segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Nardes: Ou deixa TCU com desonra se mente ou merece cana se fala a verdade


Augusto Nardes, ainda no TCU: ou deixa o tribunal com desonra (se apenas mentiu) ou tem de ir para a cadeia se falou a verdade Imagem: Igo Estrela/Metrópoles; Reprodução; Montagem

Augusto Nardes, ministro do TCU (Tribunal de Contas da União) resolveu tirar licença médica depois do vazamento de um áudio em que confessa a amigos estar envolvido em articulações golpistas. O conteúdo de sua fala — há uma transcrição no pé deste texto — é inequívoco. Ele não está apenas, o que já seria de extrema gravidade, expressando opiniões em favor do golpe. Ele afirma estar fazendo articulações com esse propósito, inclusive com auxiliares do presidente Jair Bolsonaro. A sua vinculação com o golpismo é tão explícita que se refere a "nós" quando trata das conspiradores: "Vamos perder? Sim, vamos perder alguma coisa, mas a situação para o futuro da nação poderá se desencadear de forma positiva, apesar desse principal conflito que deveremos ter nos próximos dias ou nas próximas horas."

No seu espantoso despudor, Nardes se refere aos petistas como "eles" -- afinal, o dito-cujo, junto com os golpistas, são o "nós". E, para surpresa de poucos, ele se refere ao papel que teve na deposição da presidente Dilma. Então era mesmo uma determinação, certo?
"Acordar, despertar, ter fé e crença, como nós tivemos lá em [20]15 apresentando pela primeira vez um processo que desmontou, de certa forma, essas estruturas que eles conseguiram remontar agora, baseado na estrutura que tinha já ficado, que foi muito longa. Imagina eles com mais quatro anos de governo o que vai acontecer na nação. Não sei. Vai depender da sociedade se reerguer, retomar a sua força, saber da sua força, saber da sua força. A sociedade sabe da sua força, mas não tinha despertado. Hoje nós estamos despertos, esperamos poder avaliar melhor a nação."

E não há dúvida de que o ministro se refere a um golpe militar:
"O que vai acontecer agora? Está acontecendo um movimento muito forte nas casernas. Eu acho que é questão de horas, dias, no máximo uma semana, duas, talvez menos que isso, que vai acontecer um desenlace bastante forte na nação. Imprevisíveis, imprevisíveis".

"Caserna" é metonímia (a parte pelo todo) para designar quartéis e, pois, os militares. Nunca tinha visto ninguém empregar a palavra no plural. Nardes gosta tanto de coturno que vai longo metendo um "s" no vocábulo para evidenciar que está com a soldadesca desde que esta esteja com o golpe.

OS CRIMES
Oposicionistas pedem sua convocação à Câmara e ao Senado. Também se acionou a Corregedoria do TCU. Consta que o PT recorrerá ao Supremo. É o mínimo. Entendo que se impõe a apresentação de uma notícia-crime contra o ministro. É evidente que isso nem deveria ser necessário porque, a esta altura, a Procuradoria Geral da República já deveria ter enviado ao tribunal um pedido de abertura de inquérito. Mas ninguém tem esperança de que isso vá acontecer.

Assim, há o risco de que, mais uma vez, a omissão de uns faça recair sobrecarga nas constas dos outros. Só para lembrar: em caso de notícia-crime, o ministro-relator tem de ouvir a PGR, mas não está obrigado a seguir a sua opinião, e um inquérito pode ser aberto ainda que o órgão se oponha. A procuradoria é impositiva no caso de abertura de ação penal.

Nardes incorreu, parece patente, nos Artigos 286 (incitação ao crime), 359-L (abolição violenta do estado de direito), 359-M (golpe de Estado) e 359-R (sabotagem) do Código Penal. Peço, reitero, que ouçam ou leiam o que disse. Ele não se constrange nem mesmo de apelar à sua condição de "magistrado" para evidenciar, então, que trata do assunto com autoridade.

