Os primeiros dias do novo mandato do presidente Lula da Silva têm sido marcados pela volta do debate de questões absolutamente anacrônicas e que, em vários casos, pareciam superadas na sociedade brasileira. O caso mais estupefaciente até aqui foi protagonizado pelo ministro da Previdência, Carlos Lupi, que defendeu a reversão da reforma da Previdência, aprovada em 2019. “É preciso discutir esse atraso, desrespeito, acinte à cidadania que foi feito com essa antirreforma da Previdência. É preciso ter coragem para discutir isso. É o trabalho da minha vida”, afirmou Lupi ao tomar posse.
Ninguém pode se dizer surpreendido. Lupi é presidente do PDT, partido herdeiro do brizolismo, ideologia tacanha que sempre se posicionou radicalmente contra as reformas, sobretudo a da Previdência e a trabalhista. Recorde-se que Leonel Brizola, ele mesmo, chamou de “imoral” a reforma da Previdência promovida por Lula em seu primeiro mandato. Ou seja, quem colocou Lupi no Ministério da Previdência sabia – ou deveria saber – o que estava fazendo.
Sentindo-se à vontade, Lupi acrescentou que “a Previdência não é deficitária” e que ele provará isso “com números, dados e informações”. Não se sabe bem de que fontes vieram os “números, dados e informações” mencionados por Lupi, pois a Previdência, no acumulado de 12 meses até novembro de 2022, registrou déficit de R$ 262 bilhões – o rombo chega a R$ 370,1 bilhões quando se inclui o regime dos servidores concursados e dos militares inativos e pensionistas. Mas é inútil discutir com quem escolheu deliberadamente negar a realidade.
Não há nenhum problema quando devotos de seitas políticas retrógradas como o brizolismo demonstram publicamente seus delírios. Mas há muitos problemas quando um desses devotos ocupa um cargo de destaque no primeiro escalão do governo, situação em que cada palavra dita por ele tem potencial de causar estragos, seja ao governo, seja ao País. Por esse motivo, horas depois da inacreditável declaração de Lupi, o ministro da Casa Civil, Rui Costa, tratou de desmentir o colega, dizendo que “não há nenhuma proposta” de reversão da reforma da Previdência. Costa atribuiu o arroubo de Lupi ao “entusiasmo” com o início do novo governo: “As energias estão lá em cima”.
Faria bem o governo se canalizasse essas energias não para a reversão de reformas e políticas que fizeram e fazem muito bem ao País, como a da Previdência e a trabalhista, e sim para seu aprofundamento. O caso da Previdência, a propósito, é exemplar: quem tem um mínimo de bom senso sabe que, em breve, em razão do acelerado envelhecimento da população e da informalidade crônica do mercado de trabalho, outra reforma será necessária.
A Previdência representou 53,4% do total de despesas primárias em 2021, ou R$ 767,8 bilhões, segundo o Tribunal de Contas da União. Desde 2017, os regimes de Previdência consomem mais da metade de todos os gastos do Executivo, dinâmica que, por óbvio, tem achatado os demais dispêndios públicos.
Em tempos de debates sobre a âncora fiscal que substituirá o teto de gastos, é importante lembrar que, não fossem as despesas previdenciárias, o País teria superávit primário. Entre 2011 e 2020, o déficit da Previdência aumentou, em média, 14,5% ao ano. Exatamente porque se trata de um sistema essencial para o País, a Previdência precisa ser sustentável no longo prazo.
O buraco da Previdência não é um acidente do destino. Para além da combinação entre subfinanciamento do sistema e o envelhecimento da população, muitas políticas públicas aumentaram as renúncias de receitas previdenciárias, como a desoneração da folha de pagamento e os regimes especiais para microempreendedores individuais e empresas enquadradas no Simples. Soluções para os dilemas presentes e futuros da Previdência Social passam, em primeiro lugar, por encarar a realidade como ela é, o que requer reformas que contenham seus gastos e ampliem sua arrecadação. Lamentavelmente, é o oposto do que o País tem feito nos últimos anos – e não será com delírios que o problema será solucionado.
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