sábado, 19 de novembro de 2022

Guedes, o Leporello do fascistoide; Velloso, Lula e a burrice da Faria Lima


Paulo Guedes, exímio furador de teto, acha que pode mandar um presidente eleito calar a boca. E Raul Velloso, que realmente entende de contas públicas

Paulo Guedes é incompetente e arrogante, coisas que costumam andar juntas. E mostra, uma vez mais, seu lado ressentido. Investido sabe-se lá de que autoridade, acha que pode mandar o presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, calar a boca, o que não deixa de ser curioso porque Jair Bolsonaro, o seu ainda chefe, de boca calada está desde a derrota, falando por intermédio do seus golpistas. O ministro participou de um evento para marcar os 30 anos da criação da Secretaria de Política Econômica.

Mandou brasa:
"Quarenta milhões de pessoas passando fome... Onde estavam essas pessoas que não descobriram antes? Estavam já passando fome no governo deles (PT), mas nós descobrimos os invisíveis. É válido para ganhar a eleição, mas já ganhou, cala a boca, vai trabalhar, construir um negócio melhor. O desafio é grande, mas a oportunidade é maior. Se fizer menos barulho e trabalhar um pouquinho mais com a cabeça, e menos com a mentira, talvez possa ser um bom governo. Só depende de não mentir. E de outras coisas também."

O PT deixou o governo em maio de 2016, há quase sete anos. Dizer que o partido responde pela existência de pessoas com fome no país é mentira factual e desonestidade intelectual. Um ministro de Estado que manda um presidente eleito calar a boca revela desprezo pela própria democracia, o que também não é surpreendente, ou não seria o Leporello de um fascistoide.

O ministro que condenou "a mentira", fez ainda a seguinte afirmação:
"Você vê a confusão que é um estouro, fazer uma PEC fora do teto, sem fonte de financiamento. Fazer PEC sem fonte de financiamento para fazer obras? Já ouvi essa história. (....) Nós disparamos o maior programa social que já houve com responsabilidade fiscal. Que abobrinha é essa de conflito de social e fiscal? Isso revela ignorância, desconhecimento, incapacidade técnica de resolver problemas."

Três, dois, um... para que surjam na imprensa os defensores da grande obra de Guedes, como se ele já não se elogiasse o suficiente. Como é? "Programa social com responsabilidade fiscal?" A verdade está nos números. Não houve um só ano em que a dupla Bolsonaro-Guedes tenha respeitado o teto de gastos: o furo chega R$ 794,9 bilhões em quatro anos. Em 2020, em razão da pandemia, foram R$ 507,9 bilhões, mas no ano anterior, em 2019, já havia sido de R$ 53,6 bilhões; em 2021, de R$ 117,2 bilhões; neste ano, R$ 116,2 bilhões.

Ele quer falar sobre mentiras? Além das cinco vezes em que furou o teto, o governo deu um jeitinho de mudar até o calendário. O período de referência para calcular a elevação dos gastos era de julho junho. No ano passado, usou-se a PEC dos Precatórios para mudar esse período para janeiro a dezembro: como a inflação havia explodido, a correção poderia ser maior. O truque rendeu uma folga de R$ 30 bilhões.

Como Guedes é Guedes, defendeu teto para os outros, mas acabou admitindo que ele também não o respeitou e criticou o dito-cujo:
"Se tem lareira em casa, é bom ter chaminé, um teto mal construído, se pegar fogo na casa, morre todo mundo asfixiado. O teto foi mal construído. Por exemplo, em 2019, chegamos com a mentalidade 'mais Brasil' para transferir recursos para estados e municípios, mas não podia porque estourava o teto mal construído."

É notável que tenha falado da transferência de recursos para Estados e municípios. A PEC do ICMS fez rigorosamente o contrário, não é? Cassou a grana dos Estados, que já começam a enfrentar dificuldades, para subsidiar o preço dos combustíveis na boca da urna.

Fiquemos ainda no terreno da mentira. No Orçamento de 2023 enviado ao Congresso, o governo previu o pagamento de R$ 405 para o Auxílio Brasil, não de R$ 600, embora fosse essa a promessa de Bolsonaro em campanha. Só para fazer frente à diferença, são necessários R$ 52 bilhões, que não existem. Junto com a peça orçamentária, Guedes mandou um recadinho ao Congresso. Eis a mensagem:
"O governo federal reconhece a relevância da referida política pública e a importância da continuidade daquele incremento para as famílias atendidas pelo Programa. Nesse sentido, o Poder Executivo envidará esforços em busca de soluções jurídicas e de medidas orçamentárias que permitam a manutenção do referido valor no exercício de 2023, mediante o diálogo junto ao Congresso Nacional para o atendimento dessa prioridade".