Mais, recorre a seu passado de líder da bancada ruralista para exaltar a violência:
Até quando lá atrás negociamos a ciclo de sessão eu era o líder da bancada ruralista, articulei a união em 17 estados pra colocar 20.000 pessoas em Brasília em [19]99. Queimamos máquinas, tratores, fizemos um escarcéu".
Parece estar dando uma ideia, não?

PEDIDO MAROTO DE DESCULPAS
O homem, creiam!, se desculpou, à maneira como fazem aqueles que são flagrados com a boca da botija e transferem a terceiros a responsabilidade por tirar a gravidade daquilo que dizem a fazem. Manifestou-se nestes termos, antes de pedir licença médica:
"O ministro Augusto Nardes lamenta profundamente a interpretação que foi dada sobre um áudio despretensioso gravado apressadamente e dirigido a um grupo de amigos. Para que não pairem dúvidas, esclarece que repudia peremptoriamente manifestações de natureza antidemocrática e golpistas e reitera sua defesa da legalidade e das instituições republicanas".

É cinismo misturado a covardia. Inexiste interpretação benigna para o que disse. Ao contrário do que afirma na nota, ele defende os atos ilegais e se mostra interessado em apoiá-los. Refere-se a golpistas e arruaceiros como "nós". O PT, que ganhou legitimamente a eleição, é tratado como o "eles", que teriam de ser depostos.

REPÚDIO
A Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), o Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas (CNPTC) e o Instituto Rui Barbosa (IRB) divulgaram, na tarde desta segunda-feira (21), uma nota de repúdio à mensagem envida por Nardes.

O repúdio é bem-vindo. O texto afirma, com correção, que se trata de um sério agravo à legitimidade democrática e ao ordenamento jurídico, em contexto também incompatível com a atuação da magistratura de Contas, que deve fidelidade absoluta às normas de regência (sobretudo a Lei Orgânica da Magistratura Nacional).

Para essas entidades, "a anunciada retratação coloca a matéria em novos termos." Com todas as vênias, não há "novos termos". Nardes revelou ao grupo ao qual se dirigia — e a mensagem veio a público — que mantém conversações com golpistas, que está articulado com eles e que defende o rompimento da ordem legal. Não é matéria de interpretação.

Ademais, retratação não elimina o crime nem serve a juízos absolutórios prévios. Deve ser levada em conta na hora de fazer a dosimetria da pena.

ENCERRO
A permanência de Nardes no TCU é inaceitável -- ou, desde logo, ele se coloca sob suspeição para julgar qualquer coisa que diga respeito ao governo petista. O "magistrado" deixou claro: os petistas são o que chama "Eles". E evidencia que atribui a si mesmo o papel de combatê-los. São os seus inimigos.

Mais: ele tem de ser investigado. Se estava apenas fazendo bravatas, isso é muito ruim e já o desqualifica para o cargo. Mas não é o que diz a seus pares: ele confessa estar em articulações de natureza golpista, inclusive com membros do atual governo, e diz saber ainda mais do que revela no áudio.

A democracia, por intermédio da Polícia Federal, tem de descobrir o que é. Se apenas mentiu, que saia do TCU com desonra. Se falou a verdade, quer seja condenado e preso.

Ministro do TCU é que não pode mais ser. Vai que decida botar fogo no tribunal, como fez com os tratores, para impor o seu ponto de vista, como fez em 1999. Seguem as respectivas íntegras de sua mensagem e das entidades ligadas ao TCU

*

ÍNTEGRA DO DISCURSO GOLPISTA DE NARDES, QUE REVELA SUAS ARTICULAÇÕES
"Estimado Sartori, como eu sou magistrado e julgo muitas coisas que estão acontecendo no Brasil, praticamente muita coisa passa pelo Tribunal de Contas da União, somos nove lá, e a situação é bem complexa, muito complexa. É o pior momento que a nação vai viver, mas talvez seja importante para poder recuperar? até pelo depoimento desse caminhoneiro que mostra a visão que todo mundo está tendo, não há mais? Os intelectuais da nação hoje você consegue escutar o que a gente vem pensando há muito tempo das pessoas mais humildes da nação e que têm uma visão clara do conjunto do país. Que nós somos hoje sociedade conservadora, que não aceita as mudanças que estão sendo impostas e que despertou. Isso é muito importante.

