sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Vídeos provam: Guarda Nacional é necessária. Prefiro a Constituição a Musk


Elon Musk, chefão de uma Big Tech, entre o bandido Steve Bannon e o golpista Donald Trump. E a Constituição do Brasil. A quem devemos confiar o combate ao golpismo? Imagem: Brendan Smialowski/AFP Via Getty Images; Reprodução

A extrema-direita que ronca e fuça — com suas cadelas sempre no cio, para lembrar Brecht (e isso inclui certos delinquentes disfarçados de jornalistas) — já está fazendo barulho contra um conjunto de propostas que o ministro Flávio Dino (Justiça) apresentou ao presidente Lula para impedir que o país assista de novo a um 8 de janeiro. O pacote inclui uma Medida Provisória, dois projetos de lei e uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional). O ministro chama de "Pacote Pró-Democracia". Eu prefiro "Pacote Antifascistização", para que se defina com mais precisão quem ameaça hoje o regime democrático.

GUARDA NACIONAL
O governo quer propor uma PEC para criar uma Guarda Nacional, que ficaria subordinada ao Ministério da Justiça, para cuidar especificamente da segurança dos órgãos federais, o que inclui Esplanada dos Ministérios e Praça dos Três Poderes. Até a divulgação, ontem, pelo STF dos vídeos mostrando como se deu o avanço dos golpistas contra o tribunal, cheguei a ter certa resistência à ideia. Afinal, o Distrito Federal dispõe de uma das PMs mais aparelhadas do país. Também é a mais bem paga, com recursos da União. A proteção a órgãos federais é uma de suas tarefas.

Depois do que se viu, não tenho como resistir à criação de uma Guarda Nacional, que fique, sim, subordinada ao Ministério da Justiça. As cenas são, a um só tempo, chocantes e constrangedoras. De saída, vê-se um contingente absolutamente insuficiente para fazer frente à massa de golpistas. Quem quer no governo do DF que tenha tomado a decisão cometeu uma de duas faltas, ambas gravíssimas: ou subestimou, estupidamente, o risco — amplamente conhecido porque os delinquentes jamais esconderam suas intenções — ou resolveu ser sócio do caos.

Depois de invadir Câmara e Senado, os criminosos avançaram rumo ao Supremo e encontraram pela frente veículos da tropa de choque: seis viaturas, um ônibus e um blindado "Centurion", cuja função é justamente enfrentar distúrbios. Dispõe de jatos d'água e de lançadores de bombas de gás lacrimogêneo. Um policial desce de uma viatura, conversa com o provável responsável pela barreira de contenção, e esta se desfaz, dando passagem aos vândalos. Sem nenhuma reação. Já tínhamos assistido a outras manifestações explícitas de parceria: policiais fazendo selfies com golpistas ou tomando água de coco.

O então comandante da PM, Fábio Augusto Vieira, e o então secretário de Segurança, Anderson Torres, estão presos. Isso diz respeito ao passado e tem a ver com a investigação. Mas é preciso impedir que volte a acontecer. Infelizmente, não há como dissociar esse comportamento de policiais militares das, digamos, afinidades eletivas. Contra todas as advertências, Ibaneis Rocha, governador afastado do DF, nomeou Torres para a Secretaria de Segurança. No episódio em si, ele alega apenas incompetência — embora não empregue essa palavra. A questão é saber se atuou ou deixou de atuar, com o risco de produzir aquele resultado.

A PM não obedece a ordens do governo federal, a não ser, como está em curso, em caso de intervenção, ainda que apenas na Segurança. Mas, quando isso acontece, a crise já está instalada. Se, até ontem, eu resistia um pouco à conveniência de uma Guarda Nacional, agora ela me parece necessária.

AS "BIG TECHS"
Por meio de Medida Provisória, o governo pretende que as gigantes que respondem por redes sociais e plataformas de divulgação de vídeos se comprometam mais efetivamente com o combate a conteúdos golpistas, que incitem o ódio e a animosidade entre as Forças Armadas e os Poderes da República.

É nesse ponto que liberais de meia-tigela costumam se esgoelar: "Querem censura!" A preocupação com a liberdade de expressão é um dever de um democrata, assim como distingui-la do crime. Informa Patrícia Campos Mello, na Folha, que o governo pretende trabalhar com o chamado "dever de cuidado", inspirado na "regulação de internet da União Europeia, o Digital Services Act (DSA), que entra em vigor no mês que vem, na Lei da Segurança Online, do Reino Unido, e na regulação alemã de redes."

