quinta-feira, 24 de novembro de 2022

Generoso, Xandão dá corda; Valdemar se enforca. Entenda decisão do ministro



Valdemar Costa Neto, presidente do PL, resolveu cutucar Xandão com vara curta. E pode se dar muito mal. Ontem, Alexandre Moraes, ministro do STF e presidente do TSE decidiu, dentro dos mais rigorosos princípios legais:

- multar a coligação "Pelo Bem do Brasil" (PL, PP e Republicanos) em 22.991.544,60 por litigância de má-fé;
- determinou ao TSE o bloqueio do Fundo Partidário das três legendas até o pagamento da multa;
- pediu que o tribunal apure se Valdemar e Carlos César Moretzsohn Rocha, o dono do tal Instituto Voto Legal, desviaram recursos do fundo, que é público;
- determinou a remessa dos autos para o Inquérito 4.874, de que é relator, que investiga as milícias digitais;
- deixou claro que os envolvidos podem ter de responder por atos atentatórios ao Estado de direito.

OS DESCALABROS
Vamos entender o que aconteceu e a natureza da decisão?

Em nome da coligação "Pelo Bem do Brasil", Valdemar teve o despropósito de recorrer ao TSE na terça com um requerimento em que pede que todas as urnas anteriores a 2020 sejam simplesmente invalidadas na disputa pelo segundo turno. E, claro!, a medida só valeria para a disputa presidencial.

A coligação, liderada pelo PL, se ancora numa auditoria picareta feita pelo tal Instituto Voto Legal, que pertence a Moretzsohn, bolsonarista conhecido. A insanidade é de tal sorte que seriam consideradas apenas 40,82% das urnas e descartadas 59,18% delas. Vocês entenderam direito. Por essa conta, a petição de Valdemar não teve pejo de afirmar que o presidente seria reeleito com 26.189.721 votos, contra 25.111.550 de Lula (51,05% a 48,95%). Vocês não surtaram: o pleito deste ano contou com 118.552.353 votos válidos no segundo turno. Os lunáticos reivindicam que se jogue no lixo nada menos de 67.251.082. Parece que o golpista precisa dizer a si mesmo que venceu o petista, nem que seja desse modo, para tentar sair da catatonia.

Se acontecesse, o presidente seria reeleito com 22% dos votos dos que compareceram às urnas e com 16.73% do total do eleitorado. É o Brasil que querem.

MUDAR A PETIÇÃO?
Bem, meus caros, dizer o quê? De saída, Moraes fez a coisa certa, ao contrário do que dizem certos advogados de extrema-direita, coisas que não me parecem compatíveis à luz do... direito. Deu uma resposta imediata a Costa Neto -- legalmente, à coligação. Dado, o que é fato inquestionável e irrespondível, que também o primeiro turno do pleito contou com as mesmas urnas -- quando se elegeram deputados estaduais, federais, senadores e governadores -- e que o segundo turno também definiu alguns futuros chefes dos Executivos estaduais, ou bem a requerente questionava igualmente o primeiro turno, que deu ao PL de Valdemar 99 deputados e 8 senadores, ou a petição seria de pronto rejeitada.

Ao contrário do que disseram alguns tontos ou falsos sonsos, o ministro não tentou se meter na petição de ninguém. Valdemar e sua turma continuavam livres para manter os termos da inicial — que, sabiam, seria rejeitada pelo ministro. Talvez não contassem com as consequências ao deixar a má-fé em letra impressa. Costa Neto insistiu, por razões óbvias, na anulação das urnas apenas no segundo turno, deixando para o TSE estender ou não a decisão caso aceitasse o pleito. Ora...

É claro que Moraes recusaria o pedido, ainda que Valdemar incluísse no rolo o primeiro turno (o que ele não faria sem causar um terremoto na sua própria base), mas tenho cá as minhas dúvidas se o ministro imporia aos peticionários consequências tão severas. E necessárias!

AS CONSEQUÊNCIAS VIERAM DEPOIS
Ao verificar que a coligação insistiu na anulação das urnas somente no segundo turno da eleição presidencial, escreveu o ministro:
"A total má-fé da requerente em seu esdrúxulo e ilícito pedido, ostensivamente atentatório ao Estado Democrático de Direito e realizado de maneira inconsequente, com a finalidade de incentivar movimentos criminosos e antidemocráticos que, inclusive, com graves ameaças e violência, vêm obstruindo diversas rodovias e vias públicas em todo o Brasil, ficou comprovada, tanto pela negativa em aditar-se a petição inicial, quanto pela total ausência de quaisquer indícios de irregularidades, a existência de uma narrativa totalmente fraudulenta dos fatos".

Moraes está aludindo aqui a tipos penais com penas bastante duras. Falo adiante.