Lá nos anos 80, quando eu voltei da Europa eu tentei criar um movimento com um grupo de especialistas e um professor de direito constitucional, César Saldanha Júnior, que hoje já está um pouco fora de combate aí em Porto Alegre, para contrapor toda essa transformação que acabou acontecendo no Brasil. Criamos um instituto, enfim, fazíamos aulas pra defender a economia de mercado, mas fomos superados pela incompetência de todos nós. Claro que lutamos muito, eu estive na época conversando com Ernesto Geisel, com os líderes da época, João Figueiredo, que não tiveram uma visão de que tínhamos que fazer uma transição, com um parlamentarismo, e escolher um primeiro-ministro e fortalecer a economia de mercado com princípios que pudessem nortear a nação.

Agora veio o Bolsonaro, que despertou a sociedade conservadora, e hoje todo mundo está nas ruas aí, fazendo a sua defesa desses princípios. Demoramos, mas, felizmente, acordamos. Demoramos, mas, felizmente, acordamos.

O que vai acontecer agora? Está acontecendo um movimento muito forte nas casernas. Eu acho que é questão de horas, dias, no máximo uma semana, duas, talvez menos que isso, que vai acontecer um desenlace bastante forte na nação. Imprevisíveis, imprevisíveis. Portanto, a fala desse cidadão é pra despertar o produtor rural também porque não adianta só caminhoneiro trabalhar.

Vamos perder? Sim, vamos perder alguma coisa, mas a situação para o futuro da nação poderá se desencadear de forma positiva, apesar desse principal conflito que deveremos ter nos próximos dias ou nas próximas horas.

Falei longamente com o time do Bolsonaro essa semana. Ele não tá bem, tá com a ferimento na perna, uma doença de pele bastante significativa, mas tem esperança ainda, né? Tem esperança de que pode ser recuperar e melhorar a sua situação física, e certamente terá condições de enfrentar o que vai acontecer no país. Se vai haver alguma mudança em relação a isso? Só que haja uma capitulação por parte de alguns integrantes importantes e dirigentes que tudo se sente que vai pra um conflito social na nação brasileira.

Eu não posso falar muito até porque, sim, tenho muitas informações, mas queria passar pra ti, Sartori, e para o teu time aí do agro que eu conheço todos os líderes e sei da importância do agro.

Até quando lá atrás negociamos a ciclo de sessão eu era o líder da bancada ruralista, articulei a união em 17 estados pra colocar 20.000 pessoas em Brasília em [19]99. Queimamos máquinas, tratores, fizemos um escarcéu. Fizemos até carreteiro aqui pra mais de 2 mil pessoas junto com meu estimado amigo Sperotto e tantos líderes que aí acompanham junto com você esse time do agro Brasil. Então conheço todos os passos que temos que fazer.

Fiz a minha parte. Em [20]14, eu era presidente [do TCU], alertei a presidente [Dilma Rousseff] em [20]12, [20]13 o que ia acontecer no país, infelizmente não conseguimos diálogo na época. Porque eles nunca aceitaram o diálogo, eles foram pro confronto, e agora é um confronto decisivo, eles vão vir para um confronto que nós todos sabemos quais são as consequências, mas nós tomamos uma decisão importantíssima em [20]15, quando eu tive a coragem em 130 anos, pela primeira vez, de tomar uma atitude de reprovar as contas porque encontramos 340 bilhões em [20]15 e [20]16 de irregularidades na nação. E tudo se mostra que vai acontecer novamente.

