sábado, 10 de dezembro de 2022

Sem marola, Lula define os comandantes militares segundo regras da caserna


Da esquerda para a direita, o general Júlio Cesar de Arruda; o almirante de esquadra Marcos Sampaio Olsen e o brigadeiro Marcelo Kanitz Damasceno. Eles devem comandar as Forças Armadas

Por enquanto, Lula está fazendo a coisa certa: recebe a bola quadrada e a entrega redonda. Antes que ela quique à sua frente, com rumo incerto, ele mata a pelota, põe no chão e sai tocando. Tudo o que se espera de um governante ou homem de Estado é que não receba crises pequenas e as passe adiante imensas, quase fora do controle. Também nesse caso, o petista é o antípoda de Jair Bolsonaro, que jamais perdeu a oportunidade de piorar o que já era ruim.

Embora os psicopatas vivam prometendo a seus fanáticos uma "revolta amanhã", as Forças Armadas não vão se meter numa tramoia golpista — ou já teriam se metido, o que também lhes seria catastrófico, não apenas ao país.

Lula já definiu com José Múcio Monteiro, futuro ministro da Defesa, os respectivos nomes dos comandantes militares. Optou pela saída a mais convencional possível, independentemente de buchichos sobre as afinidades literalmente eletivas deste ou daquele. Assume o comando do Exército o general Júlio Cesar de Arruda, atual chefe do Departamento de Engenharia e Construção. O tenente-brigadeiro do ar Marcelo Kanitz Damasceno comandará a Aeronáutica. Hoje, ele é chefe do estado-maior da Força. O almirante de esquadra Marcos Sampaio Olsen, atual comandante de Operações Navais, passa a liderar a Marinha.

Todos são os oficiais-generais mais antigos. Ou quase. Olsen seria o segundo na lista, mas o primeiro, Renato Rodrigues de Aguiar Freire, foi designado para o Estado Maior das Forças Armadas, função que é exercida em rodízio pelas três Armas. Embora os militares prezem a assunção ao posto máximo do mais antigo entre os oficiais-generais, o chefe do Executivo não é obrigado a seguir a tradição da caserna. Se não o faz, os mais antigos, se preteridos para o comando, têm de passar para a reserva, o que implica novas promoções ao Alto-Comando.

Dado o modo como agem Lula e Múcio, não se cria instabilidade de nenhuma natureza. E se passa às Forças uma espécie de sinal de boa-vontade. E olhem que o ambiente está um tanto viciado. Baptista Júnior, comandante da FAB, está decidido a entregar o cargo ao mais antigo — justamente Damasceno, futuro nº 1 — antes do fim do fim do ano. Tentaram demovê-lo, mas foi inútil. Assim, é provável que a troca dos três comandos aconteça ainda neste mês, não em janeiro. É claro que há aí embutida uma espécie de afronta.

POR QUE TANTO AMOR?

Que coisa curiosa! O "mau militar" (segundo Geisel) Bolsonaro foi o único presidente que destituiu de uma só vez os respectivos comandantes das três Forças. Aconteceu no dia 30 de março do ano passado. Edson Leal Pujol (Exército), Ilques Barbosa (Marinha) e Antônio Carlos Bermudez (Aeronáutica) saíram à esteira da solidariedade ao general Fernando Azevedo e Silva, demitido do Ministério da Defesa. Com o país vivendo os piores dias da segunda onda da Covid, o chefe exigia que o ministro e as Forças se alinhassem com ele em sua leitura da crise na Saúde, que, se levada a sério, tinha a perspectiva, sejamos claros, de um verdadeiro homicídio em massa.

Não era só isso. Ele queria que Azevedo e Silva desse a cabeça de Pujol — os outros dois poderiam ficar se quisessem. O ministro disse "não" outra vez. E aí foi para a rua. O então comandante do Exército sabia que era um dos pivôs da crise e decidiu sair. Seus pares se solidarizaram.

Braga Netto foi nomeado para a Defesa — e dali para candidato a vice. Posteriormente, Paulo Sérgio Nogueira, que, com reputação de legalista, recebera o Comando do Exército, foi escalado para a pasta. Seu comportamento como ministro se tornou tristemente célebre na relação com o Tribunal Superior Eleitoral, alimentando, ainda que de maneira velada, teorias conspiratórias sobre as urnas eletrônicas.

No dia 11 de novembro deste ano, sob o pretexto de criticar eventuais excessos de manifestantes inconformados com o resultado das eleições, os comandantes militares emitiram uma nota — como se fosse seu papel — em que confundiam pregação golpista com direito à livre manifestação em que ousavam fazer uma leitura muito própria sobre o papel dos Poderes da República. Outra óbvia herança maldita dessa gestão, pois, é a politização dos quartéis.

OS DEFENESTRADOS

O "capitão", note-se, parece ter certa paixão por destratar generais que foram chamados para o primeiro ou segundo escalões. Antes de Azevedo e Silva, já tinham sido defenestrados Santos Cruz (Secretaria-Geral); Rego Barros (porta-voz); Maynard Marques de Santa Rosa (Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência -- este se demitiu); Franklimberg de Freitas (Funai), Juarez Cunha (Correios), João Carlos Jesus Correia (Incra), Marco Aurelio Vieira (Secretaria Especial do Esporte) e Joaquim Silva e Luna (Petrobras).

Já imaginaram Lula a fazer gato e sapato de nove generais guindados a postos importantes do Executivo ou, então, a pressionar o ministro da Defesa pela destituição do comandante do Exército? Ainda que o mandatário tenha atendido aos clamores corporativistas da soldadesca na reforma da Previdência, a verdade é que a sua relação com os militares pode ser tachada de tudo, menos de respeitosa.

E Lula, que agora conduz com o devido cuidado a troca dos respectivos comandos? Foi o presidente que mais investiu no aparelhamento das Forças Armadas — e, como sempre, desafia-se aqui a que se evidencie o contrário. Também não vale o argumento surrado de que as restrições a seu nome se devem ainda a questões éticas oriundas das ilegalidades cometidas pela Lava Jato. Para tanto, seria preciso evidenciar que o pai de Flávio, em contraste, está destinado a virar estátua em homenagem à ética.

"Ah, Reinaldo, as restrições são oriundas lá da instalação da Comissão Nacional da Verdade, em 2012..." É mesmo? Comissão que não puniu ninguém porque, de resto, nem tinha poderes para tanto? Sei não... Tudo indica que Bolsonaro despertou nos chamados "setores castrenses" a ideia de que poderiam voltar a comandar o país, mas por intermédio de eleições, não de golpe. Quando ele os convidou para golpear as eleições, perceberam que estavam numa sinuca: não tinham como realizar o feito, mas apostaram na sobrevida do "capitão". Deu errado.

É hora de os militares voltarem para os quartéis, atendo-se a suas funções constitucionais. Lula, insiste-se, tomou a decisão de evitar turbulências, no que fez bem. Cumpre agora que nós todos, como sociedade, por intermédio da luta política, comecemos a nos indagar que tipo de militar queremos: o que serve ao Estado brasileiro ou o que se subordina a projetos políticos? O debate tem de começar já.

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