Relatórios enviados pelas Polícias Militar, Civil e Federal e pelo Ministério Público nos Estados ao Supremo Tribunal Federal (STF) indicam o perfil dos líderes e financiadores dos protestos com mensagens antidemocráticas que resultaram em bloqueios de estradas após as eleições e concentrações próximas a instalações das Forças Armadas pelo País.
Os documentos foram produzidos por ordem do ministro Alexandre de Moraes e reúnem fotos, levantamentos sobre os alvos e detalhes a respeito do trabalho em curso para desmobilizar as manifestações. As primeiras informações foram divulgadas pelo site SBT News. A reportagem do Estadão teve acesso aos documentos encaminhados pelos órgãos de segurança ao STF.
Os relatórios citam políticos, policiais e ex-policiais, servidores públicos, sindicalistas, fazendeiros, empresários do agronegócio e donos de estandes de tiro. Eles não são acusados de crimes, mas poderão ser investigados criminalmente.
Documento
Os relatórios com base em dados colhidos nos pontos de manifestação, citam o protagonismo dos líderes, identificam os donos de veículos usados para bloquear vias e os responsáveis por alugar banheiros químicos e carros de som. Os investigadores também buscaram dados nas redes sociais, onde algumas pessoas se identificaram como lideranças ao divulgar os protestos.
Desde o resultado do segundo turno das eleições, manifestações convocadas por apoiadores do presidente Jair Bolsonaro questionam o resultado das urnas. Concentrações mantidas nas sedes de comandos militares foram engrossados ontem no feriado de Proclamação da República. Os manifestantes defendem ações contra o Supremo e fazem pedidos de intervenção federal.
Na noite de anteontem, após ser alvo de manifestantes em Nova York, Moraes publicou em sua conta no Twitter que “o povo se manifestou livremente e a Democracia venceu!”. “O Brasil merece paz, serenidade, desenvolvimento, e igualdade social. E os extremistas antidemocráticos merecem e terão a aplicação da lei penal.”
Relatório de inteligência da Polícia Militar do Acre aponta que dois fazendeiros locais estariam entre os financiadores dos protestos em defesa de uma intervenção das Forças Armadas contra o resultado da eleição: Jorge José de Moura, conhecido como “rei da soja”, e Henrique Neto.
O procurador-geral de Justiça do Acre, Danilo Lovisaro do Nascimento, disse ao STF ter “certeza de que os atos antidemocráticos estão sendo financiados pelos fazendeiros do agronegócio”. Ele cita como financiadores João Moura e Henrique Luis Cardoso Neto.
Manifestação em frente ao Comando da 10.ª Região Militar, em Fortaleza, no Ceará. Foto: Reprodução
Ceará
A Secretaria de Segurança Pública do Ceará afirma que não conseguiu “identificar uma liderança local”. O relatório enviado ao STF se limita a apontar quem são os proprietários dos carros presentes nos locais de manifestação. O documento cita o empresário Eládio Pinheiro Canto, o policial penal Abrahao Vinicius Batista Possidonio, o sargento do PM Anderson Alves Pontes Garcias e as empresas Lucky Aviamentos e Viva Agrícola.
Espírito Santo
A Polícia Federal (PF) identificou comerciantes locais, caminhoneiros e uma ex-policial militar como possíveis organizadores dos bloqueios em São Mateus, município de 134 mil habitantes a 190 quilômetros de Vitória, mas afirmou ao STF não ter encontrado uma “coordenação centralizada”.
Em Linhares, município de 180 mil habitantes a 105 quilômetros da capital, comerciantes e empresários locais, com apoio de caminhoneiros, teriam organizado os protestos, segundo a Polícia Federal. A corporação informou que também não conseguiu apontar “com precisão uma coordenação”.
Após contato com a Polícia Rodoviária Federal (PRF), a PF informou que Wanderson de Paula, candidato a vereador pelo partido Cidadania em 2020, estaria entre as pessoas flagradas “agitando e dando suporte à manifestação” em Linhares.
Em Guarapari, no litoral do Estado, a professora da rede municipal e candidata a deputada estadual na última eleição Ticiani Rossi (PL) “mostrou ser uma das lideranças com acesso irrestrito a barraca da coordenação do movimento”, de acordo com o relatório da PF. Ela se apresenta nas redes sociais como “ativista política” e foi identificada pelos policiais no protesto na BR 101, na altura de Guarapari.
