Há coisas que já aconteceram no mundo da lógica elementar antes mesmo de acontecerem no mundo dos fatos, aguardando apenas a sua realização para contentar o espírito dos empiristas. "Do que você fala, Reinaldo?" Ah, do Ministério da Defesa. A tal comissão criada para fazer um auditoria nas eleições não vai apontar fraude nenhuma, é claro!, porque fraude inexiste. Mas é evidente que também não vai endossar inteiramente o sistema.
Podem apostar dinheiro: os milicos vão lançar alguma dúvida, ainda que em tese e ainda que estúpida, para fazer a vontade do "capitão" e para alimentar por mais algum tempo os delírios dos lunáticos que estão por aí a pregar golpe de Estado. Para André Mendonça, um dos ministros de Bolsonaro no Supremo — que tem compromisso com as próprias opiniões (e, talvez, com as de Bolsonaro), mas não com as leis —, é permitido fazer manifestação golpista, desde que sem violência. Voltarei a esse ponto em outro texto.
Ontem, o Ministério da Defesa divulgou a seguinte nota, tentando ser enigmático:
"O Ministério da Defesa informa que, no próximo dia 9 de novembro, quarta-feira, será encaminhando ao Tribunal Superior Eleitoral o relatório do trabalho de fiscalização do sistema eletrônico de votação, realizado pela equipe de técnicos militares das Forças Armadas".
Vamos ver:
1: que sentido faz anunciar no dia 7 o relatório a ser divulgado no dia 9?;
2: então já se sabia na segunda o que se vai divulgar na quarta?;
3: dado que os golpistas que ainda estão nas ruas pedem justamente uma intervenção militar, não parece que um anúncio dessa natureza contribua para que voltem para casa.
Torço muito para estar errado. Será um erro que admitirei com gosto. Mas ninguém faz um troço assim se não estiver disposto a pescar em águas turvas.
"Mas o que é que eles vão anunciar, Reinaldo?"
Não tenho a menor ideia. Já houve um tempo em que se poderia apostar numa reserva de racionalidade dos fardados em seu conjunto. Ainda existe. E bolsões de extremismo ideológico podem não expressar a vontade do conjunto, mas é evidente que o vírus da politização está, sim, ativo na turma.
Antevejo qualquer coisa parecida com aquele relatório picareta que saiu com a assinatura do PL, afirmando que não se pode descartar, em tese, sei lá o quê...
"E se disserem que testaram tudo e nada encontraram?"
Bem, estariam apenas dizendo a verdade, mas não é o que Jair Bolsonaro quer ouvir. E, portanto, penso que isso não será dito. Ou não se faria essa patetada de anunciar na segunda que se vai fazer... um anúncio na quarta.
"E se apontarem alguma falha importante?"
Bem, suponho que Jair Bolsonaro não teria ido bater papo no Supremo e que Ciro Nogueira não teria, em nome do governo, deslanchado a transição.
CÓDIGO-FONTE
O parecer da "auditoria", que deverá vir na forma de algum enigma sem resposta, vai ignorar o fato de que:
- os militares nem sequer fizeram o exame do código-fonte das urnas;
- nada encontraram no exame que fizeram dos boletins;
- não houve qualquer problema nos testes de integridade proposto pelos próprios fardados.
Assim, a coisa ficará ao gosto de Bolsonaro — o gosto possível; é bom lembrar que ele queria golpe de Estado. Assim, os conspiracionistas e golpistas continuarão mobilizados. Esse comportamento explica também por que a família Bolsonaro está relativamente quieta nas redes.
Se acontecer como acho que vai acontecer, tentarão inflamar de novo suas milícias digitais a partir de quarta. É claro que o Ministério da Defesa não vai dizer que houve fraude. Mas engrolará uma justificativa supostamente técnica qualquer para afirmar que não podem jurar de pés justos que o sistema seja inexpugnável.
Para manter mobilizada a turma que confunde Lady Gaga com uma juíza do Tribunal Penal Internacional, isso basta.
Ah, sim: o TPI não se mete com eleições no Brasil ou em qualquer lugar do mundo.
É isso: o Ministério da Defesa deve apresentar um relatório — que, suponho, já estava pronto antes mesmo da eleição — para manter mobilizada os valentes que sustentam que Stefani Germanotta vai impedir a posse de Luiz Inácio Lula da Silva.
Bolsonaro conseguiu reduzir o Ministério da Defesa a esbirro de redator de "fake news".
PS: "E se você errar, Reinaldo, e os militares endossarem as urnas sem reservas?" Nesse caso, sugiro apenas a contratação de um bom assessor de comunicação.
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