Lula anuncia que não haverá mais privatizações, como se todas as atuais estatais fossem imprescindíveis – e como se não estivesse faltando dinheiro até para financiar o básico
A confirmação de Mercadante para o cargo despertou o temor de que a instituição retome a concessão de empréstimos subsidiados pelo Tesouro, marca da gestão Dilma Rousseff. Antecipando-se a esses rumores, o ex-senador procurou a Federação Brasileira de Bancos (Febraban) para passar algumas mensagens. Além de garantir que o governo eleito não iria reeditar essa prática, ele assegurou que o BNDES não tem competência para alterar a Taxa de Longo Prazo (TLP), indicador que hoje baliza o custo dos financiamentos do banco.
Embora tenha falado muito sobre aquilo que não vai fazer, Mercadante pouco disse sobre o que pretende executar à frente do BNDES. Defender uma participação mais ativa do banco em temas como descarbonização e transição energética, como ele mencionou na conversa à Febraban, é uma agenda óbvia diante do protagonismo conquistado pelo País nos últimos 50 anos. Por tudo isso, o que enseja preocupações reais sobre o futuro do BNDES é o discurso categórico de Lula contrário às privatizações. Afinal, se o conceito de “fábrica de projetos” que orientou a atuação do banco será abandonado, qual será o novo papel do BNDES no governo Lula?
Pela Lei do Programa Nacional de Desestatização (PND), o BNDES é o coordenador das privatizações em âmbito federal e é contratado como estruturador nos processos conduzidos pelos Estados e municípios. A venda de empresas como Vale, Telebras e Eletrobras contou com participação direta da instituição, além da privatização de bancos estaduais e de distribuidoras de energia. O BNDES colaborou também ativamente na contratação de estudos para os processos de concessão de rodovias, portos, ferrovias e aeroportos. Atualmente, está envolvido em projetos de desestatização nas áreas de saneamento, gás natural, florestas e parques, entre muitos outros setores.
A Constituição é muito clara ao restringir, em seu artigo 173, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado ao atendimento dos imperativos da segurança nacional e do relevante interesse coletivo. Dado que não há muitas dúvidas sobre questões relacionadas à segurança nacional, o que explica o fato de o País ter hoje mais de 100 estatais federais é a ampla interpretação que diferentes governos deram ao conceito de interesse coletivo.
Se há disposição do setor privado para prestar um determinado serviço, as condições excepcionais para que o Estado o execute não estão postas – e ainda que no passado a ausência desse interesse possa ter justificado a criação de uma estatal, a história mostra que a manutenção de uma empresa pública pode perder o sentido com o passar do tempo.
O papel exercido pelo BNDES no apoio aos processos de desestatização, no entanto, certamente é uma das atividades que podem ser consideradas insubstituíveis para todo o setor público e a sociedade. Bem mais barato e muito mais efetivo do que recriar o conceito do Estado empresário – seja como dono de estatais, seja como sócio de grandes empresas – seria manter a atuação do BNDES nessa área e, em paralelo, reservar mais recursos para agências reguladoras, fortalecendo a função do Estado na regulamentação e na fiscalização do setor privado.
Tratar a temática das privatizações de forma tão dogmática é absolutamente irreal e custoso, considerando a escassez de recursos do País para garantir até mesmo o Bolsa Família. É tão absurdo quanto o plano defendido pelo governo Jair Bolsonaro e por seu ministro da Economia, Paulo Guedes, que também tratava o tema das privatizações como dogma, mas no exato sentido oposto. Os resultados dessas visões de mundo tão diversas sobre o papel do Estado são incontestáveis e, em ambos os casos, muito ruins.
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