Um urubu de verdade decide pousar nas imediações do Supremo. Os urubus metafóricos tentam intimidar o tribunal em sua sanha golpista |
Os que se alinham com o estado de direito, com a Constituição e com os códigos infraconstitucionais que garantem a ordem democrática se congratulam com o ministro Alexandre de Moraes e com o STF e torcem para que Valdemar Costa Neto e a canalha golpista que ontem se aboletou no senado, entre outros, gozem da oportunidade a alguns anos de reflexão: na cadeia. Jair Bolsonaro tem de liderar a fila. Não existe direito no abuso do direito.
As críticas que alguns autointitulados liberais fazem à atuação do ministro em particular e do tribunal como um todo no combate aos golpistas já não podem, a esta altura, se esconder nem na boa intenção nem na evocação de princípios. Seriam parceiros do golpismo todos aqueles que apontam exageros nas decisões do ministro? Se a tanto não chegam, cumpre que lhes perguntemos: é o melhor que podem oferecer contra a tramoia fascistoide?
Notem que escrevo "autointitulados" em vez de "falsos" porque não me considero nem juiz nem certificador do liberalismo alheio. A extrema-direita asfixiou os liberais que se deixaram asfixiar, empurrando-os para uma espécie de Frente Anti-STF, em companhia de brucutus. E muitos, inclusive na imprensa e no colunismo, não resistiram e não resistem à tentação de tirar uma casquinha da "impopularidade" dos magistrados, que começaram a ser hostilizados por Jair Bolsonaro antes mesmo que vencesse a eleição de 2018. Como esquecer Eduardo, um dos filhos, a ameaçar o tribunal com um soldado e um cabo, sem nem um jipe? O primeiro ato golpista, lembro sempre, se deu no dia 26 de maio de 2019. A Corte ainda não havia contrariado o governo em julgamento nenhum.
Cá comigo, no que respeita às convicções, atenho-me mais às coisas do que as palavras. Lá vou eu de Bíblia. É ampla a porta da perdição e estreita a que conduz à vida e à salvação, como quer São Mateus. O que distingue o cordeiro do lobo devorador é a obra, o fruto, não a parolagem. Não se colhem uvas de espinheiros. E, agora sim, aplico o credo à virtude civil: o liberal que confunde pregação golpista com liberdade de expressão é um devorador de democracia, ainda que se apresente como prosélito dos direitos individuais. Pretende, inutilmente colher figos entre ervas daninhas. O liberal salta-pocinhas vira aliado do candidato a tirano com seu farisaísmo principiológico, assim como os embusteiros mancham a ciência com suas fraudes e os falsos profetas desmoralizam o verbo divino com suas prefigurações irrealizáveis e argentárias.
Não estou aqui a pedir que, em defesa das instituições, se condescenda com eventuais ilegalidades praticadas por ministros do tribunal. Quais? Jamais tolerei a sem-vergonhice da Lava-Jato, como fizeram muitos dos "principistas" de agora, sob o pretexto de combater a corrupção. O paralelismo, observo, seria falso. A operação fraudou a lei, o processo e o estado de direito. O tribunal apenas dá consequência ao Preâmbulo e ao Artigo 1º da Constituição, que sintetizam os valores que nos guiam. Logo, só uma besta ou um canalha pregam omissão diante de golpistas em nome da liberdade de expressão (Artigo 5º) ou do repudio à censura (Artigo 220). Tratar-se-ia de uma aberração teleológica, como se a Carta pudesse abrigar a sua própria destruição.
O Artigo 323 do Código Eleitoral pune a divulgação de notícias sabidamente falsas, e os Artigos 286 (Parágrafo Único), 359-L, 359-M e 359-R do Código Penal tipificam os crimes contra a ordem democrática. E então gritam nervosamente alguns liberais que comem figos de espinheiros: "Mas onde está escrito que é possível suspender um perfil nas redes, por exemplo?" Respondo assim: está no fato de que inexiste direito no abuso de direito, conforme já reza nossa legislação. Falo da Constituição, do Código Civil, do Código de Processo Civil, do Código Penal (o que são os crimes contra a honra, por exemplo?) e até do Código de Defesa do Consumidor. Isso não impede que o Legislativo avance na tipificação das "fake news" e na responsabilização das plataformas por veiculação de mentiras ou de pregação golpista. Nesse caso, a regulação começa onde falha a autorregulação.
Moraes, por exemplo, recusou a ação picareta do PL sobre as urnas eletrônicas; multou o PL em quase R$ 23 milhões por litigância de má-fé; determinou ao TSE o bloqueio do Fundo Partidário da legenda até o pagamento da multa; pediu que o tribunal apure se Costa Neto, presidente do PL, e Carlos César Moretzsohn Rocha, o dono do tal Instituo Vote Legal desviaram recursos públicos do fundo e pediu a remessa dos autos para o Inquérito 4.874, de que é relator, que investiga as milícias digitais. Por que o fez? Porque inexiste direito no abuso de direito.
É claro que a fascistada tentará desestabilizar o próximo governo abusando de expedientes ilegais porque é o que já faz agora ao não reconhecer o resultado das urnas. O STF seguirá sendo uma barreira de contenção, é certo, mas essa é uma tarefa de todos os democratas. Liberais do miolo mole querem ver direito no abuso de direito. Estão criando corvos, e liberais não são.
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