O material, obtido pela equipe da coluna, foi entregue ao coordenador-geral da transição, o então vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB), na primeira quinzena de dezembro junto dos demais relatórios dos grupos temáticos. O ministro da Secom indicado por Lula, Paulo Pimenta (PT), fazia parte da equipe que elaborou o documento.
Apesar da promessa do novo governo de revogar sigilos impostos por Bolsonaro, a equipe de Lula decidiu não divulgar os relatórios internos que embasaram os trabalhos na transição antes da posse.
De acordo com o relatório, os conteúdos que desagradavam a administração bolsonarista teriam sido limados da grade das TVs e rádios da Empresa Brasileira de Comunicação (EBC). A companhia foi um dos principais alvos de Bolsonaro, que chegou a prometer privatizá-la na campanha de 2018, mas nunca levou o plano adiante.
O grupo de trabalho teve acesso a informações compiladas pela Ouvidoria Cidadã e pela Frente em Defesa da EBC e da Comunicação Pública, movimento composto por funcionários da estatal e militantes da área.
Entre os outros tópicos proibidos estão as mudanças climáticas, pautas do meio ambiente, demandas das mulheres negras, direitos da população negra e indígena e a diversidade religiosa e sexual.
“No caso da comunicação de governo, os danos atingem o direito da população de ter acesso a informações fidedignas sobre temas e ações diretamente ligados à sua vida – quando não à sua sobrevivência -, o que impacta no exercício da democracia”, ressaltou o grupo de trabalho.
O relatório também descreve um ambiente de perseguição e assédio dentro das emissoras públicas, como a TV Brasil, além da implementação de uma série de “práticas antissindicais”. A empresa chegou a ser condenada por assédio moral coletivo pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região em março de 2022.
“Na campanha eleitoral, o aparelhamento se intensificou. Casos de censura, abusos, perseguição e assédio foram denunciados por funcionários e sindicatos”, diz trecho do documento.
No mesmo período, ainda de acordo com o relatório, a EBC passou de uma estatal ameaçada de privatização ou até mesmo extinção para um instrumento ativo da “guerra cultural” e do projeto de reeleição de Bolsonaro.
Em 2021, a TV Brasil chegou a reproduzir uma live do então presidente desacreditando o sistema eleitoral brasileiro por meio de uma brecha legal, como mostramos no blog. Na celebração do bicentenário da Independência neste ano, às vésperas da eleição presidencial, o canal também serviu de plataforma eleitoreira e acabou na mira do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
"A íntegra da transmissão pela TV Brasil, emissora pertencente ao conglomerado de mídia governamental Empresa Brasil de Comunicação – EBC, permite constatar que parte relevante da cobertura se centrou na pessoa do presidente", apontou o ministro Benedito Gonçalves do TSE, ao proibir Bolsonaro de usar imagens da parada militar em seu programa eleitoral.
Já a cobertura da pandemia da Covid-19, a exemplo do próprio Ministério da Saúde, sofreu interferências para que a narrativa negacionista do presidente fosse contemplada.
O uso da máquina da EBC para a disseminação de informações contrárias à ciência já havia sido levantado pela CPI da Covid, e a empresa acabou incluída no relatório final da comissão pela difusão de conteúdo negacionista.
A transição também fala na distorção do papel da Secom, que provocou, entre outros reflexos, a “ausência irresponsável” por parte da secretaria na coordenação transversal de peças publicitárias dos ministérios. Um dos exemplos é a redução brusca de campanhas do Ministério da Saúde contra o vírus HIV, que caiu de R$ 22 milhões em 2018 para pouco mais de R$ 100 mil em 2021.
Na avaliação da equipe de Lula, os gargalos na publicidade das pastas do governo foram abertos após a Secom perder seu vínculo com a Presidência - o que facilitava a supervisão de toda a Esplanada.
Desde a posse de Bolsonaro, o órgão passou pela Secretaria-Geral, pela Secretaria de Governo e terminou no Ministério das Comunicações, criado em junho de 2020. Agora, sob Lula, ganhou status de ministério.
Nós questionamos os ex-secretários Fabio Wajngarten e André Costa, além do ex-ministro das Comunicações Fabio Faria, sobre o conteúdo do relatório. A respeito das censuras e interferências citadas pela transição de Lula, Wajngarten respondeu que “nunca respondeu pela EBC”, onde esteve apenas duas vezes à frente da Secom.
Já sobre a falta de coordenação das campanhas dos ministérios pela Secom, o ex-secretário concordou que houve problemas. “Adoraria ter tido um orçamento e estrutura maiores e mais robustas. Tentei, sem sucesso, ampliar orçamento e (abrir um) edital de agências e fornecedores, um tema para o Ministério das Comunicações”, disse Wajngarten à equipe da coluna.
André Costa e Fabio Faria, por sua vez, não retornaram o contato até o fechamento da reportagem.
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