Em meio a grandes barulhos, certos silêncios têm muita utilidade. O silêncio de Anderson Torres, por exemplo, serviu para amplificar os ruídos produzidos pelo seu braço direito na Secretaria de Segurança Pública de Brasília, Fernando de Sousa Oliveira. Ambos foram interrogados pela Polícia Federal na quarta-feira. Anderson calou para não se autoincriminar. Seu número 2 falou para incriminá-lo. Foi bem sucedido.
A passagem de Fernando Oliveira pela cúpula da Segurança de Brasília foi fulgurante. Ele ocupou a segunda poltrona na hierarquia da secretaria então chefiada por Anderson por escassos sete dias. Entre a admissão e a demissão, assistiu ao 8 de janeiro como mero espectador.
O conteúdo do depoimento de Fernando à PF reforça a suspeita de que uma sabotagem no plano de ação da Polícia Militar inibiu a contenção do quebra-quebra que desceu ao verbete da enciclopédia como maior ataque à democracia desde o fim da ditadura. O enredo do ex-assessor complica a defesa de Anderson.
Convidado em dezembro, quando Anderson ainda era ministro da Justiça de Bolsonaro, Fernando chegou à Segurança Pública em 3 de janeiro. Começou a trabalhar efetivamente no dia 4. Em 5 de janeiro, Anderson informou ao auxiliar que viajaria em férias para os Estados Unidos.
Anderson esclareceu a Fernando que deixaria pronto o planejamento de segurança para os atos do final de semana seguinte, que já estavam previstos. Nessa versão, o plano de ação policial foi aprovado no dia 6 de janeiro. Anderson embarcou na sequência para a Flórida. O substituto diz não ter recebido "nenhuma diretriz específica." Seria "acionado em caso de necessidade."
Anderson viajou sem apresentar Fernando ao governador Ibaneis Rocha. Não o apresentou nem mesmo aos comandantes das forças policiais do Distrito Federal. As férias estavam programadas para o dia 9 de janeiro, uma segunda-feira. Anderson voou para o estrangeiro na sexta, dia 6.
Fernando não se considerava responsável pela Secretaria de Segurança durante a invasão da turba bolsonarista aos Três Poderes. Disse à PF que Anderson "ainda era o titular da pasta". Deu no que está dando.
Fernando Capelli, o interventor federal no setor de segurança pública de Brasília, já declarou que os ataques ao Congresso, ao Planalto, ao Supremo e à democracia foram facilitados por uma "sabotagem". Afastado do cargo por 90 dias, o governador Ibaneis também acha que foi sabotado.
O quadro pintado por Fernando Oliveira em seu depoimento gruda em Anderson Torres orelhas de lobo, focinho de lobo e dentes de lobo. O ex-ministro de Bolsonaro, em cujo armário a PF encontrou uma minuta de golpe, terá dificuldade para manter sua pose de vovozinha disfarçada.
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