais e de bancadas. Como estas não podem ser contingenciadas, as do relator se tornaram o "novo locus destinado às negociações reservadas à construção de base de apoio do governo no Congresso". Segundo ela, a prática "retrata apenas o fato de que a crise na relação entre o Executivo e o Legislativo tornou ainda mais caros e dispendiosos a manutenção de uma base presidencial de apoio parlamentar no Congresso e o custo da governabilidade no presidencialismo de coalizão";

- a relatora e presidente do Supremo destaca o óbvio: as "emendas do relator" não eram, afinal, do relator, mas atendia a demandas dos parlamentares, cujos nomes eram omitidos. E, viu-se depois, também havia as demandas externas: prefeitos, governadores e até servidores dos entes federados;

- a ministra avaliou que o procedimento é uma espécie de versão moderna das práticas nefastas dos anões do Orçamento, da máfia dos sanguessugas e do esquema de corrupção liderado por PC Farias.

- Rosa apontou ainda que se está diante de uma apropriação, pelo Legislativo, de uma prerrogativa do Executivo, com "prejuízo grave à efetividade das políticas públicas nacionais".

E, fiquem certos, ela não está sozinha. Seu voto vai triunfar? Vamos ver.

A PROPOSTA
Numa admissão, notada pela própria ministra, de que a coisa, como existiu, era mesmo inconstitucional, as Mesas da Câmara e do Senado prometeram à relatora uma nova disciplina no uso do dinheiro da rubrica "RP9", que tem reservados fabulosos 19,4 bilhões no ano que vem.

No projeto de resolução, que não amoleceu o coração de Rosa, a grana da RP9 ficariam assim distribuídos:
- 5% para o arbítrio do relator-geral;
- 7,5% para indicações da Mesa da Câmara;
- 7,5% para indicações da Mesa do Senado;
- os outros 80% seriam destinados às Câmara (dois terços) e ao Senado (um terço), distribuídas entre as respectivas bancadas, de acordo com o seu tamanho. A coordenação ficaria a cargo dos líderes. Os críticos apontam que haveria o risco de concentração de recursos nas mãos de uns poucos;
- em qualquer caso, 50% do valor das emendas seriam destinados à Saúde e à Assistência Social;
- não existirá a figura do usuário externo.

Será isso o bastante?

A ministra lembra também que os gastos públicos devem ser eficazes, conforme dispõe o Parágrafo 16 do referido Artigo 37 da Carta:
"Os órgãos e entidades da administração pública, individual ou conjuntamente, devem realizar avaliação das políticas públicas, inclusive com divulgação do objeto a ser avaliado e dos resultados alcançados, na forma da lei."

Os casos de mau uso do dinheiro oriundo do Orçamento Secreto povoaram de escândalos as páginas noticiosas. Mesmo com as autorias de emendas devidamente indicadas, resta uma questão: como impedir que bilhões sejam pulverizados de maneira desconexa, sem uma política pública que oriente esses gastos?

O QUE VAI SER?
O julgamento será retomado nesta quinta. A intenção dos ministros, tudo indica, é concluir a votação. Até porque se estima que, caso houvesse um pedido de vista, Rosa não hesitaria em conceder uma liminar suspendendo a execução das emendas.

Nesta quinta, o primeiro a votar é André Mendonça. É possível que venha com uma leitura alternativa à de Rosa. Há no tribunal quem considere, e o juízo faz sentido, que, se a Corte declarar a morte da RP9, ela será ressuscitada em alguma outra rubrica. E é bom notar que cabe ao Congresso elaborar o Orçamento. À Justiça tem de avaliar, quando acionada, se tal elaboração obedece à lei. Como existiu, reitere-se, a prática era absurdamente ilegal. O Congresso promete sanar os vícios, restando ainda sem resposta, a meu ver, a questão da eficácia do gasto público.

Vai aqui uma possibilidade, não uma torcida: o Supremo criar uma disciplina para o emprego transparente do valor previsto na RP9. Assim, em vez de o tribunal dizer um "não" que poderia levar o Congresso a apelar a forma oblíquas para deixar tudo como está, criar-se-iam regras para empregar aqueles bilhões. Com a máxima transparência possível. Nesse caso, é melhor a regra clara do que o desvio.

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