terça-feira, 24 de janeiro de 2023

Como Bolsonaro gastou os recursos da saúde indígena? ONG evangélica ganhou R$ 872 milhões



Há um mistério quando se olha para os orçamentos do governo federal voltados para a saúde indígena. De 2019 a 2022, quase todo o dinheiro foi gasto, mas ainda assim o país se depara com as cenas de horror de crianças, adolescentes e idosos yanomamis morrendo de fome, sede, pneumonia e malária. A resposta ainda precisará de uma investigação ampla, mas tudo indica que os recursos foram mal empregados, beneficiando organizações pouco eficientes e até mesmo garimpeiros donos de empresas de transporte aéreo na região.

Pelos dados do Portal da Transparência, nos quatro anos do governo Bolsonaro, o Programa de Proteção e Recuperação da Saúde Indígena teve um orçamento de R$ 6,13 bilhões, com R$ 5,44 bilhões, de fato, gastos. Ou seja, um percentual de execução elevado, de 88%. Esses números, no entanto, levam à falsa impressão de que o governo fez a sua parte.

A análise mais atenta revela informações que saltam aos olhos. A entidade que mais recebeu recursos foi uma ONG evangélica chamada Missão Caiuá, que diz "estar a serviço do índio para a glória de Deus". Nesses quatro anos, foram R$ 872 milhões enviados a essa organização sediada no Mato Grosso do Sul. Quase o dobro da segunda entidade que mais recebeu recursos, o Instituto de Medicina Integral Professor Fernando Figueiredo, com R$ 462 milhões.

O presidente da Urihi Associação Yanomami, Júnior Hekurari Yanomami, explica que a ONG Cauá faz apenas a contratação de funcionários, como médicos e enfermeiros, mas que eles não têm entrado nas terras indígenas nos últimos quatro anos. Ou seja, tudo indica que salários foram pagos, mas sem a execução correta do serviço. Uma outra fonte que trabalhou na Funai, mas que preferiu não ser identificada, diz que a Cauá contrata pessoal pelo período de um ano, fazendo demissões em dezembro para ir recontratando em janeiro. Isso cria um déficit de pessoal justamente no primeiro mês do ano. O objetivo é evitar o vínculo empregatício.

Para as terras indígenas yanomamis, o Portal da Transparência mostra que R$ 51 milhões de um orçamento de R$ 59 milhões em 2022 foram executados. Júnior Hekurari Yanomami explica que a maior parte desses recursos foi utilizada para a contratação de empresas de transporte aéreo, como aviões e helicópteros, que levam médicos e funcionários à região. Segundo essa fonte da Funai, muitos deles têm como donos os próprios garimpeiros que passaram a diversificar os seus negócios.

- O que houve foi descaso e crime. O dinheiro foi mal gasto e mal planejado. Quase tudo foi gasto com "aéreo". Avião e helicóptero para levar profissionais dentro do território, mas apenas na hora da emergência, quando muitas vezes já é tarde demais. Como a ambulância do SAMU nas cidades. Não sobra nada para comprar medicamentos. O que a gente precisa é de prevenção, um plano de ação e compromisso com as vidas – afirmou Júnior.

De um lado, Bolsonaro estimulou a invasão de garimpeiros nas terras indígenas. Eles levaram as doenças e a violência para a região. De outro, os próprios garimpeiros se tornaram donos das empresas de transporte aéreo e começaram a impedir que profissionais de saúde, antropólogos, sociólogos e agentes públicos frequentassem a região. Hekurari Yanomami ainda diz que pelo menos seis postos de saúde nas terras indígenas yanomamis foram fechados nos últimos anos. 


- Os garimpeiros ficam intimidando, ameaçando profissionais para pegar remédios. Por causa desses problemas foram fechadas seis unidades básicas de saúde. Muitos yanomamis ficaram sem atendimento e morreram sozinhos sem nenhuma ajuda. Com os yanomamis também faltou gestão. Se fosse um trabalho dentro da comunidade, de atendimento, com médicos, não tinha gasto isso tudo - disse. 


Não é difícil entender como os indígenas chegam rapidamente ao óbito pela desnutrição, me diz essa fonte da Funai. Como eles não possuem geladeiras e nem todas as terras são boas para o plantio, eles precisam literalmente sair para caçar e pescar todos os dias. Quando uma enfermidade acomete parte de uma aldeia, como no caso de uma gripe ou pneumonia, eles perdem a capacidade de ir atrás dos alimentos, porque não há estoques. A crise se alastra rápido, em questão de dias.

Júnior conta que chegou a ser perseguido após fazer denúncias de descaso dos agentes públicos, incluindo a Secretaria Especial de Saúde Indígena. E exalta a ida do presidente Lula à Roraima, o que, segundo ele, trouxe novamente a esperança para o povo indígena da região.



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