terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Sob Lula, Brasil entra em câmara de descompressão para redescobrir o óbvio



Estreou nesta segunda-feira um espetáculo político novo em Brasília: a redescoberta do óbvio. Em verdade, a coisa começou no domingo, com a festa da terceira posse de Lula. Mas discursos de posse, lidos com pompa, podem se revelar inúteis se os seus autores tropeçarem nas circunstâncias decorrentes do trabalho. E o serviço começou formalmente neste dia 2 de janeiro de 2023, com a chegada dos novos ministros em suas pastas. Os auxiliares de Lula empurraram o Brasil para dentro de uma câmara de descompressão.

No comando da Saúde, por exemplo, Nísia Trindade disse que dará atenção prioritária ao fortalecimento do SUS. Enalteceu a vacinação. Acenou com o fortalecimento do programa Farmácia Popular, torpedeado por Bolsonaro. Não atacou a ciência. Ao contrário, prometeu revogar atos anticientíficos. Surpresa!

Alfabetização na idade certa será a "prioridade absoluta" de Camilo Santana, da Educação. Ele quer valorizar os professores e resgatar as 650 mil crianças que abandonaram a escola durante a pandemia. Não falou em ideologia de gênero. Não atacou a academia. Disse enxergar as universidades como ambientes autônomos e livres para o debate. Espanto!!

Rui Costa, da Casa Civil, anunciou para este mês de janeiro uma reunião de Lula com todos os governadores, sem levar em conta partidos e tendências ideológicas. Mostrou-se um cultor da união. Pasmo!!!

Alexandre Padilha, da coordenação política da Presidência, revelou ter convidado para sua posse o governador bolsonarista de São Paulo Tarcísio de Freitas, que telefonou para justificar a ausência e avisar que deseja manter com a gestão Lula "as melhores relações". Admiração!!!!

Flávio Dino, da Justiça, declarou que ameaças à democracia e atentados terroristas serão tratados como crimes. Não atacou a Justiça nem xingou magistrados. Dirigiu-se de forma respeitosa à presidente do Supremo Tribunal Federal, Rosa Weber. Pregou a harmonia. José Múcio, o civil que comandará os militares desde a pasta da Defesa, realçou o vínculo das Forças Armadas com a Constituição e o regime democrático. Assombro!!!!!

Mauro Vieira, o novo chanceler, teve que trabalhar antes mesmo de se apossar formalmente da cadeira. Dedicou-se a organizar reuniões de Lula com chefes de Estado que compareceram à posse. Incluiu na primeira agenda presidencial personagens demonizados pelo Planalto até a semana passada. Gente como Alberto Fernández, Gabriel Boric e Gustavo Petro, presidentes da Argentina, do Chile e da Colômbia. Estupefação!!!!!!

Sob Bolsonaro, o governo havia mergulhado nas profundezas do inusitado. Imersos numa realidade paralela, o capitão e seus auxiliares tropeçavam no óbvio e, abstendo-se de pedir desculpas, passavam adiante fingindo que o óbvio não era o óbvio.

Em suas manifestações inaugurais, os novos ministros esclarecem que enxergam o óbvio. Isso não é garantia de que o terceiro governo de Lula será bom. Mas pelo menos evita que os ministros desperdicem o tempo, a paciência e o dinheiro dos brasileiros discutindo de que lado da terra plana o governo deve saltar.

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