Episódios de intolerância de alunos em escolas particulares não podem ser enfrentados apenas com repressão; é preciso aprimorar capacidade de argumentação dos jovens estudantes
A polarização política que divide famílias, amigos e vizinhos está presente também nas escolas. Como noticiou o Estadão, colégios particulares em diferentes cidades do País registraram episódios de intolerância e violência após a eleição presidencial, com estudantes protagonizando ofensas e agressões. Tal realidade, reflexo do clima de beligerância ideológica que tanto mal faz à sociedade brasileira, exige ação imediata por parte de professores e educadores. Não para evitar discussões políticas, fingir que não há divergências nem silenciar vozes. Mais que nunca, é papel das escolas aprofundar os debates, problematizar as diferentes visões de mundo e contribuir para que os alunos aprimorem a sua capacidade de argumentação e diálogo.
A escola é, por excelência, o espaço onde os alunos ampliam seus horizontes, ao entrar em contato com crianças e adultos fora do círculo familiar. A vida escolar prepara os indivíduos para conviver na sociedade. Ora, as manifestações de intolerância nos dias seguintes à eleição presidencial vão na contramão de tudo o que vem a ser o papel da escola. Ainda mais em uma sociedade democrática, cuja característica, ao contrário das ditaduras, é justamente possuir mecanismos que permitam superar divergências com mais, e não menos, debate.
Em sua missão de formar cidadãos, as escolas têm um inadiável desafio pela frente, que exigirá ações coordenadas, na medida em que será preciso garantir respaldo e formação adequada aos professores, bem como atenção às famílias, para que entendam exatamente quais são os objetivos da escola. Na sala de aula, um caminho possível é convidar os alunos a questionar os argumentos uns dos outros, inclusive buscando informações para enriquecer críticas e a compreensão dos assuntos. A premissa, claro, é que as discussões se deem em tom civilizado e com absoluto respeito.
Entrevistada pelo Estadão, a professora Telma Vinha, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), lamentou a falta de iniciativas para preparar os estudantes brasileiros para a vida democrática. “A escola particular, com medo de perder alunos, tornou-se apolítica e colocou essas questões para debaixo do tapete. Não dá para se preocupar só com português e matemática”, disse ela. De fato, a educação vai muito além das disciplinas tradicionais. Países como Bélgica, França ou Finlândia, por exemplo, reservam espaço em seus currículos para atividades que fomentam, nos jovens, maior apreço por tolerância, equidade e autonomia. Um dos focos é a participação dos estudantes em redes sociais e sua capacidade de identificar fake news, verdadeiros vetores de intolerância e violência extremista.
A reportagem do Estadão relatou casos como o de uma mãe que, assustada, orientou a filha de 8 anos a não falar de política na escola, depois que a menina se envolveu em discussões a respeito dos candidatos a presidente da República. Em outra escola, alunos de 11 anos gritaram que os pais de quem votou em determinado candidato “morreriam a pauladas”. Para o diretor de Políticas e Direitos do Instituto Alana, Pedro Hartung, as escolas devem usar materiais e abordagens adequados a cada faixa etária. “Sou contra a ideia de que política, futebol e religião não se discutem. Política se discute, sim, e desde cedo”, disse ele.
É lamentável, para dizer o mínimo, que crianças e adolescentes tenham sido contaminados pela polarização política que tomou conta do Brasil. Por outro lado, no entanto, difícil seria imaginar que alguém pudesse ficar imune à escalada extremista e ao acirramento do debate público nos últimos anos. Não é de estranhar, portanto, que o problema se manifeste dentro das escolas. Diferentemente de muitos outros ambientes, porém, as escolas têm condições de solucionar conflitos e de ajudar o País a reduzir os estragos da polarização. O caminho é preparar os alunos para debater mais e melhor, enfrentando o contraditório de maneira civilizada. Enfim, apostar no diálogo – como deve ser em uma democracia.
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