Ou seja, princípios de estabilidade fiscal não vão ser postos, a não ser que a sociedade faça muita pressão e que haja mudança, mas tudo está muito nebuloso em relação ao futuro do país. Não vou me alongar mais, tenho muitas informações especialmente para o grupo do agro, mas eu acho que é o grande momento, baseado no que falou esse caminhoneiro lá de Sinop, de que é necessário acordar todo o Brasil.

Acordar, despertar, ter fé e crença, como nós tivemos lá em [20]15 apresentando, pela primeira vez, um processo que desmontou, de certa forma, essas estruturas que eles conseguiram remontar agora, baseado na estrutura que tinha já ficado, que foi muito longa. Imagina eles com mais quatro anos de governo o que vai acontecer na nação. Não sei. Vai depender da sociedade se reerguer, retomar a sua força, saber da sua força, saber da sua força. A sociedade sabe da sua força, mas não tinha despertado. Hoje nós estamos despertos, esperamos poder avaliar melhor a nação.

E eu fico aqui, como magistrado, procurando olhar a árvore e a floresta. A floresta, se não for tomado medidas bastante fortes, ela está indo pra um processo de ser incendiada aos poucos.

Um grande abraço pra vocês e estamos juntos, esperando aí a visita de vocês. Quando for ao Rio Grande, eu vou lá matar a saudade e ver especialmente o meu amigo Sartori e tantos outros que estão aí junto, Francisco Turra, meu colega, homem de fé, de crença, tantos que eu poderia falar aqui, vários políticos, várias pessoas que têm capacidade de auxiliar nesse momento tão dramático da nação. Grande dia. Os próximos dias serão nebulosos e o que vai acontecer de desdobramento não se sabe, mas certamente teremos desdobramentos muito fortes nos próximos dias. Um abraço."

INTEGRA DA NOTA DA ASSOCIAÇÃO DOS MEMBROS DOS TRIBUNAIS DE CONTAS DO BRASIL (ATRICON), DO CONSELHO NACIONAL DE PRESIDENTES DOS TRIBUNAIS DE CONTAS (CNPTC) E DO INSTITUTO RUI BARBOSA
A Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil (Atricon), o Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas (CNPTC) e o Instituto Rui Barbosa (IRB), renovando os compromissos assumidos na Carta do Rio de Janeiro, publicada no último dia 18 de novembro, durante Encontro Nacional dos órgãos de controle externo -- na qual foram reafirmados o papel das Cortes de Contas na defesa da democracia e das instituições republicanas, bem como a sua relevância em prol da boa e correta gestão governamental -- vêm a público expressar seu repúdio quanto ao teor de recente mensagem de áudio do ministro Augusto Nardes, hoje objeto de reconsideração de sua parte.

A anunciada retratação coloca a matéria em novos termos. Entretanto, estava-se diante de sério agravo à legitimidade democrática e ao ordenamento jurídico, em contexto também incompatível com a atuação da magistratura de Contas, que deve fidelidade absoluta às normas de regência (sobretudo a Lei Orgânica da Magistratura Nacional).

Ao mesmo tempo, as entidades ressaltam a atuação do Tribunal de Contas da União, inclusive no recente processo eleitoral, marcada pela juridicidade e pelo compromisso com os princípios fundamentais da República, aspectos bem evidenciados também na participação do seu presidente em exercício, ministro Bruno Dantas, na reunião do Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas, realizada no dia 17 de novembro.

A Atricon e o CNPTC reiteram que os Tribunais de Contas do Brasil atuam com independência e impessoalidade, a fim de cumprir e fazer cumprir as regras e os princípios estabelecidos na Constituição Brasileira, à luz do Estado de Direito e do regime democrático.

Brasília, 21 de novembro de 2022.
Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil - Atricon.
Conselho Nacional de Presidentes dos Tribunais de Contas - CNPTC.
Instituto Rui Barbosa - IRB.

Por Reinaldo Azevedo

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