quinta-feira, 3 de novembro de 2022

O governo que já terminou


O presidente Jair Bolsonaro em seu primeiro pronunciamento após as eleições

Pela maneira como encerrou o ciclo eleitoral, o governo Bolsonaro já terminou. Tudo o que ele pode fazer agora é tentar atrapalhar a travessia para a nova administração, mas isso será ilegal. Perdido em seu labirinto, à deriva, Bolsonaro não reconheceu a derrota, nem deu a ordem para que seus apoiadores saíssem dos bloqueios. O país precisou de muita boa vontade para contornar o que ele disse e interpretar que aquilo era um reconhecimento da derrota. A palavra “acabou”, que ele disse no STF, foi um alívio geral. “A alternativa era tenebrosa”, me disse um ministro do Supremo.

De acordo com esse ministro, é preciso ter uma capacidade renovada de interpretação. Foi isso que o STF fez na nota que soltou às 17h37, logo após a fala ambígua de Bolsonaro. Nela, o STF informa que aquilo era “reconhecimento do resultado final das eleições” e “garantia do direito de ir e vir”. Milhares, talvez milhões de pessoas, nem iam nem vinham. Só no Rio de Janeiro, 10 mil deixaram de viajar no feriado, inúmeros voos foram cancelados, a sombra do desabastecimento crescia, quando Bolsonaro disse que os protestos eram “indignação contra a injustiça eleitoral”. A Polícia Rodoviária Federal só agiu sob ameaça do STF. As Polícias Militares tiveram que entrar por ordem do Supremo. O país já está se governando, e a luta contra os bloqueios das estradas mostrou isso.

O que era aquilo? “Franjas externas da bolha radical de direita somadas ao oportunismo de ocasião que vão persistir por algum tempo, mas o importante é que confirmamos o que se conquistou: a democracia vive.” Essa foi a interpretação que eu ouvi na cúpula do Judiciário sobre os bloqueios.

É preciso virar a página, sim, mas não sem antes entender o que aconteceu. Caminhoneiros autônomos vivem dos seus caminhões e das entregas que fazem. Não têm capital para bloquear estradas e ficar dias sem faturar colocando em risco o seu maior patrimônio, que é o caminhão em si. O movimento explodiu em todos os estados da federação ao mesmo tempo. Não foi espontâneo. Houve organização, preparação logística e financiamento desses protestos. Ontem, alguns pediam intervenção militar. Foi esse o plano desde o começo, criar o caos, e Bolsonaro convocar uma GLO para restabelecer a paz. Tropas nas ruas. Eis o sonho dourado de Bolsonaro.

Bolsonaro não será líder de 58 milhões de brasileiros, como imagina. Muitos dos seus aliados estão se reposicionando rapidamente. Ele será o líder de bolsões radicais. Neles estão os que realmente acreditam no que ele fala. Outros estão nessa porque ganham com a criminalidade e o desmanche do regramento que seu governo estimulou. Por todos os seus atos, inclusive a última ambiguidade em relação aos bloqueios nas estradas, ele será o líder da extrema-direita. A direita precisa de caminho mais civilizado.

Na Amazônia, grileiros e garimpeiros foram fechar as estradas nos municípios que são campeões do desmatamento. Isso não é ideologia. Isso é conspiração de quem está lucrando com a destruição da floresta. Quando viajei recentemente ao interior do Pará, passei nas estradas por outdoors louvando Bolsonaro pela liberação das armas, assinados pelos clubes de tiro. Eles se multiplicaram e se armaram nesses quatro anos.

O presidente Lula defendeu durante toda a campanha, escreveu nos documentos e disse no seu discurso que lutará contra o desmatamento e acabará com o garimpo ilegal. Não será tarefa fácil. Muito dinheiro se aproveita da criminalidade ambiental. A exploração do ouro é uma indústria. Há uma ponte que liga Itaituba, capital do garimpo ilegal, a setores econômicos na legalidade. Da mesmo forma que o crime agropecuário. O legal e o ilegal no Brasil sempre foram ligados por vários elos. Essa cadeia foi fortalecida durante quatro anos do “passar a boiada”.

A decisão de Lula de ir à COP 27 é essencial. Quando ele foi convidado o mundo estava dizendo que quer esse Brasil que no passado foi peça-chave para os avanços da luta ambiental e climática. Quando aceitou, Lula confirmou o caminho árduo, mas acertado, de buscar o futuro para o Brasil e o planeta.

O governo Bolsonaro terminou. Existe uma lei que obriga a passagem de informações ao escritório de transição. Ele sonhava com o golpe que não conseguiu. Pode tentar esperneios nestes dois meses. Mas a faixa presidencial será colocada em Lula no dia primeiro de janeiro de 2023.

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