As bondades eleitorais falharam, a demagogia fracassou e o presidente Jair Bolsonaro foi derrotado, mas governos estaduais continuam pagando o preço de uma desastrosa jogada populista. Com apoio de congressistas também atraídos por soluções fáceis e erradas, o presidente da República promoveu a desoneração fiscal de combustíveis, energia elétrica e telecomunicações. Para agradar a consumidores, taxistas e caminhoneiros, decidiu-se aprovar, em Brasília, uma redução de alíquotas do tributo estadual mais importante, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Numa evidente violação do princípio federativo, autoridades federais cortaram dezenas de bilhões de reais da arrecadação estadual, privando os Estados de recursos essenciais para serviços como educação, segurança e saúde.
Efeitos efêmeros e ilusórios dessas medidas apareceram, durante alguns meses, nos preços de combustíveis e nos indicadores de inflação. Durante algum tempo, o presidente pôde alardear seu esforço anti-inflacionário, como se fosse possível combater o desajuste dos preços com medidas voluntaristas e de curto alcance.
A fantasia logo se dissipou, porque permaneceram, no mercado internacional e no Brasil, as causas do encarecimento de bens e serviços. A ilusão acabou, mas permaneceu a perda causada aos Estados e também aos municípios, porque a estes é destinada uma parcela da arrecadação do ICMS. Permaneceu para governadores e prefeitos o desafio de cumprir seu papel com menos dinheiro. Para as populações sobraram os danos ocasionados pelo ataque aos cofres estaduais e municipais.
Sem grandes alternativas para normalizar suas finanças, governos de alguns Estados – Pará, Piauí, Paraná e Sergipe – encaminharam às Assembleias propostas de elevação de tributos. Divulgado depois dessa iniciativa, um trabalho do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz) deu uma primeira indicação das mudanças necessárias para restabelecer a arrecadação. A recomposição da receita poderá ser alcançada, de acordo com esse estudo, se os Estados aumentarem a alíquota média do ICMS de 17,5% para 21,5% a partir de 2023. Essa alíquota média, ou padrão, proporciona cerca de um terço da receita anual do ICMS.
Outras medidas, como a redução ou a eliminação de benefícios setoriais, também podem reforçar a arrecadação, mas dependerão do exame das condições e das possibilidades de cada Estado.
É muito difícil, de fato, pensar em formas adequadas de compensar os estragos causados pela ação demagógica do presidente Jair Bolsonaro e de seus aliados no Congresso. Durante mais de meio século, governos estaduais ajustaram o ICMS a suas políticas de desenvolvimento e de atenção a necessidades setoriais e sociais. Algumas dessas ações, como a concessão de facilidades fiscais para atrair investimentos industriais e reduzir as desigualdades entre regiões, ocasionaram disputas políticas e judiciais e foram criticadas como causadoras de distorções e de má alocação de recursos. Algumas dessas críticas eram bem fundamentadas, mas, apesar disso, as estratégias de desenvolvimento regional produziram algum resultado.
Sem grande sucesso, houve tentativas de eliminar por meio de leis federais a guerra fiscal entre Estados. Mas, ao longo dessas disputas e tentativas de apaziguamento, o princípio federativo foi mantido.
Até atos defensáveis em outras circunstâncias foram realizados de forma errada, nos últimos anos, pelo poder federal. Havia argumentos ponderáveis a favor da redução do ICMS sobre combustíveis e energia elétrica. Mas essa alteração só seria realizável de forma adequada como parte de um redesenho mais amplo e bem calculado – nunca de forma improvisada e demagógica, como se viu. Mas quem poderia, no Executivo federal, propor essa mudança planejada, funcional e economicamente benéfica? Não seria, com certeza, o titular da Economia, Paulo Guedes, um raro exemplo de ministro capaz de chefiar essa área por quatro anos sem jamais formular um projeto de política econômica.
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