segunda-feira, 28 de novembro de 2022

Ódio bolsonarista é um vírus imune à prevenção



Imaginou-se que a truculência de Bolsonaro teria o efeito de uma vacina. Mas as erupções de ódio de bolsonaristas ao redor do mundo mostram que o Brasil está diante de um vírus novo, que desafia a imunologia democrática. Quando até Gilberto Gil se torna alvo de ataques é um sinal de que a escalada de horrores passou a desafiar todas as nossas defesas civilizatórias.

Nos últimos quatro anos, proliferou a suposição de que cada surto de Bolsonaro funcionaria como uma nova dose de antígeno, reforçando os anticorpos que protegeriam a sanidade nacional. Brasileiros chamados de "maricas" na pandemia, magistrado xingado de "canalha" num 7 de Setembro, jornalistas tratados aos pontapés durante todo o mandato.

A banalização da truculência produziu o entusiasmo de alguns, a indignação de muitos e a resignação de tantos outros. Os mais otimistas supunham que as urnas de 2022 levariam a um ponto de equilíbrio. Não se pode sobreviver numa democracia sem essa imunização adquirida pela perspectiva de alternância no poder, a única maneira de retomar algo que se pareça com a normalidade.

Mas a urna é vacina que previne contra vírus rotineiros. O ódio bolsonarista desafia todas as defesas democráticas. Contra ele, o único remédio talvez seja o amor de mãe. Os bolsonaristas radicais obviamente não ouviram suas mães.

O sujeito pode adorar o mito errado por uma noção míope de superioridade. Qualquer mãe entenderia isso. Mas perseguir o Gilberto Gil, ofender o Gilberto Gil, xingar o Gilberto Gil é demais. O Brasil terá que assumir o papel de mãe dos bolsonaristas. Só para dizer: "Respeite o Gil, meu filho. Ouça os discos do Gil. É para o seu próprio bem."

Recuperando premissas essenciais como o respeito aos desiguais, o Brasil talvez chegue a uma conclusão que salta aos olhos: A insistência com que bolsonaristas clamam nas ruas e na frente dos quartéis por uma intervenção qualquer das forças armadas revela que a crise real do país é semântica, não política.


Antes de discutir se Bolsonaro deu certo e mereceria um mandato eterno é preciso combinar o que é "dar certo". Aplausos e vaias não levarão a lugar nenhum sem a definição de quesitos, a escolha de índices, o acerto de critérios.

"Certo" se mede em número de mortos na pandemia ou na quantidade caixas de cloroquina compradas pelo Exército? Qual seria o peso relativo da distribuição indiscriminada de armas? Consciência social em ano eleitoral é um bom sinal ou uma tentativa de compra de votos? Orçamento secreto é ferramenta de governabilidade ou a institucionalização do mensalão?

As interrogações indicam que o tempo de sobrevida do golpismo depende da qualidade da terceira gestão de Lula. A única melhor maneira de demonstrar que o errado não deixou de ser errado seria fazer o certo. Deve-se partir do básico: devoção à ciência, controle de armas, políticas sociais duradouras, intransigência com corruptos.

A aversão dos bolsonaristas ao resultado da eleição dá ao brasileiro que confia nas urnas eletrônicas a impressão de que está perdendo alguma coisa. A metafísica é muito mais rica do que esse materialismo chato em que o pão é sempre pão, o queijo nunca passa de queijo, e o voto é sempre inapelavelmente a expressão da vontade do eleitor.

As teorias conspiratórias são mais criativas. Quem rejeita um roteiro que renega a realidade para pregar viradas de mesa e intervenções militares se priva de uma boa ficção. Mas reconhece que a realidade continua sendo o único lugar onde se pode obter o respeito à vontade da maioria e o convívio entre contrários. O nome da vacina ainda é democracia. O negacionismo eleitoral leva à barbárie.

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