Histeria. Paranoia. Mistificação. Acho que esses nomes definem a reação "Duzmercáduz" a um simples discurso de Lula sobre a importância de conciliar responsabilidade fiscal com responsabilidade social. Mesmo uma pessoa sensata, como é o caso de Armínio Fraga, perdeu a habitual elegância e resolveu dar uma "lacrada" sobre aquele que já presidiu o país duas vezes, respondendo em economês a algumas indagações meramente retóricas feitas pelo eleito. Não foi grosseiro, mas parecia dizer: "Votei em você e me deve essa". Deixou-se contaminar pelo destempero geral. Uma outra bradou um tal "estelionato eleitoral" como se o petista estivesse traindo a sua base de apoio...
Os reacionários saíram em festa dos bueiros — e é evidente que não incluo Armínio nessa categoria — como baratas em dias de calor, numa algazarra que fazia eco à gritaria às portas dos quarteis. Lula ainda não é presidente da República e, como os fatos evidenciam de modo irrespondível, não foi ele que avançou sobre os cofres para se reeleger. Um marciano poderia pensar que temos um governo que é exemplo de responsabilidade fiscal e de cumprimento das regras, um verdadeiro devoto do teto de gastos, a ser substituído por alguém que, quando no poder, se tornou notável por botar fogo no circo.
Em história, a gente sabe, as coincidências são raras — se é que existem. Enquanto a especulação comia solta, o Ministério da Defesa produzia uma segunda nota surrealista sobre a fiscalização das urnas, sendo ainda mais claramente estúpida do que da primeira vez, "esclarecendo" (!!!), que "que o acurado trabalho da equipe de técnicos militares na fiscalização do sistema eletrônico de votação, embora não tenha apontado, também não excluiu a possibilidade da existência de fraude ou inconsistência nas urnas eletrônicas e no processo eleitoral de 2022".
O comandante do Exército, por seu turno, reuniu os generais em videoconferência para dizer que a Força não vai reprimir — e, pelo visto, nem quer que se reprimam — as manifestações às portas dos quartéis. A depender de como se leia, parece um convite para que chegue mais gente. Como se sabe, a Força chegou a pedir à PM que cuide da segurança dos manifestantes. Estivessem vestidos de vermelho, a protestar em área considerada de segurança, pode-se imaginar o desfecho. Nada disso, incluindo a reação "Duzmercáduz", é compatível com o Século 21.
A coisa toda não deixa de ter a sua graça mórbida. Se Lula tivesse feito o discurso de ontem para um "board" do FED — vamos chamá-lo de "Banco Central" dos EUA para efeitos didáticos —, a turma teria quase morrido de tédio porque diria: "Bem, é o que a gente já faz por aqui". Ao decidir taxa de juros, levamos em consideração a inflação, o nível de atividade e o emprego. E também escolhemos quanta tensão social estamos dispostos a suportar". Há uma graça lateral nessa conversa: já vimos Paulo Guedes a vituperar contra o FED e o BCE, que considera lenientes com a inflação. Guedes desse as cartas no Federal Reserve, é bem possível que uma horda de desempregados tivesse dado a Donald Trump a "onda vermelha" que não veio, com o risco de a democracia ir para a cucuia.
Fosse eu conselheiro de Lula — não estou me candidatando e jamais aceitaria fazer política; não porque amaldiçoe a tarefa, mas porque não tenho temperamento para tanto —, diria: "Presidente, não dê a entender que o senhor considera haver uma oposição inconciliável entre responsabilidade fiscal e responsabilidade social. Até porque os mercados gostam da ilusão de que inexiste até mesmo uma tensão entre as duas coisas".
Estelionato seria Lula fingir que não foi eleito, majoritariamente, pelos mais pobres. Os mais endinheirados que escolheram seu nome ou o fizeram por convicção ideológica à esquerda ou porque deram um voto contra a fascistização do país. O presidente eleito estava apenas evidenciando qual será a sua prioridade. Daí a deduzir que vai optar pela irresponsabilidade fiscal desbragada, ditada ao sabor da necessidade, vai uma grande diferença. Calma aí! Esse é o governo que temos. É a gestão Guedes-Bolsonaro que recorreu a PECs inconstitucionais e ilegais para ganhar a eleição. É a gestão Guedes-Bolsonaro que furou o teto cinco vezes.
Mas as baratas saídas do bueiro estão doidinhas para conectar a reação "Duzmercáduz" com os golpistas às portas dos quartéis.
BOLA NO CHÃO
Talvez venha à luz nesta sexta a chamada PEC da Transição. Na coluna da Folha de hoje, afirmo ser preferível tirar os gastos do Bolsa Família do teto, fazendo-o valer para o resto e eventualmente estabelecendo um subteto para o benefício, a ter de abrir ano a ano o balcão de negociação com o Congresso.
Havendo ideias melhores, MAS QUE ATENDAM ÀS URGÊNCIAS SOCIAIS, que digam! Ou a dupla Guedes-Bolsonaro havia descoberto a pedra filosofal para manter em R$ 600 o Bolsa Família e para arcar com o mínimo de R$ 1.400 prometido pelo presidente no segundo debate eleitoral da Globo?
A responsabilidade fiscal — ou a irresponsabilidade — não se esgota num discurso em que Lula reafirmou compromissos com os pobres que o elegeram. E esses pobres, não custa lembrar, salvaram, por ora ao menos, a democracia brasileira. Fez-se muito barulho por nada. E há nisso grande carga de ressentimento eleitoral. Muitos preferiam o jeito Bolsonaro-Guedes de furar teto. Afinal, junto com o rombo, sempre vinham alguns impropérios verbais contra os pobres. Parecia tão divertido...
Esse 10 de novembro de 2022 já entrou para a história. Vamos ver se ainda terão de se desculpar com Lula ou se tanto barulho por nada é o primeiro passo para tentar inviabilizar seu governo. Disposição para tanto existe, e ela não está apenas naquelas obscenidades permitidas e estimuladas às portas dos quartéis.
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