Procurada pelo blog, Ticiani negou participação em atos políticos depois da eleição. “Não sou liderança em de nenhuma manifestação em nenhum lugar do País. Fui candidata a deputada estadual pelo PL por Guarapari, portanto tenho liderança política na cidade conhecida por todos. Não confirmo participação em nenhum ato”, disse.
O caminhoneiro Thiago Queiroz Rodriguez, o candidato a governador em 2020 Cláudio Paiva (PRTB) e o instrutor de tiro Flávio Silva Polonini também seriam lideranças. “A maioria das adesões eram espontâneas, no que se pôde presenciar, contudo alguns caminhoneiros queriam prosseguir viagens”, diz um trecho do documento.
Os empresários Tales Cardoso Machado, dono de uma panificadora, e Pedro Sanches Roja Neto; o ex-vereador de São Miguel do Araguaia Leonardo Rodrigues de Jesus Soares; o corretor e candidato derrotado a prefeito da cidade em 2020 Sandro Lopes (PRTB); e o ruralista Hernani José Alves são citados pela Polícia Civil de Goiás como lideranças dos bloqueios na zona rural de São Miguel do Araguaia, onde uma das rodovias chegou a ser fechada com pneus incendiados.
O relatório aponta ainda que, em Goianésia, caminhoneiros e moradores “que atuam principalmente no agronegócio” mobilizaram os bloqueios. O documento cita nominalmente o advogado e candidato a vereador em 2020 Jamil El Hosni (PSL), que segundo a Polícia Civil foi flagrado no protesto “fazendo a liberação ou não de veículos para passagem”, e o presidente da Comissão Provisória Municipal do Partido Liberal (PL), Rafael Luiz Ottoni Peixoto, apontado como responsável por organizar também as carreatas que aconteceram na cidade antes da eleição.
Mato Grosso do Sul
A Secretaria de Segurança Pública de Mato Grosso do Sul disse ao STF que identificou sete lideranças dos eventos no Estado: a médica Sirlei Faustino Ratier, a servidora da Câmara Municipal de Campo Grande Juliana Caloso Pontes, o comerciante Julio Augusto Gomes Nunes, o agricultor Germano Francisco Bellan, o ex-prefeito de Costa Rica Waldeli dos Santos Rosa e os pecuaristas Rene Miranda Alves e Renato Nascimento Oliveira, conhecido como Renato Merem.
Minas Gerais
Um dos líderes do Movimento Direita BH, Cristiano Rodrigues dos Reis, e o comerciante Esdras Jonatas dos Santos seriam os articuladores dos atos em Minais Gerais.
O empresário Valmor Geronimo Ferro foi apontado pela Polícia Militar do Paraná como uma das lideranças dos protestos em Curitiba. Ele teria sido responsável por levar água e comida para os manifestantes.
De acordo com o documento, os empresários José Antonio Rosolen e Robson Leandro Calistro teriam “ascendência sobre as decisões” dos manifestantes em Cianorte. Uma mulher identificada como Claudia Varella Costa Pernomian também é citada por ter feito “diversos discursos” no protesto organizado na cidade.
Entre eles, estão o policial civil e vereador na cidade de Dom Pedrito, Patrício Jardim Antunes (PP), conhecido como Inspetor Patrício, que fez publicações acusando corrupção e fraude no processo eleitoral, o comissário de Polícia Thiago Teixeira Raldi e o delegado Heliomar Athaydes Franco. Todos foram procurados via redes sociais ou e-mail, mas ainda não retornaram o Estadão.
Santa Catarina
Wuillian Lanza, Odair Breier, Valnir Camilo Scharnoski, Rodrigo Cadoré, Itamar Schons e Vanirto José Conrad são listados pela Polícia Civil de Santa Catarina como lideranças em São Miguel do Oeste.
Já Francisco Dalmora Burgardt, conhecido como Chicão Caminhoneiro, se apresentou em entrevista a uma rádio local como porta-voz do movimento em Canoinhas. O empresário Luis Cesar Fuck, dono de uma produtora de erva mate, seria um dos financiadores dos protestos locais, de acordo com o documento enviado ao STF.
André Júnior Bello, Oelivir José Luzzi e Everton Marques seriam organizadores do bloqueio na rodovia SC-355 no perímetro urbano de Fraiburgo. A Polícia Civil afirma que eles se apresentaram aos agentes como responsáveis pelos eventos. O grupo também é investigado em um inquérito policial sob suspeita de incentivar o fechamento do comércio na cidade de Turvo.
Por Fausto Macedo no Estadão
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