sexta-feira, 18 de novembro de 2022

A ignorância de Lula sobre o mercado (Editorial do Estadão)



O presidente eleito mostra desconhecimento, ingenuidade e preconceito ao comentar a reação ‘especulativa’ do mercado às suas falas imprudentes sobre disciplina fiscal

Como cidadão, o senhor Luiz Inácio Lula da Silva pode abominar o mercado, achar desprezível o jogo dos preços e comprar arroz, feijão, farinha, sapatos e medicamentos como se fossem produzidos, normalmente, sem a combinação de expectativas de mercado, estimativas de custos, tendências dos juros e, em muitos casos, de prospecções geopolíticas. É muito diferente, no entanto, a situação de um presidente eleito. Quem vai governar um país deve mostrar bom senso, realismo e conhecimento de fatos básicos do mundo real, mesmo sem formação especializada em assuntos econômicos, agronômicos, industriais, militares, legais, diplomáticos, sanitários e educacionais. O mercado, um ente às vezes mal compreendido e nem sempre visto com simpatia, é um componente dessa realidade.

Tendo sido líder sindical, parlamentar e presidente da República por dois mandatos, o vencedor da última eleição presidencial deveria mostrar-se mais familiarizado com esse fato. No entanto, o presidente eleito Lula da Silva tem agido, de forma insistente, como se fosse um recém-chegado ao mundo da responsabilidade pública e das grandes decisões. O tal mercado normalmente reage às declarações e ações de quem exerce ou vai exercer uma função relevante. Reações são especialmente compreensíveis quando essa função é a Presidência da República.

Qualquer pessoa com informação suficiente sobre o dia a dia dos negócios deve ser capaz de entender, portanto, os choques motivados por palavras desastradas de um cidadão recém-escolhido para governar o País.

Palavras desastradas têm sido fartas nos pronunciamentos do presidente eleito. Nada mais previsível que ações em queda e dólar em alta quando ele deixa antever qualquer desmando na condução das finanças públicas. No dia 10, ele falou da “tal estabilidade fiscal” como se fosse um assunto secundário. Diante da repercussão, acusou o mercado de ficar nervoso “à toa”. Mas as declarações infelizes têm mostrado mais que descuido ou imprudência. Revelam desconhecimento e preconceito.

Sim, o experiente político Lula mal conhece o mercado, ignora seu funcionamento e é preconceituoso em relação aos critérios de quem participa do jogo – nas finanças, na indústria, na agropecuária e nos serviços. Essa ignorância foi exibida, de forma inequívoca, na quinta-feira, quando ele se referiu à especulação: “Se eu falar isso, vai cair a bolsa, vai aumentar o dólar. Porque o dólar não aumenta e a bolsa cai por conta das pessoas sérias, mas por conta dos especuladores que vivem especulando todo santo dia”.

Ao revelar sua visão ingênua da especulação, o presidente eleito escancara seu despreparo para cuidar de certos assuntos e um preconceito surpreendente. Especulação, em sentido próprio, é, sim, coisa de gente séria. Quem toma decisões com base na avaliação de hipóteses, na ponderação de sinais às vezes muito limitados e em probabilidades às vezes mal conhecidas está especulando.

Uma alteração repentina do tempo no Brasil, na Austrália ou na Argentina pode motivar uma revisão das projeções no mercado agrícola no qual safras são negociadas desde antes do plantio, com preços sujeitos a muitos fatores, como chuvas ou estiagens fora dos padrões esperados ou mudanças nas políticas de juros.

Não só grandes negociantes participam do jogo. Um pequeno produtor de feijão leva em conta fatores bem definidos, como a política de preços mínimos, e outros bem menos seguros, como a expectativa de mercado, ao decidir a extensão do novo plantio. Com ou sem lances espetaculares, decisões baseadas em projeções, expectativas e às vezes em apostas elementares podem ocorrer em muitos mercados – nos de moedas, de ouro, de títulos públicos e privados, de combustíveis, de minerais estratégicos e de alimentos. Parte do dinheiro movimentado nesse cassino acaba financiando a produção valorizada por quem condena a tal especulação. Talvez algum economista do PT conheça esses fatos. Se passar a informação ao seu líder, poderá poupá-lo de novas demonstrações de apedeutismo.

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