Quando mobilização das ruas arrefecer, permanência do movimento de extrema-direita dependerá do PL, da Justiça e dos aliados nos Estados
Qual o futuro do bolsonarismo? A questão, que será crucial para definir os próximos quatro anos e o ciclo eleitoral de 2026, compreende várias dimensões, e em nenhuma delas a resposta é simples.
Jair Bolsonaro se comporta, desde a derrota nas eleições, como se não fosse mais o presidente da República. A última vez em que falou ao público completa um mês neste sábado. Foi no vídeo em que, de camiseta à Volodymyr Zelensky, exortava os manifestantes a deixar as estradas.
Desde então, tem gastado o tempo com passagens esporádicas no Palácio do Planalto e postagens pretensamente enigmáticas nas redes, cujo efeito é apenas mostrar o fim melancólico de sua Presidência dois meses antes de acabar.
O tom cifrado sugere que haveria alguma bala na agulha para um golpe, isca com que pretende manter mobilizados os inocentes úteis que ainda se dispõem a tomar chuva em frente a quartéis.
O futuro do bolsonarismo enquanto movimento organizado de extrema direita depende de mais do que essa espuma. Pressupõe um partido que dê guarida a Bolsonaro e familiares e que os eleitos sob a sua liderança se mantenham leais a ele. Depende do desenrolar de ações na Justiça para aferir responsabilidades do futuro ex-presidente no curso do mandato e nos atos antidemocráticos e da forma como o próximo governo construirá a governabilidade.
No front da mobilização de ruas e redes, o movimento tende a perder tração inicial após 1º de janeiro, quando ficará claro que não há espaço para intervenção militar ou outra teoria conspiratória. A despeito de manifestações isoladas, as Forças Armadas deverão repetir o que fizeram as americanas e desembarcar dos devaneios golpistas do governante derrotado, escancarando sua solidão.
Nesse caso, restará a Bolsonaro contar com a guarida do PL de Valdemar Costa Neto e algum acordo para escapar das garras da Justiça, bem como com a lealdade dos bolsonaristas eleitos para o Congresso e os governos. Em todas essas frentes, ele deverá enfrentar consideráveis dificuldades.
Valdemar aceitou encenar a pantomima das urnas passíveis de fraude só no segundo turno e só na disputa para presidente, mas se deu mal e não deverá continuar nessa toada. A rapidez com que PP e Republicanos gritaram que não aceitavam dividir a conta do agrado a Jair fez cair a ficha no PL de que o tempo das bravatas acabou.
O partido deverá se concentrar na disputa das Mesas da Câmara e do Senado e na ocupação de espaços no Parlamento. Em breve passará até a negociar eventualmente com o governo Lula.
O que fazer com os bolsonaristas mais estridentes eleitos dentro de sua numerosa bancada? Na Câmara, o espaço de ação desses soldados é menor que o barulho em seus canais nas redes. No Senado não deverá ser muito diferente — a Casa até aqui tinha um contingente menor de expoentes ruidosos do bolsonarismo, que só foram mais vocais na CPI da Covid.
Haverá pressão forte sobre os governadores eleitos com o selo Bolsonaro. Ela tende a ser mais efetiva em estados menores, como Santa Catarina. Em Minas, Romeu Zema não só não é bolsonarista de nascença, como se elegeu no primeiro turno, antes de declarar apoio a Bolsonaro. Cláudio Castro, no Rio, também já tem demonstrado a pretensão de voos próprios.
A maior pressão se dará sobre Tarcísio de Freitas, que, na montagem do governo, tem equilibrado pratos entre nomeados próximos a si, de perfil técnico, bolsonaristas, outros ligados a Gilberto Kassab, aliado de primeira hora e alto poder de articulação política, e os tucanos, que chegaram para o segundo turno e até aqui vão ficando com o osso para roer.
E a Justiça? Parece ilusório contar com algum acordo que dê anistia a Bolsonaro. O gasto com advogados será outra conta que o PL pagará pela anabolizada que recebeu nas urnas, mas não deverá livrar o ainda governante de acertar contas pelos atos que cometeu e pelos que incentivou.
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