É uma gente criativa. Inaugurou a chamada "Promessa Orçamentária".

Estimulado por seu ministro da Economia, o presidente prometeu em campanha um salário mínimo de R$ 1.400, embora, mais uma vez, não tenha previsto reajuste real. Vai ver o dinheiro sairia da mesma fonte secreta que garantiria o auxílio de R$ 600.

REAÇÃO DOS MERCADOS A GUEDES
Voltemos lá à declaração de Guedes:
"Você vê a confusão que é um estouro, fazer uma PEC fora do teto, sem fonte de financiamento..."

Ele se refere, certamente, à reação ruim dos mercados. Pois é. Transcrevo abaixo trecho de uma reportagem do G1 do dia 21 de outubro do ano passado:
"O mercado financeiro reagiu mal a uma declaração do ministro da Economia, Paulo Guedes, sobre o programa que o governo pretende implantar para substituir o Bolsa Família. (...) Assim que abriu, o mercado já mostrou que não gostou da fala do ministro. O dólar começou em alta. Chegou a bater em R$ 5,59 e encerrou cotado a R$ 5,66, o maior valor deste 14 de abril. O Ibovespa, principal índice de ações da Bolsa de Valores de São Paulo, a B3, chegou a cair mais de 4,5% e terminou a quinta-feira (21) com queda de 2,75%, na menor pontuação desde 23 de novembro do ano passado."

Como diria o ministro, "uma confusão".

OUTRO ENTENDIMENTO
Em matéria de teto de gastos, Orçamento e reação dos mercados, prefiro as palavras de Raul Velloso, sabidamente um dos maiores especialistas em contas públicas no país. Em entrevista à VEJA, afirmou:
"Lula precisava dar algum sinal à Faria Lima, que é o cúmulo da teimosia, para não dizer da burrice. Ele colocou Geraldo Alckmin e dois economistas que estiveram no governo em posições muito importantes [Persio Arida e André Lara Resende]. Mesmo assim a Faria Lima quer ver o teto. Aí eu vou mais para o lado da burrice. Não acredito como as assessorias desse pessoal não estão dizendo que o teto nasceu morto, que ele não existe, é só um sonho de uma noite de verão."

A reportagem perguntou: "Não é importante algum limite aos gastos públicos para evitar reflexos como a inflação?"
E ele respondeu:
"O ponto que ainda não foi tratado é a percepção de que se pode gastar muito mais que o teto, sem problema para a inflação. Essas percepções mudaram. Aqui é que as pessoas que não acompanham isso com lupa estão ignorando, mas é discussão rotineira nos círculos que atuam entre universidades top americanas e organizações multilaterais, como o FMI. Os estrangeiros não estão mais rezando nessa Bíblia, mas essa discussão ainda não está posta aqui. Tem uma pessoa ao lado de Lula que foi a que mais brilhou nesse assunto nos últimos anos: André Lara Resende. Uma hora ele vai falar, vai trazer uma nova percepção e jogar um balde de água fria na Faria Lima. Uma hora isso vai ser falado e aí se terá outra discussão. Isso favorece Lula, porque é muito coerente com o que ele defende."

A revista quis saber quais as principais tarefas do futuro governo. Disse Velloso:
"Há a necessidade de retomada dos investimentos. Sem investimentos não há crescimento do PIB, sem crescimento do PIB, onde se vai colocar esse povo que procura emprego todo dia? Não é só botar os pobres no orçamento, tem de retomar a prática de investir para o país crescer. Se olharmos o investimento em infraestrutura, do final dos anos 1980 para cá ele caiu nove vezes. Como o país pode voltar a funcionar sem a retomada de investimento em infraestrutura? Lula está dizendo que vai cuidar dos pobres e da retomada do crescimento da economia. Isso vai conviver com o teto? Se antes não convivia, agora, com ainda mais razão, não vai conviver. O teto acabou."

ENCERRO
E aí? Velloso ousa falar em investimento! No glorioso Orçamento de 2023, o investimento público corresponde a 0,22% do PIB, o menor da história.

Não acho que Guedes deva calar a boca, não. Que fale bastante para iluminar a própria obra e para que fique claro por que é preciso mudar. De toda sorte, notem que ele tem uma desconfiança (ou um temor?): "Talvez possa ser um bom governo".

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