Em que consiste?
- Empresas apresentam relatórios de transparência detalhando critérios para remoção de conteúdo e redução do alcance de conteúdo ilegal;
- a remoção deve ser feita pelas empresas segundo as próprias regras, salvo em caso de decisão judicial;
- não haverá responsabilização civil das redes; as empresas só serão multadas se descumprirem determinação da Justiça.

A proposta é mais branda do que se pensou inicialmente. Aventou-se punir as empresas que não tomarem, voluntariamente, de forma proativa, a iniciativa de excluir conteúdos que estimulem o rompimento da ordem democrática. É o que defendo, diga-se. Pergunto: sem que se lhes imponha a obrigação, vão mesmo atuar de forma eficaz por conta própria?

Informa Patrícia:
"Levantamentos mostram que as plataformas têm sido pouco ágeis na remoção de conteúdo que viola regras de integridade cívica das próprias empresas. Segundo a agência de checagem Lupa, após dez dias, 76% dos posts golpistas denunciados pela agência seguiam online nas redes. A Lupa recebeu denúncias com 2.173 links únicos com material que serviu à organização e divulgação dos ataques violentos de 8 de janeiro. Os links remetiam a Instagram, Facebook, Twitter, YouTube, TikTok e Kwai."

Como lembra o professor Ricardo Campos, "a legislação deveria prever também auditoria, como no DSA, para fiscalizar se as plataformas estão realmente cumprindo seus termos de uso".

Vamos ver o que vem no texto. Hoje, as ditas "big techs" já se dizem comprometidas com a eliminação de material que contrariem suas diretrizes, afinadas, em princípio, com a democracia. Pergunta óbvia de resposta idem: fosse eficiente o modelo que se tem, teria havido um dia 8 de janeiro?

"Ah, mas precisamos preservar o Marco Civil da Internet". Precisamos, desde que a preservação do texto, como está, não coloque em risco o Estado de direito e a democracia, em nome da qual foi aprovado. Não foi Deus que cravou aquelas regras, com raios, numa pedra?

Incomoda-me, ademais, que se alegue a impossibilidade de um monitoramento eficaz, dada a monumentalidade das postagens. Trata-se de uma restrição duvidosa. A esmagadora maioria das postagens, boas ou más, fica na quase clandestinidade. Não são tantas assim as que viralizam e têm potencial destrutivo.

Outro projeto de lei deve cria novos tipos penais para, por exemplo, responsabilizar empresas que financiam golpistas. Augusto de Arruda Botelho, secretário nacional de Justiça, lembra que não há tipificação para financiadores dos crimes.

Também se estuda impedir que as empresas acusadas de financiar atos antidemocráticos participem de licitações públicas ou recebam incentivos fiscais.

Em síntese, o pacote se distribui assim:
- PEC para criação da guarda nacional na segurança do Distrito Federal;
- Medida Provisória para criar regras e estipular multas contra redes sociais que não adotarem medidas para evitar a prática de crimes;
- Projeto de Lei para aumento de penas contra quem pratica crimes contra o Estado Democrático de Direito e terrorismo;
- Projeto de Lei para dar agilidade à perda de bens contra quem pratica crimes contra o Estado Democrático de Direito, com foco nos financiadores de atentados.

CONSTITUIÇÃO OU ELON MUSK?
Aqui e ali, pipocam na imprensa fascistoides fantasiados de liberais ou libertários que veem na defesa dos valores consagrados na Constituição uma grave ameaça à liberdade de expressão. Sustentam ainda que as redes sociais são um espelho da sociedade. Segundo esse raciocínio, não faria sentido banir das redes o que está na vida.

Trata-se de uma mentira grotesca, que acabou contaminando o Marco Civil da Internet. Sim, há antediluvianos e fascitoides na sociedade e nas redes, certo? Mas cabe a pergunta: sem os algoritmos, o sujeito que assegura que as vacinas causam autismo ou que pregam a destruição do STF chegaria a milhões de pessoas? Ademais, as redes são também um modelo de negócio. E não podem ser um negócio que contribua para pôr a democracia em risco. Prefiro a Constituição a Elon Musk.

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