O presidente Lula com o general Tomás Miguel Ribeiro Paiva, novo comandante do Exército Imagem: Divulgação/Ricardo Stuckert |
O comandante do Exército Júlio César Arruda confundiu pacificação com bagunça quando torceu o nariz para a ordem do presidente da República de anular a transferência de um ex-auxiliar de Bolsonaro para a chefia de uma prestigiosa unidade militar. Ao demiti-lo, Lula atalhou a indisciplina e restaurou a hierarquia. Qualquer tratativa com o general em torno do descumprimento de uma ordem superior conduziria à anarquia. Com atraso, Lula finalmente tomou posse como comandante-em-chefe das Forças Armadas.
Em 24 horas, o discurso do ministro José Múcio deu um cavalo de pau. Na sexta-feira, após reunião de Lula com os comandantes militares, Múcio dissera que o mal-estar do presidente com as fardas estava superado. Chegara a hora de "virar a página", "pacificar" o ambiente e "olhar pra frente". Neste sábado, compelido a explicar a demissão do comandante do Exército, Múcio endireitou a prosa: "...As relações com o comando do Exército sofreram uma fratura no nível de confiança. Achávamos que deveríamos estancar isso no início para superar o episódio".
Presidente de terceiro mandato, Lula sabe que toda crise tem um custo. Os militares regatearam. Na sexta, Lula parecia disposto a fechar a conta. Acertou-se que fardas pilhadas no quebra-quebra seriam punidas. Afastaram-se do Planalto e do Alvorada oito dezenas de bolsonaristas camuflados, a maioria de baixa patente. No mais, Múcio sinalizou que o barato sairia caro. A crise nem foi discutida na reunião. Falou-se sobre investimentos. Em vez de castigo, prêmios. As Forças Armadas iriam às compras.
Lula poderia ter exonerado o general Arruda em 8 de janeiro. Naquele dia, após passar dois meses protegendo falanges bolsonaristas na porta do seu quartel-general, o Exército favoreceu a arruaça golpista ao descumprir sua missão de guarnecer o Planalto. À noite, consumada a depredação nos Três Poderes, o Exército impediu a polícia de prender criminosos em flagrante. Usou até blindados para retardar o cumprimento de ordem judicial emitida pelo ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes. Muita gente fugiu.
Por mal dos pecados, a história mostra que tentativas de pechinchar o custo de crises costumam magnificar o tamanho do prejuízo. Após a reunião apaziguadora de sexta-feira, Lula encomendou a anulação de um prêmio concedido por Bolsonaro ao seu ex-ajudante de ordens, o tenente-coronel do Exército Mauro Cesar Barbosa Cid. Foi nomeado comandante de uma tropa de elite, no 1º Batalhão de Ações e Comandos, em Goiânia. Lula impressionou-se com o rastro pegajoso deixado pelo coronel Cid, como é chamado o amigo de Bolsonaro.
Espécie de faz-tudo do capitão, o coronel Cid é coadjuvante no inquérito sobre milícias digitais. É protagonista numa investigação sobre o suposto desvio de verbas do cartão corporativo da Presidência para o pagamento de contas pessoais de Michelle Bolsonaro. Alheio às suspeições, o general Arruda esboçou contrariedade com a ordem de Lula. Foi como se cutucasse a autoridade presidencial com o pé, para ver se Lula mordia.
Mordido, Júlio César Arruda perdeu o comando do Exército para o comandante militar do Sudeste, general Tomás Miguel Ribeiro Paiva. Na semana passada, falando para a tropa, ele defendeu o respeito à democracia. "É o regime do povo, da alternância de poder. É o voto", declarou. O futuro comandante do Exército é ligado ao general Eduardo Villas-Bôas. Ajudou a redigir o tuíte que Villas-Bôas postou para pressionar os ministros do Supremo às vésperas do julgamento do habeas corpus que autorizou a prisão de Lula em 2018.
Os ministros do Supremo sempre negaram que a postagem de Villas-Bôas, então comandante do Exército, tenha influenciado no julgamento. Entretanto, Lula e o PT crivaram o general de críticas. Ao escolher para a chefia do Exército um coautor do tuíte que almejava a sua prisão, Lula pode argumentar que deseja a profissionalização das Forças Armadas, não a sua politização com o sinal trocado. A mudança de guarda no Exército não vira integralmente a página da crise. Mas, por um instante, o governo parou de puxar a página para trás.
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