Em carta aberta publicada na Folha de S.Paulo, economistas que apoiaram eleição de Lula alertam para risco de tomar providências que criam problemas maiores do que os que o governo busca resolver
No dia em que o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva voltou a criticar o teto de gastos, a regra fiscal que limita o crescimento das despesas públicas, durante sua participação na COP27 no Egito, economistas que apoiaram o presidente divulgaram uma carta sobre suas declarações publicada na Folha de S.Paulo.
Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central, Edmar Bacha, ex-presidente do BNDES, e Pedro Malan, ex-ministro da Fazenda, afirmam que compartilham das preocupações sociais e civilizatórias de Lula. "Não dá para conviver com tanta pobreza, desigualdade e fome aqui no Brasil", afirmam.
Mas ressaltam que o desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que o país já enfrenta.
Mais cedo, Lula havia afirmado que o modelo atual "tenta desmontar tudo o que é da área social", sem tirar um centavo do sistema financeiro.
- Se eu falar isso, vai cair a Bolsa, o dólar vai aumentar? Paciência. O dólar não aumenta, e a Bolsa não cai por conta das pessoas sérias, mas por conta dos especuladores que vivem especulando todo santo dia - afirmou Lula.
Caro presidente eleito Lula,
Assistimos a sua fala nesta quinta (17) cedo na COP27, no Egito. Acredite que compartilhamos de suas preocupações sociais e civilizatórias, a sua razão de viver. Não dá para conviver com tanta pobreza, desigualdade e fome aqui no Brasil.
O desafio é tomar providências que não criem problemas maiores do que os que queremos resolver.
A alta do dólar e a queda da Bolsa não são produto da ação de um grupo de especuladores mal-intencionados. A responsabilidade fiscal não é um obstáculo ao nobre anseio de responsabilidade social, para já ou o quanto antes.
O teto de gastos não tira dinheiro da educação, da saúde, da cultura, para pagar juros a banqueiros gananciosos. Não é uma conspiração para desmontar a área social.
Vejamos por quê:
Uma economia depende de crédito para funcionar. O maior tomador de crédito na maioria dos países é o governo. No Brasil o governo paga taxas de juros altíssimas. Por quê? Porque não é percebido como um bom devedor. Seja pela via de um eventual calote direto, seja através da inflação, como ocorreu recentemente.
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O mesmo receio que afeta as taxas de juros afeta também o dólar. Imagino que seja motivo de grande frustração ver isso tudo. Será que o seu histórico de disciplina fiscal basta? A verdade é que os discursos e nomeações recentes e a PEC (proposta de emenda à Constituição) ora em discussão sugerem que não basta. Desculpe-nos a franqueza.
Como o senhor sabe, apoiamos a sua eleição e torcemos por um Brasil melhor e mais justo.
É preciso que se entenda que os juros, o dólar e a Bolsa são o produto das ações de todos na economia, dentro e fora do Brasil, sobretudo do próprio governo. Muita gente séria e trabalhadora, presidente.
É preciso que não nos esqueçamos que dólar alto significa certo arrocho salarial, causado pela inflação que vem a reboque. Sabemos disso há décadas. Os sindicatos sabem.
E também não custa lembrar que a Bolsa é hoje uma fonte relevante de capital para investimento real, canal esse que anda entupido.
São todos sintomas da perda de confiança na moeda nacional, cuja manifestação mais extrema é a escalada da inflação. Quando o governo perde o seu crédito, a economia se arrebenta. Quando isso acontece, quem perde mais? Os pobres!
O setor financeiro recebe juros, sim, mas presta serviços e repassa boa parte dos juros para o resto da economia, que lá deposita seus recursos.
O teto, hoje a caminho de passar de furado a buraco aberto, foi uma tentativa de forçar uma organização de prioridades. Por que isso? Porque não dá para fazer tudo ao mesmo tempo sem pressionar os preços e os juros. O mundo aí fora está repleto de exemplos disso.
Então por que falta dinheiro para áreas de crucial impacto social? Porque, implícita ou explicitamente, não se dá prioridade a elas. Essa é a realidade, que precisa ser encarada com transparência e coragem.
O crédito público no Brasil está evaporando. Hora de tomar providências, sob pena de o povo outra vez tomar na cabeça.
Respeitosamente,
Arminio Fraga, Edmar Bacha e Pedro Malan
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