A MULTA
A muitos estranhou a multa aplicada pelo ministro à coligação. É mesmo? Ele entendeu o óbvio: trata-se de "litigância de má-fé", conforme dispõe o Código de Processo Civil. Transcrevo:
Art. 79. Responde por perdas e danos aquele que litigar de má-fé como autor, réu ou interveniente.
Art. 80. Considera-se litigante de má-fé aquele que:
I - deduzir pretensão ou defesa contra texto expresso de lei ou fato incontroverso;
II - alterar a verdade dos fatos;
III - usar do processo para conseguir objetivo ilegal;
IV - opuser resistência injustificada ao andamento do processo;
V - proceder de modo temerário em qualquer incidente ou ato do processo;
VI - provocar incidente manifestamente infundado;
VII - interpuser recurso com intuito manifestamente protelatório.

Em quantos incisos incorreram Costa Neto e o tal do Voto Legal? Mas e o valor? Voltemos ao Código de Processo Civil:
Art. 81. De ofício ou a requerimento, o juiz condenará o litigante de má-fé a pagar multa, que deverá ser superior a um por cento e inferior a dez por cento do valor corrigido da causa, a indenizar a parte contrária pelos prejuízos que esta sofreu e a arcar com os honorários advocatícios e com todas as despesas que efetuou..
§ 3º O valor da indenização será fixado pelo juiz ou, caso não seja possível mensurá-lo, liquidado por arbitramento ou pelo procedimento comum, nos próprios autos.

Cumpre ao juiz definir o valor. Reproduzo como Moraes chegou aos quase R$ 23 milhões:
"Nos termos do § 3º do art. 292 do CPC, arbitro o valor da causa no valor de R$ 1.149.577.230,10 (um bilhão, cento e quarenta e nove milhões, quinhentos e setenta e sete mil, duzentos e trinta reais e dez centavos), que é, exatamente, o valor resultante do número de urnas impugnadas, ou seja, todas aquelas diferentes do modelo UE2020 havido no parque de urnas do TSE e utilizadas no 2º Turno (279.383) multiplicado pelo custo unitário das últimas urnas eletrônicas adquiridas pelo TSE (R$ 4.114,70). Assim, nos termos do art. 81, caput, do CPC, CONDENO A AUTORA POR LITIGÂNCIA DE M-FÉ, À MULTA DE R$ 22.991.544,60 (vinte e dois milhões, novecentos e noventa e um mil, quinhentos e quarenta e quatro reais e sessenta centavos), correspondentes a 2% (dois por cento) do valor da causa aqui arbitrado."

HÁ MUITO MAIS
O ministro decidiu ainda bloquear o fundo partidário das três legendas até que a multa seja paga e determinou que o TSE apure se Costa e Neto e tal Carlos César Moretzsohn Rocha, o dono do tal Instituo Voto Legal, usaram irregularmente recursos públicos. Também vai enviar os autos para o Inquérito 4784, de que ele próprio é relator, que investiga as milícias digitais.

Quando o ministro aponta "a total má-fé da requerente em seu esdrúxulo e ilícito pedido, ostensivamente atentatório ao Estado Democrático de Direito e realizado de maneira inconsequente, com a finalidade de incentivar movimentos criminosos e antidemocráticos que, inclusive, com graves ameaças e violência, vêm obstruindo diversas rodovias e vias públicas em todo o Brasil", parece estar lembrando que as pessoas ligadas àquela petição e àquela auditoria pilantras podem estar envolvidas em crimes que somam 28 anos e meio de cadeia. A saber:
Art. 286. Art. 286 - Incitar, publicamente, a prática de crime:
Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa.

Parágrafo único. Incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade. (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)

Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, além da pena correspondente à violência.

Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído
Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos, além da pena correspondente à violência. (Incluído pela Lei nº 14.197, de 2021) (Vigência)

Art. 359-R. Destruir ou inutilizar meios de comunicação ao público, estabelecimentos, instalações ou serviços destinados à defesa nacional, com o fim de abolir o Estado Democrático de Direito:
Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

CONCLUO
Parece que Alexandre de Moraes, evidenciando uma alma generosa, deu à turma a chance de apenas ver indeferida a petição e pronto!, passando, eventualmente, um carão no grupo. Assim, convidou os valentes a reformulá-la, adiantando que, como estava, seria obviamente indeferida. E, reitero, nada há de estranho ou irregular nesse procedimento. A má-fé não ficaria tão obviamente estampada.

Como é que um tribunal superior pode lidar com um documento porco como aquele, em que tal expediente serve ao golpismo?

Valdemar tem o direito de sentir saudade da cadeia. Cada um com o seu gosto, não é mesmo?
A íntegra da decisão do ministro está aqui. Leia para saber detalhes de todas as mentiras listadas na tal auditoria golpista.

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