quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Quinquênio para juízes é moralmente indefensável



Decisões que tentam restaurar privilégio extinto há 16 anos precisam ser repelidas com energia

São moralmente indefensáveis as decisões do Conselho da Justiça Federal (CJF) e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre a remuneração de juízes. Ambas demonstram que, no afã de manter privilégios, Brasília não enxerga a realidade em que vive o Brasil. É preciso repeli-las com toda a energia. É ocioso — mas infelizmente necessário — repetir que juízes e procuradores são as categorias mais privilegiadas do serviço público brasileiro, cujo salário médio as coloca entre os 2% de maior renda no país. No Judiciário, proliferam privilégios já extintos noutras áreas, como férias de 60 dias, promoções automáticas, licenças-prêmio, aposentadorias compulsórias e outras benesses.

Em 24 estados, só o vale-refeição de juízes supera o salário mínimo. Mais de 8 mil magistrados já tiveram remuneração igual ou superior a R$ 100 mil — isso mesmo, R$ 100 mil — pelo menos uma vez desde 2017. Eles são um terço dos que recebem supersalários acima do teto constitucional.

Apesar de tudo isso, no dia 16 o CJF aprovou, a pedido da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), o retorno de um benefício salarial extinto há 16 anos para juízes federais que entraram na carreira até 2006. Conhecido como quinquênio, o Adicional por Tempo de Serviço (ATS) é um aumento automático de 5% no salário a cada cinco anos, sem conexão com mérito ou produtividade. A decisão também prevê o pagamento retroativo, com correção pela inflação. Pela decisão, os juízes ganharão boladas milionárias.

Existe uma palavra para descrever a resolução: ignomínia. Não apenas pelo atual momento de penúria, com uma bomba fiscal prestes a estourar e a necessidade de encontrar espaço no Orçamento para manter o pagamento de R$ 600 aos brasileiros em situação mais vulnerável. Em qualquer circunstância, seria um acinte.

A resolução do CJF contraria decisão do Supremo que proibiu gratificações e adicionais fora do teto constitucional para remunerar servidores públicos. A relatora Maria Thereza de Assis Moura, contrária ao aumento, ressaltou esse ponto, mas foi vencida no plenário por sete votos a quatro. A tese vencedora destacou os direitos adquiridos, mesmo argumento usado pelos senhores de escravos no século XIX contra a Abolição. Oxalá o STF tenha a lucidez de corrigir o absurdo.

Na onda da decisão do CJF, Pacheco ressuscitou a descabida Proposta de Emenda Constitucional 63, que mereceria ser batizada de PEC da Desigualdade Social. Ela prevê o quinquênio de 5% para todos os juízes (não apenas os que entraram na magistratura até 2006) e para procuradores. Em 2019, nove das dez maiores remunerações no Estado brasileiro estavam em cargos no Judiciário e no Ministério Público. Para a sociedade, as duas esferas do governo consomem anualmente 1,8% do PIB, 11 vezes o custo de instituições similares na Espanha, dez vezes o da Argentina e nove vezes o dos Estados Unidos. Não há paralelo no planeta para a prodigalidade com que o Brasil trata seu Judiciário, conhecido pela lentidão, burocracia e ineficiência.

O Brasil precisa de uma reforma administrativa que acabe com os privilégios absurdos da elite do funcionalismo, em particular juízes e procuradores. Não da recriação de uma das poucas excrescências de que nos livramos. Os senadores têm o dever de enterrar a ideia descabida de Pacheco e de promover a reforma que o país merece.

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