sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

Retrocesso com a marca do PT (Editorial do Estadão)



O PT não entendeu nada quando o governo de Fernando Henrique Cardoso propôs a criação das agências reguladoras. Fez ferrenha oposição. O partido de Lula via nessas autarquias apenas uma diminuição do poder do Executivo, sem compreender que elas fortalecem a capacidade do Estado de assegurar serviços públicos de qualidade à população. Se alguém tinha alguma dúvida sobre isso, a pandemia de covid-19 sob a gestão de Jair Bolsonaro escancarou a importância de ter, por exemplo, uma Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) forte e independente.

Agora, Lula e o seu partido dão mostras de que também não entenderam nada a respeito da Lei das Estatais. Veem as restrições fixadas pela Lei 13.303/2016 como meros mecanismos de criminalização da política. Na terça-feira, a bancada do PT na Câmara apoiou em peso a flexibilização da Lei das Estatais, que altera, entre outros pontos, a quarentena de quem tenha atuado em campanha eleitoral para assumir cargo de administrador ou conselheiro de empresa pública ou sociedade de economia mista. O prazo atual é de três anos. A proposta reduz a quarentena para 30 dias.

Pelo visto, Lula, que se considera tão hábil articulador político, não se deu conta de que as flexibilizações aprovadas de supetão na Câmara não fortalecem seu governo. Elas fazem precisamente o contrário, abrindo espaço para o apetite do Centrão, que terá mais postos a exigir na estrutura da administração federal. Na votação de terça-feira, a Câmara dos Deputados também reduziu de 3 anos para 30 dias a quarentena para indicações a agências reguladoras.

De fato, a Lei das Estatais foi aprovada num cenário político específico, após os escândalos revelados pela Lava Jato. O País estava enojado com o que o PT e outros partidos tinham feito com as estatais e as empresas de capital misto. Era preciso dar um basta àquela farra envolvendo loteamento político de cargos nessas empresas. O remédio foi ampliar a distância entre a política e esses cargos, estabelecendo, entre outros pontos, quarentenas e requisitos mínimos de experiência e de competência.

No entanto, a Lei 13.303/2016 não é mero fruto da Lava Jato, como se, transformadas as circunstâncias políticas, fosse necessário também, imediatamente e sem maiores reflexões, mudar a Lei das Estatais. Ela é um marco jurídico importante, que protege a missão e o bom funcionamento das empresas públicas e de capital misto. Não foi uma resposta imediatista a pressões da opinião pública, mas resultado de amplo estudo sobre a realidade brasileira e as melhores práticas internacionais. Nesse sentido, a flexibilização da lei aprovada na Câmara é diametralmente oposta ao discurso petista de valorização das estatais.

Relator do projeto que deu origem à Lei das Estatais, o senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) qualificou a mudança em curso no Congresso de “retrocesso histórico na vida das estatais brasileiras rumo à República das Bananas”. Alertou ainda para o fato de que a flexibilização deixa a “porta aberta para todo tipo de coisas não republicanas”. Certamente, uma vez aprovada a alteração, o Centrão terá muito mais a pedir ao presidente eleito, por exemplo, na negociação da PEC da Transição. A estimativa é de que, com a mudança da Lei 13.303/2016, duas centenas de cargos em estatais e agências reguladoras estarão disponíveis a políticos.

A confirmar que a flexibilização almejada está longe de representar um aperfeiçoamento da lei – é escancarado desmantelamento de sua finalidade –, o texto aprovado pelos deputados também aumenta de 0,5% para 2% da receita operacional o limite das despesas com publicidade e patrocínio de empresas públicas e de capital misto. Essa liberação de publicidade “não é um jabuti”, e sim “um elefante colocado e pendurado na árvore”, como disse Tasso Jereissati. “Estranhíssimo ter entrado neste momento.”

Loteamento político não fortalece nenhum governo. Antes, deixa-o refém moral e politicamente. Pelo visto, Lula não se importa de ter isso desde o início do seu terceiro mandato. Não é um bom começo.

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