Lula utiliza com os militares um velho truque que caracteriza sua ação política: a manipulação do medo. Submetido a encrencas duras de roer como a bolsonarização das Forças Armadas, ele insinua com meia dúzia de declarações ácidas que pode adotar soluções radicais. Aplaina o terreno com providências tópicas. E solta sua turma mais radical na pista.
Quando o caldeirão começa a borbulhar, Lula se oferece à outra parte como pacificador. A velha mágica ressurge na reunião desta sexta-feira com o ministro José Múcio (Defesa) e os comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica. O botão de pacificação foi apertado no instante em que Lula convidou para a reunião o vice-presidente Geraldo Alckmin, que acumula a função de ministro da Indústria, e o presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva.
Depois do 8 de janeiro, Lula zangou-se com os militares. Passou a amedrontá-los com declarações que rimaram com o bordão "Sem Anistia". Acusou-os de cumplicidade e negligência. Insinuou que abriram as portas do Planalto para as falanges bolsonaristas. Prometeu punir as fardas que participaram do quebra-quebra. Atiçado, o petismo levou José Múcio à frigideira e defendeu um saneamento das Forças Armadas.
De repente, Lula tirou Múcio do óleo quente. "É meu amigo de muitos anos. Confio! Tem muita habilidade política", disse à GloboNews. Desligou o petismo da tomada: "Tem gente que não gosta disso, quer que saia logo na porrada. Não é assim." Estendeu a mão aos militares: "Se a gente puder conversar, contemporizar, para que a coisa melhore amanhã, a gente vai fazer."
Esvaziada a atmosfera de tensão, Lula utilizou Alckmin e Josué para delimitar a pauta da reunião com os comandantes. Não faria sentido falar a sério sobre golpe, golpismo, revisões e punições num encontro adornado pelo sorriso de Alckmin e a sobriedade de Josué.
Ficou entendido que o tema do encontro seria o soerguimento da indústria bélica nacional. É como se Lula e os comandantes discutissem regras de prevenção ao fogo no meio das labaredas.
Toda crise tem um custo. Imaginou-se que a invasão dos Três Poderes elevaria o preço a ser pago pelas Forças Armadas pela bolsonarização. Múcio e os comandantes militares pechincharam. Lula cobrou a punição dos militares que levaram o rosto à cena do crime. Passou o rodo em cerca de seis dezenas de fardas bolsonaristas mal camufladas no Planalto. Deve ficar nisso.
Embora usufrua do terceiro mandato, Lula parece ter esquecido que tentativas de regatear o preço das crises costumam resultar no aumento do prejuízo. As Forças Armadas se bolsonarizaram porque oficiais mais velhos demoram a perceber que o golpismo já não tem futuro. Os jovens cadetes, desinformados por escolas que ensinam que não houve golpe em 1964, acham que não há um passado. O modo pacificador conduz à eternização da encrenca.
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